São Paulo, domingo, 08 de junho de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

Mercado pisa no próprio pé e cai


Finança volta a ter dúvidas a respeito da propaganda que fazia a respeito do "pior já passou" e causa paniquito

TOMBOS EM WALL Street causam sensação, ainda mais em dia de "recordes" de petróleo e desemprego, aquelas histórias de que faz "n" décadas que tal ou qual coisa não acontecia, em geral muito barulho por nada. Também não aconteceu grande coisa na sexta-feira azeda, afora para quem perdeu dinheiro no sururu. Parece mais que os povos dos mercados tropeçaram nas próprias pernas: acreditaram demais em algumas de suas próprias cascatas e tomaram um tombo.
O desemprego americano de abril, "inédito em mais de 20 anos", blablablá, nem deveria surpreender nem vale o quanto parece pesar, por ora. O número pode ser um tremelique estatístico, excesso não previsto e não calibrado de estudantes em férias à procura de emprego. Mas a situação piora faz tempo, de modo regular, ainda que não dramático.
O salário médio real dos trabalhadores americanos cai desde outubro de 2007 (em relação ao mesmo mês do ano anterior). A taxa média de criação de empregos este ano está em 0,14% ao mês -era dez vezes maior nos 12 meses que antecederam a explosão da crise, em outubro.
Por que a histeria de sexta-feira? Sempre difícil saber, mas desde o final de semana passado, ao menos, passou a haver confiança no mercado americano de que o Fed encerraria os cortes de juros em outubro. Num espaço de três dias, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, e o presidente do Fed, Ben Bernanke, declararam amor ao dólar forte (juros maiores, em tese, reforçam a moeda). Dólar mais forte e/ou juros mais altos podem conter o preço de commodities, como petróleo. O povo do mercado então derrubou o preço futuro do barril, e o dólar deu uma respirada modesta. Os preços do mercado financeiro passaram a refletir a perspectiva de dólar em alta e commodities e juros em baixa.
Mas, logo depois do declaratório americano sobre juros, o BC europeu alertou de que a inflação estava quente e que os juros viriam fervendo (juro europeu mais alto, em tese, é um fator de apreciação do euro em relação ao dólar). O dado do desemprego, mesmo que talvez exagerado, provocou um movimento de manada, de fuga nas apostas de juros americanos em alta no final do ano (economia muito fraca em tese tende a levar os juros para baixo). Medida pelos palpites no mercado futuro, a probabilidade de alta de juros em outubro estava em quase 80% antes do relatório sobre o desemprego.
Fechou a sexta em menos de 45%. As trocas de posição no mercado de petróleo, juros, ações e moedas causaram o sururu e o paniquito.
O futuro do dólar e o do petróleo dependem de PIB, inflação e déficit em conta corrente americanos, do ritmo da economia européia, do efeito que a crise nos EUA e a inflação terão no consumo dos "emergentes" etc. Previsões a respeito estão numa confusão do demo. Curiosamente, economistas de bancões americanos acreditam ainda em corte de juros nos EUA, na contramão do mercado, que no entanto subiu um pouco no muro, na sexta.
Enfim, assim como a tese risonha e franca do "pior já passou" era cascata do mercado, o paniquito de sexta foi um exagero, pois um indicador apenas de emprego, ainda que ruim, não poderia ser expressão de piora significativa e inaudita da economia.

vinit@uol.com.br


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