São Paulo, quinta-feira, 08 de junho de 2000


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EXUBERÂNCIA
Articulista do "Financial Times" diz que alta rápida demais das taxas pode causar turbulências no mundo
Fed tem que "ir devagar" ao definir juros

MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"

Os Estados Unidos precisam agir para conter a demanda doméstica. No entanto, um ajuste rápido demais pode gerar um período de turbulências no resto do mundo. O pessimismo das crises financeiras de 1997 e 1998 se alastrou pelo planeta.
Mas a preocupação sobre a ocorrência de uma recessão mundial -como um pesadelo- desapareceu. Nesse cenário, surge o Banco de Compensações Internacionais (BIS).
Em seu mais recente relatório anual, o BIS advertiu sobre o desempenho de 1999, dizendo que "muitos dos desequilíbrios e deficiências estruturais que caracterizavam a economia mundial nos anos anteriores não estão mais próximos de uma solução agora".

O cenário é pior?
Sob muitos aspectos os problemas se agravaram. "O primeiro desses desequilíbrios foi a alta recorde da poupança privada no Japão e a baixa recorde nos Estados Unidos", disse o BIS.
A observação é correta, mas será que alguém -além desse banco central mundial- deveria se preocupar?
O mais recente panorama econômico da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) sugere que não.
As economias da área da OCDE devem crescer 4% em 2000 e mais 3,1% em 2001.
Esse desempenho inclui um equilíbrio suave de crescimento entre as três principais economias da OCDE -União Européia, Japão e Estados Unidos.
Os EUA, em especial, devem crescer 4,9% neste ano, de acordo com as projeções. Mas em 2001 o nível cairá a 3%, em linha com a redução do crescimento na demanda final de 5,4% para 3,1%.
Isso, por sua vez, supõe a estabilização do déficit em conta corrente norte-americano perto dos 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Recuperação asiática
As projeções são de que o Japão atinja crescimento de 1,4% em 2000 e 2,1% no próximo ano.
Mas isso pressupõe uma constância no superávit das exportações, que deve ficar em 2,6% do PIB neste ano e 2,9% em 2001.
A União Européia deve crescer 3,4% neste ano e 3,1% no ano que vem. Novamente, o superávit em conta corrente da União Européia continua inalterado, praticamente, em 0,3% do PIB em 2000 e 0,6% em 2001.
Por fim, mas não menos importante, as projeções da OCDE para o crescimento nos demais países do mundo são de robustos 5% para este ano e o próximo ano.
Quais são os riscos desse cenário reconfortante? Alguns são antigos e bem conhecidos. Mas dois merecem atenção porque são relativamente novos.
Inflação e ajuste O primeiro é o impacto inflacionário de uma expansão sincronizada. O segundo envolve o ajuste global à desaceleração que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) pretende orquestrar na demanda doméstica norte-americana.
Durante os últimos quatro anos, as pressões inflacionárias geradas pelo crescimento da demanda nos Estados Unidos foram liberadas pelo comércio internacional.
Mas quando quase todas as economias estiverem crescendo, essa válvula de segurança estará fechada. Em lugar disso, como ressalta a OCDE, "o comércio tenderá a reforçar as pressões mais altas sobre a demanda doméstica".
Sob essa suposição, a área da OCDE experimentaria um ciclo de expansão e contração com crescimento econômico chegando a um pico de 4,5% este ano e depois caindo para 2% em 2002 e 2003.
A conclusão, portanto, é que o crescimento rápido e sincronizado na demanda mundial não representa uma enorme ameaça, desde que esse crescimento não fique fora de controle, como aconteceu nos anos 70.

Perigo norte-americano
Um problema maior seria a redução brutal na demanda dos Estados Unidos.
Atrás do pico da demanda doméstica dos EUA temos uma queda radical no balanço financeiro líquido do setor privado, por sua vez influenciado pela alta das Bolsas.
Esse quadro é a imagem reversa do que aconteceu ao Japão, onde um aumento no superávit financeiro do setor privado foi compensado pela deterioração no balanço do setor público.
Nos EUA e no Japão, o setor público compensa a mudança de comportamento do setor privado, mas a dimensão da compensação é insuficiente.
O equilíbrio foi obtido com a ajuda dos setores externos -uma rápida alta no déficit em conta corrente nos Estados Unidos e uma alta modesta no superávit japonês.
A zona do euro teve uma deterioração mais modesta no superávit de seu setor público e uma melhora menor no déficit do setor privado, em comparação com os Estados Unidos.
O BIS alega que "o ritmo de expansão da demanda doméstica nos EUA é insustentável e potencialmente inflacionário".
Isso explica por que o Fed está tentando reduzir o ritmo de crescimento da economia norte-americana para um ponto inferior ao da oferta em potencial.
Desde que o Fed realize sua misteriosa mágica habitual, o resto do mundo terá pouca dificuldade em acomodar o modesto ajuste externo resultante.
Mas, se a demanda cair rápido demais ou o dólar despencar, o ajuste externo será maior e mais penoso.
A zona do euro está em uma boa posição para compensar o impacto por meio de uma expansão monetária. O Japão e o resto da Ásia Oriental, não.
O Japão, em especial, não tem como reduzir suas taxas de juros. A pressão de queda sobre seu superávit em conta corrente agravaria seriamente a tarefa de absorver o superávit financeiro do setor privado.
O país atualmente compensa esse superávit privado com uma grande acumulação de dívidas do setor público. O Japão precisa de seu superávit em conta corrente, como forma de reduzir as dimensões do endividamento público.
No entanto, se o superávit externo for colocado sob pressão -devido à desaceleração severa nos Estados Unidos-, o Japão teria de manter déficit fiscal ainda maior.
Como alternativa, o país teria de encontrar algum outro destino para sua poupança privada excessiva -ou pelo menos teria de reduzi-la.

Economias dependentes
Os EUA e o Japão se tornaram um estranho casal, ambos parcialmente dependentes de um comportamento insustentável da outra parte.
Os EUA precisam de poupança japonesa excedente, da mesma forma que o Japão precisa da demanda excedente norte-americana.
Se o ajuste dos Estados Unidos for conduzido de forma errada, o caminho à frente pode se tornar muito espinhoso para ambas as partes.
As pessoas podem concluir que a única coisa pior do que o crescimento insustentável nos Estados Unidos seria o seu rápido desaparecimento.


Tradução de Paulo Migliacci

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