São Paulo, sábado, 08 de maio de 2004

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LUÍS NASSIF

As razões da crise

O atual nervosismo do mercado tem componentes previsíveis e incompetência técnica do Banco Central. A parte previsível é a contagem regressiva para a saída dos fundos voláteis do país.
Qualquer analista técnico está cansado de saber que capital volátil é, por definição... volátil. Ou seja, é da sua natureza ir atrás de investimentos baratos, ganhar na valorização e aguardar o momento certo para vender a sua posição, derrubando o ativo que ajudou a subir. Esses movimentos não dependem da situação específica sobre o ativo, mas da maneira como os investidores se vêem entre si. Como são movimentos voláteis, quando começa o movimento de retirada, há uma pressão de venda que pune quem sai por último. Por isso mesmo, todos ficam se avaliando, aguardando o momento de detonar a saída. No caso do movimento de alta dos países emergentes, o sinal seria a alta das taxas de juros norte-americanas.
No ano passado, mais uma vez o Banco Central e os "cabeças de planilha" de sempre repetiram a mesmíssima cantilena furada de que bastaria o país ser ao mesmo tempo severo nos juros e responsável fiscalmente (nas demais despesas, não com juros) que a confiança seria restabelecida e o risco-país cairia, abrindo caminho para o "espetáculo do desenvolvimento". O capital especulativo deixaria de ser especulativo se os fundamentos melhorassem. Fantástico!
Passado o ciclo de alta, qualquer justificativa serve para explicar o aumento do risco Brasil, inclusive o desgaste político que já era previsível no bojo da política monetária adotada.
Para completar esse épico, o BC e o Tesouro cometeram erros básicos de sincronização de ações. Há anos foi criada a LFT (Letra Financeira do Tesouro), um título prefixado destinado a monitorar ações de curto prazo da política monetária. O objetivo era reduzir a memória inflacionária, açulada pelos títulos pós-fixados.
As LFTs são adequadas para monitorar o curto prazo. Só servem para o longo prazo em economias absolutamente estáveis -o que está longe do caso da brasileira.
No começo do ano, o Tesouro passou a esticar o prazo de colocação das LFTs. Quando deu início a esse movimento, sobreveio a fatídica ata do Copom, prenunciando o fim do mundo e vendo inflação em todos os cantos -onde ninguém do mercado via. Criou-se um curto-circuito infernal nas expectativas dos operadores, especialmente dos gestores de fundos.
A cada dia que passava, o terrorismo do BC assustava os investidores, que sacavam dos fundos prefixados. Os fundos tinham que vender títulos para pagar o resgate. Com a venda, caía o valor do papel, reduzindo o valor das cotas dos fundos.
Ao mesmo tempo, os gênios da lâmpada do BC passaram a remunerar integralmente as aplicações de curto prazo dos bancos. Ou seja, numa ponta fragilizaram expressamente as LFTs (ajudados pela insistência cega do Tesouro em esticar o prazo dos títulos). Na outra, deram uma porta de saída para o dinheiro que ficou no caixa dos bancos.
Somado à crise internacional mais que previsível, o resultado foi esse.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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