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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
As inovações financeiras e o risco
Espera-se que Lula se interesse pela segurança jurídica do crédito para que o brasileiro
possa tomar mais riscos
AS NOVAS oportunidades de comércio entre a Europa e as
colônias na Ásia e Américas
que resultaram da "era das descobertas" criaram uma grande demanda por transporte marítimo a partir
do século 16. Os conflitos armados, a
pirataria e as difíceis condições de
navegação colocavam os navios e
mercadorias em constante risco. Os
comerciantes usavam métodos diversos para lidar com esses riscos: a
formação de comboios em que todos
os proprietários dividiam os lucros,
empréstimos com pagamento contingente ao sucesso da expedição e a
divisão da propriedade de um barco
entre diversos sócios.
O problema com todos esses procedimentos é que o risco continuava
na mão da comunidade de armadores. Para atrair capital de outros investidores, os governos na Espanha
e na Inglaterra regulamentaram o
seguro marítimo. Na justificativa da
lei inglesa de 1601, lê-se que um dos
objetivos da legislação era permitir
que os comerciantes tomassem
mais risco. A nova lei facilitou o comércio colonial, mas era longe de
perfeita. Muitos seguradores vendiam um número excessivo de apólices e, no caso de perdas, iam à falência sem pagar o seguro devido.
Para atacar esse problema, em 1720,
uma nova legislação inglesa garantiu a prioridade do pagamento de seguro sobre outros débitos do segurador. Assim como em 1601, o legislador escreveu que o objetivo era encorajar as "aventuras no mar".
O comércio colonial foi principalmente o resultado de avanços tecnológicos na navegação, construção de
barcos e armamentos, mas não teria
atingido a dimensão que alcançou
no século 18 se a legislação de seguro
marítimo não tivesse sido estabelecida e aperfeiçoada. O volume de
viagens certamente resultou também em um maior número de naufrágios, mas os custos e benefícios
dos avanços tecnológicos e da instituição do seguro marítimo devem
ser medidos também pelo número
de viagens bem-sucedidas.
As dificuldades por que passam
muitas das companhias americanas
que se especializam no crédito imobiliário para clientes mais arriscados trouxeram nova munição para
os críticos das inovações financeiras. Não resta dúvida de que em alguns casos estendeu-se crédito para
clientes que não tinham condições
para pagar a sua dívida, mas é importante observar que somente 15%
dos clientes dessas companhias estão atrasados em pelo menos 60 dias
em seus pagamentos; a vasta maioria está em dia.
Até a década de 70, o mercado de
hipotecas nos Estados Unidos tinha
um só produto: empréstimos a taxas
fixas por um período de até 30 anos.
O devedor pagava a mesma quantia
a cada mês e só podia pegar um empréstimo quem tivesse uma renda
adequada -em geral, quatro a cinco
vezes o valor do pagamento. Para
um brasileiro, vivendo em uma economia em que não existe financiamento de longo prazo, isso pode parecer o paraíso, mas muitos americanos não tinham acesso a um montante suficiente de crédito por causa
de uma baixa renda corrente. A partir da década de 70, houve um grande número de inovações financeiras
no mercado de hipotecas nos Estados Unidos, muitas delas com o objetivo de permitir que pessoas com
baixa renda corrente, mas com uma
boa perspectiva de aumento de renda no futuro, comprassem uma moradia.
Um trabalho recente do meu colega em Princeton Harvey Rosen e
dois co-autores do Federal Reserve
(o banco central dos EUA) em Boston analisou a experiência de milhares de consumidores e demonstrou
que as inovações financeiras no
mercado de hipotecas aumentaram
o acesso à casa própria para os americanos, especialmente os mais jovens e os compradores de sua primeira moradia.
Uma preocupação central da gestão Palocci no Ministério da Fazenda foi propor medidas como o crédito consignado e os novos instrumentos de crédito imobiliário para
incentivar o mercado de crédito no
Brasil. A equipe da Fazenda entendeu que a melhoria do mercado de
crédito não dependia apenas da
criação de novos instrumentos, mas
também do aprimoramento do ambiente legal para reduzir a insegurança jurídica dos contratos. Esse
esforço já resultou em um impacto
positivo, mas o mercado de crédito
no Brasil ainda é muito pequeno.
Resta esperar que o governo Lula 2
se interesse por essas questões para
que os brasileiros possam tomar
mais riscos.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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