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São Paulo, quinta-feira, 08 de maio de 2003

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RENEGOCIAÇÃO

Permissão para empresa parcelar dívida mesmo após denúncia seria desrespeito à instância judicial criminal

Refis 2 é descaso à Justiça, diz procuradora

MARCOS CÉZARI
DA REPORTAGEM LOCAL

A permissão para que as empresas denunciadas por crimes tributários possam aderir ao novo Refis (programa de renegociação de débitos federais, chamado de Refis 2) mesmo após o recebimento da denúncia criminal, aprovada na terça-feira pela Câmara dos Deputados, representa uma interferência na atuação do Judiciário.
Para a procuradora do Ministério Público Federal em São Paulo Thamea Valiengo, a permissão é um desrespeito à instância judicial criminal, uma vez que se sobrepõe à ação penal.
Embora não veja inconstitucionalidade na medida, a procuradora não deixa de criticá-la, por entender que se trata de uma interferência na atuação do Ministério Público. "Se [a empresa] aderir ao programa e pagar em dia, a ação penal não vale mais nada. É um descaso à atuação judicial."
A anistia foi incluída na votação da medida provisória nº 107, que trata da minirreforma tributária. Ao suprimir a parte final do artigo 9º, os deputados permitiram que as empresas que respondem por crimes de apropriação indébita (descontar a contribuição previdenciária do empregado e não a repassar ao INSS, por exemplo) também possam aderir ao Refis. Pela redação original, as empresas já denunciadas não poderiam mais aderir ao programa.
Valiengo entende que não é o caso de o Ministério Público Federal tentar mudar o que foi aprovado. "A lei pode prever a hipótese de suspensão da punibilidade. Portanto não é inconstitucional."

Ampliar o que é bom
O advogado Ives Gandra da Silva Martins, professor emérito da Universidade Mackenzie, também não vê inconstitucionalidade na anistia. "Haveria inconstitucionalidade se fosse proibido às já denunciadas criminalmente aderir ao Refis." Gandra diz que a Câmara aprovou o chamado "tratamento da retroatividade benigna" (do latim "benigna amplianda"), ou seja, o que é benigno deve abranger a todos.
O professor diz que não há diferença entre os crimes tributários de quem ainda não foi e de quem já foi denunciado criminalmente. Os crimes são iguais, pois em ambos os casos as empresas descontaram a contribuição previdenciária dos empregados e não a repassaram ao INSS.
"Por um golpe da sorte, quem ainda não foi denunciado criminalmente não pode ser beneficiado em relação a quem já foi. Seria ferir o princípio constitucional da isonomia, em que todos são iguais perante a lei."
Gandra também chama a atenção para o aspecto econômico da anistia aprovada na Câmara. Como a carga tributária brasileira é muito alta -foi de 36,5% do PIB em 2002, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário-, ele diz que muitas vezes as empresas têm de escolher entre pagar os salários e os fornecedores e o INSS.
O aspecto econômico da anistia também é lembrado pelos advogados Flávio Libertuci e Plínio Marafon. Libertuci diz que "a situação está tão ruim para algumas empresas que nem a contribuição descontada dos empregados está sendo possível pagar. Por isso, a anistia vem em um momento de conjuntura econômica adversa e representa um benefício para o empresário, pois ele terá um novo fôlego para quitar a dívida".
Marafon afirma que permitir a entrada desses devedores no Refis "pode significar o fim de um pesadelo para muita gente". Muitos empresários "estavam esperando uma nova chance como essa para pôr a dívida em dia", diz Marafon.


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