São Paulo, domingo, 08 de maio de 2005

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CONTAS VIGIADAS

Lista omite casa de cinco andares, coleção de arte e empresas

Edemar declarou ao BC ter bens que valem só R$ 3,2 mi

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Você abriria uma conta num banco cujo dono declara ter bens que valem R$ 3,17 milhões? Cerca de 600 empresas, fundos de pensão, prefeituras e investidores fizeram isso. O banqueiro Edemar Cid Ferreira, dono do Banco Santos, apresentou uma declaração de bens ao Banco Central com itens que atingem esse valor.
A declaração do banqueiro, que tramita em segredo de Justiça, foi obtida pela Folha. O documento foi apresentado à comissão de inquérito do BC que apura de quem foi a responsabilidade pela quebra do Banco Santos.

Sem casa nem coleção
Nenhuma das extravagâncias pelas quais o banqueiro ficou conhecido, como a casa de 4.100 m2 e a coleção que contempla artistas contemporâneos, múmia egípcia e placa fúnebre maia, constam da declaração. Os bens mais valiosos do banqueiro estão em nome de "offshores", empresas abertas em paraísos fiscais para ficarem fora do alcance da Justiça brasileira.
O bem mais valioso de Edemar que está na lista é um lote de 29,68 mil ações preferenciais da Tele Norte Leste Participações, a holding da Telemar. Vale R$ 1,58 milhão. Isso porque os mais de 25 milhões de ações que o banqueiro tem da Procid Participações, a controladora do banco, viraram pó na última quarta-feira, com a liquidação da instituição. O banco de Edemar deixou um rombo de R$ 2,24 bilhões.
A estimativa feita pela Folha contabiliza só os bens para os quais é possível atribuir um valor preciso. As empresas de Edemar não entraram na conta porque a bancarrota do Banco Santos afetou o valor dos outros negócios do banqueiro numa escala difícil de ser mensurada.
A lista de Edemar não traz nenhuma das "offshores". O decreto-lei 1.060, de 1969, determina que empresas e investimentos no exterior devem constar das declarações de bens.
Só uma das "offshores" que Edemar reconheceu ser dele, a Alsace-Lorraine, levantou US$ 224,6 milhões, segundo o próprio banqueiro. O valor, correspondente a R$ 552,4 milhões, é 173 vezes maior do que os bens declarados ao BC. Documentos revelados pela Folha em março último mostram que Edemar operava com 40 "offshores".
Vistos pelo ângulo imobiliário, os bens declarados por Edemar parecem pertencer a alguém de classe média. Em vez da casa de cinco andares no Morumbi, na zona sul de São Paulo, que consumiu pelo menos R$ 50 milhões na construção, o banqueiro declara-se dono de um apartamento de dois dormitórios com cerca de 150 metros quadrados num bairro de classe média, a Pompéia, na zona oeste paulistana. O único imóvel de que Edemar diz ser dono na cidade de São Paulo vale R$ 152.139,45, de acordo com a lista.
Aparecem na relação duas áreas em Juquiá, município no sul do Estado de São Paulo: uma com 16 hectares (avaliada em R$ 76,3 mil) e outra de 15 hectares (R$ 111 mil).

O inquérito
A declaração de bens de Edemar faz parte de um inquérito aberto pelo BC para apurar as causas da bancarrota do Banco Santos e as responsabilidades dos diretores. Dos 26 diretores e ex-diretores do banco nos últimos cinco anos, 19 aceitaram enviar suas listas de bens sem que existisse uma ordem judicial para isso.
Sete diretores, no entanto, consideram que o pedido do BC viola o sigilo fiscal e, por isso, não revelaram seus bens. A Receita Federal também se recusou a entregar as declarações dos diretores, e a decisão foi considerada correta pela juíza Luciana da Costa Aguiar Alves Henrique, da 17ª Vara Federal em São Paulo.
Apesar dos dados sigilosos que contêm, os desdobramentos do inquérito tramitaram sem segredo de Justiça entre o final de novembro de 2004 e o início de abril.
Edemar faz parte do time que entregou a declaração ao BC. A lista de bens do banqueiro é exígua por uma simples razão: a grande maioria dos seus bens está em nome de empresas que são controladas por "offshores". Empresas em paraísos fiscais são usadas por quem quer manter seus bens fora do alcance da Justiça.
A casa no Morumbi está em nome de uma empresa chamada Atalanta, que tem como sócios a mulher e a irmã do banqueiro (Marcia e Edna Ferreira de Souza e Silva), mas é controlada pela Blueshell Inc., empresa nas Ilhas Virgens Britânicas. A coleção de arte é da Cid Ferreira Collection, uma sociedade entre a mulher do banqueiro, um dos filhos do casal (Eduardo) e a Wailea Corp., também nas Ilhas Virgens Britânicas.
A Justiça, no entanto, tem ignorado o fato de esses bens serem controlados por "offshores". O juiz Fausto Martins de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal em São Paulo, decidiu, em março deste ano, seqüestrar a coleção e a casa do banqueiro por considerar que há indícios de que a gestão de Edemar no banco foi fraudulenta.

Outro lado
O advogado de Edemar, Sergio Bermudes, disse não estar habilitado para comentar valores dos negócios do seu cliente.

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