São Paulo, quarta-feira, 08 de junho de 2005

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TRIBUTOS

Órgão da Receita investiga suposto esquema de "venda de leis" em MP de 1999 que livrou empresas de pagar juros e multas

Corregedoria vê perda de R$ 15 bi com regra

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A medida provisória 1.807, que livrou empresas do pagamento de multas e juros de tributos e contribuições federais, tirou dos cofres públicos pelo menos R$ 15,4 bilhões (valores da época) no ano de 1999. Atualizado pelo IPCA, o valor chega a R$ 25 bilhões.
Investigação da Corregedoria Geral da Receita Federal e do Ministério Público Federal (DF) mostram que essa lei beneficiou não só a montadora Fiat -que teria pago R$ 12,8 milhões pela "criação" dessa legislação- mas também multinacionais dos setores de refrigerantes e telecomunicações e instituições financeiras.
Os R$ 15,4 bilhões foram calculados pela Corregedoria. Há dois anos, ela investiga, a pedido do Ministério Público, esquema de "fabricação" de leis por consultores e funcionários da Receita.
A MP 1.807 nasceu no gabinete do então secretário da Receita Federal do governo FHC Everardo Maciel, que a encaminhou, juntamente com exposição de motivos, ao então ministro da Fazenda Pedro Malan. Ele e o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinaram a medida no dia 28 de janeiro de 1999. Esses documentos estão em poder da Justiça Federal de Brasília. Procurado pela Folha, Maciel diz que a lei elevou a arrecadação.
Nas contas da Corregedoria, a União deveria ter recebido R$ 21,6 bilhões de impostos e contribuições federais em 1999, mas recebeu R$ 6,2 bilhões com a medida provisória 1.807, segundo declaração de Maciel na ocasião.
Auditores da Receita afirmam que a anistia ocorreu mesmo depois de o STF (Supremo Tribunal Federal) entender que as empresas deveriam pagar todos os tributos e contribuições -incluindo juros e multas. Muitas empresas recorreram à Justiça para não pagar tributos e contribuições federais que, no entender delas, era inconstitucional -como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSSL). Para a Corregedoria, esse é um forte sinal de que houve favorecimento às empresas por meio dessa MP.
O argumento da Secretaria da Receita era que, ao livrar as empresas do pagamento de juros e multa, o governo conseguiria receber parte do montante devido -R$ 6,2 bilhões -por entender que boa parte dos débitos já era dada como perdida.

Caso Fiat
Uma das empresas que se beneficiou com a MP foi a Fiat -se livrou de uma multa de R$ 629,5 milhões. Ação encaminhada no final de maio pelo MPF à Justiça mostra que a montadora devia R$ 852 milhões ao fisco e pagou R$ 219 milhões -deixou de pagar R$ 643 milhões. Esse valor atualizado pela taxa de juros básica chega hoje a R$ 1,35 bilhão.
Documentos dessa ação revelam que o escritório Alberto Andrade Advogados Associados foi contratado pela Fiat, por R$ 12,8 milhões, para obter facilitação na lei. O escritório, por sua vez, contratou os serviços da empresa Martins Carneiro -dos auditores da Receita Sandro Martins e Paulo Baltazer Carneiro (aposentado e ex-secretário adjunto da Receita)- e da consultoria SBS. Esses escritórios receberam R$ 2,18 milhões e R$ 4,18 milhões respectivamente por seus serviços. O Ministério Público investiga para quem foram pagos os R$ 6 milhões restantes.

Réus
São apontados como réus na ação da Fiat os donos dos escritórios envolvidos, além do presidente da empresa no Brasil na ocasião, Giovanni Batista Razzelli, e do ex-secretário Everardo Maciel.
A comissão de inquérito da Corregedoria apura suposto enriquecimento ilícito de auditores, que, ao terem seu sigilo bancário quebrado durante investigações, foram flagrados com depósitos de empresas favorecidas. A partir dessas investigações, três ações que tratam da "venda" de leis já foram encaminhadas pelo MPF à Justiça.


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