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São Paulo, domingo, 08 de junho de 2003

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Lessa diz que a palavra subsídio ficou estigmatizada e cita financiamento de tratores como exemplo que deu certo

"Neoliberais não compreendem a história"

DA SUCURSAL DO RIO

Leia a seguir a continuação da entrevista com o presidente do BNDES, Carlos Lessa:
 
Folha - Mas as diferenças sociais cresceram também.
Lessa -
O que aconteceu? Este padrão de desenvolvimento, que os especialistas chamam de nacional-desenvolvimentismo, pressupunha que a industrialização e a urbanização acabariam gerando uma sociedade inclusiva nos benefícios da modernidade para a maioria da população. O social era considerado uma categoria resultante do processo. O que a experiência brasileira demonstrou, ali pela entrada dos anos 80? Que meio século de crescimento não resolvia a questão social.
Porém, essa constatação veio combinada com a crise política do autoritarismo e com o fenômeno financeiro, a financeirização do mundo cresceu a uma velocidade enorme. O Brasil passou 20 anos nos quais conseguiu reconstruir, e até aperfeiçoar, o Estado de Direito, mas o crescimento econômico foi muito pequeno. Melhorou a questão social? Não. O que aconteceu? Começamos no Brasil um fenômeno, que hoje preocupa os europeus, chamado neopobreza. Gente que estava integrada foi sendo desintegrada, por destruição de postos de trabalho.
Acho que a eleição do governo Lula reflete muito a percepção de que essa questão precisa ser principalizada. Como? Desenvolvimento com inclusão social. Enquanto a idéia da inclusão social no movimento anterior era uma resultante, agora passa a ser uma diretiva endógena do processo de desenvolvimento.
Por outro lado, está absolutamente claro que o Brasil precisa reduzir a vulnerabilidade externa. Não podemos continuar como uma folha seca na desordem financeira mundial.

Folha - Então, no plano puramente econômico o que se fazia antes era correto?
Lessa -
Não. Deixe eu explicar uma coisa porque os neoliberais não conseguem compreender o que é a história. A história é uma parteira de novidades. Ela não reproduz os cenários passados. É evidente que hoje o Brasil não é o Brasil dos anos 30. É um país urbanizado, basicamente. O Brasil tem uma estrutura industrial, tem um sistema universitário. Mais ainda: o mundo no qual o Brasil está inserido é muito diferente do mundo do passado.
Qualquer esforço de retomada do desenvolvimento tem que se dar a partir do Brasil de hoje e no mundo de hoje. Você não reproduz o passado. O que se recupera é a bandeira do passado, a bandeira do desenvolvimento. Nisso sou absolutamente antiquado. A bandeira do desenvolvimento está caída no chão. Estou querendo pegá-la. Isso significa tomá-la pelo presente, no qual a inclusão social é o vetor central.

Folha - O que leva as pessoas a falarem em retorno ao passado é quando se fala em substituição de importações, subsídios ou eleição de setores para receberem apoio.
Lessa -
Não tenho, com respeito aos instrumentos de política econômica, nenhuma preferência manifesta. Em alguns casos, instrumentos que vêm lá do passado são muito bons. Em outros casos tem-se que lançar mão de novos instrumentos.

Folha - Por exemplo?
Lessa -
Uma palavra que ficou absolutamente estigmatizada foi a idéia de subsídio. Vou contar a história do último grande subsídio no Brasil que deu certo. É do governo Fernando Henrique Cardoso, uma ação na qual ele quebrou o neoliberalismo do qual foi, supostamente, o construtor. O que ele fez? Reduziu a taxa de juros, deu condições de estabilização de prestações e financiou em cinco anos a compra de tratores e máquinas agrícolas.

Folha - O governo FHC subsidiou a agricultura. O governo Lula vai subsidiar o quê?
Lessa -
Pergunte ao presidente da República. O BNDES não é uma fonte de subsídio. Fonte de subsidio é o Tesouro.

Folha - As novas políticas operacionais, em fase de definição, vão diferenciar taxas de juros para apoiar setores...
Lessa -
As políticas do BNDES sempre diferenciaram. Nunca houve aqui uma única taxa.

Folha - Como o banco fará para estimular a substituição de importações?
Lessa -
Há variadíssimos instrumentos. Estou apaixonado pelos navios offshore. Como estamos fazendo isso? O BNDES é o gestor do Fundo de Marinha Mercante. O fundo é autorizado a financiar embarcações. As empresas que operam no apoio ao offshore [indústria do petróleo no mar] são, em geral, de capital estrangeiro. Só tem uma de capital brasileiro. Os navios que eles utilizavam eram, quase todos, arrendados fora. Porém, nos contratos eles assumiram a obrigação de substituir por navios feitos aqui. O que estamos fazendo? Substituindo os navios por barcos feitos aqui.

Folha - Nos eletroeletrônicos o país tem um foco?
Lessa -
Isso é uma coisa sobre a qual preciso aprender. Não vou falar porque não entendo direito. Muita gente acha que o Brasil tem que produzir os semicondutores. Não sei ainda opinar.

Folha - Os índices de nacionalização dos aviões brasileiros ainda são baixos. Existe a intenção de embutir no apoio à Embraer uma exigência de ampliação desses índices?
Lessa -
Exigência é complicado. Estamos procurando estimular a Embraer a ampliar o coeficiente de componentes nacionais. Uma coisa que gostaria muito de conversar com os produtores de turbinas do mundo era se um deles não quer vir para o Brasil. Por exemplo, a GE está há anos no Brasil. Já começamos até a conversar com eles.

Folha - O banco leiloará mesmo as ações da Eletropaulo para recuperar os créditos com a AES [dona da Eletropaulo]?
Lessa -
Está tudo andando. Não há acelerações nem retardamentos. Vamos tocar os procedimentos. Vou levar a leilão, a não ser que nos paguem US$ 1,2 bilhão.

Folha - Quem comandará a empresa surgida da fusão da Varig e da TAM?
Lessa -
A nova empresa de aviação do Brasil terá que ter uma direção tipicamente profissional.

Folha - A TAM?
Lessa -
É só uma acionista. A Varig é outra. A Infraero é outra provável, a BR outra. Não posso falar nada porque o BNDES não recebeu ainda a pactuação entre a Varig e a TAM.

Folha - Qual nome o sr. daria à nova empresa?
Lessa -
Acho que a operação brasileira no exterior não poderia abrir mão do nome Varig. Mas estou dizendo isso como leigo.

O sr. acha que a TJLP [taxa de juros de longo prazo], em 12%, está no nível adequado para que o BNDES financie o desenvolvimento do país?
Lessa -
O que você está fazendo é uma pergunta toda engraçadinha para perguntar o seguinte: o BNDES gostaria de operar com juros mais baixos? Certamente que sim. Qualquer banco de fomento tem interesse em operar com taxas mais baixas.



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