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Dólar deve subir, mas juro, não, diz consultor
RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista José Júlio Senna,
ex-diretor do Banco Central, avalia que o BC não vai -e não deve- aplicar um "choque" de juros na economia, como defendem
muitos analistas.
"O BC fez um teste e descobriu
que a alta do dólar não se deve a
uma bolha especulativa", disse
Senna, que é sócio-diretor da consultoria MCM. "Não há razão de
supor e nem de pedir um choque
de juros."
Na avaliação de Senna, um forte
aumento de juros acentuaria a desaceleração da economia e agravaria o problema do câmbio. Como a alta do dólar se deve à deterioração dos fundamentos da
economia, disse Senna, só a melhora desses fundamentos aliviaria a pressão sobre o dólar.
Na avaliação do ex-diretor do
BC, a economia deve crescer menos de 2% em 2001, menos da metade do que havia sido previsto no
início do ano. A inflação, diz Senna, deve ultrapassar o limite de
6% estabelecido pelo BC.
"Nossa estimativa, na MCM, é
de inflação de 6,3%. Se a inflação
chegar a 6,5%, 7%, está muito longe de ser uma catástrofe", disse
Senna, na seguinte entrevista que
deu à Folha:
Folha - Porque o dólar dispara?
José Júlio Senna - O país está
num processo de depreciação
contínua do real. Em setembro de
2000, a taxa era de R$ 1,82. Na sexta-feira passada, chegou a atingir
R$ 2,55. Num processo como esse, existem duas explicações: piora dos fundamentos econômicos
ou movimentos especulativos,
que alguns chamam de bolha especulativa. Na minha opinião, o
componente especulativo é mínimo ou inexistente. A depreciação
do real é fruto da percepção que
os fundamentos econômicos deterioram profundamente.
Folha - O que piorou tanto?
Senna - Não me lembro de ter
visto outro período em que os
fundamentos tenham se agravado tanto em tão pouco tempo.
Houve a desaceleração da economia americana e européia. Isso
provocou uma diminuição dos
investimentos (produtivos) no
Brasil, o que piorou o "mix" de recursos que financiam nosso déficit da balança de pagamentos.
Ao mesmo tempo, o déficit aumentou ao invés de diminuir. Temos problemas políticos na aliança governista, o vizinho do andar
de baixo, a Argentina, está em crise. Veio a crise energética, com
consequências recessivas seriíssimas. Se não bastasse tudo isso, o
núcleo da inflação, medido pelo
IPCA, está em alta, e forçou o BC a
subir os juros.
Folha - A alta do dólar é especulativa?
Senna - Logo depois da última
reunião do Copom (Comitê de
Política Monetária), parecia que o
Banco Central havia identificado
uma bolha especulativa e que ia
jogar pesado para inverter a depreciação do real. Foi uma tentativa válida, o BC fez um teste e descobriu que o componente especulativo é mínimo, se é que existe. O
BC recuou e não vai insistir no cabo-de-guerra pela taxa cambial.
Se esse diagnóstico de que a alta
do dólar não é uma bolha especulativa está correto, vamos passar
um período de fortes oscilações
no câmbio, de retomada de depreciação do real, até que os fundamentos melhorem.
Folha - O que vai acontecer com a
economia?
Senna - A desaceleração econômica já era prevista desde o início
do ano, em função do aumento de
grau de incerteza na economia
mundial, da crise argentina e da
alta dos juros, mas tudo se agravou em função da crise energética. Hipóteses que estão bem longe
de serem pessimistas e que poderiam ser tidas como realistas prevêem um crescimento em 2001 inferior a 2%, menos da metade do
previsto na virada do ano. Isso é
muito sério, cria perspectivas piores para o mercado de trabalho.
Outra consequência importante
é que vai ser muito difícil cumprir
a meta de inflação, de até 6%.
Nossa estimativa, na MCM, é de
inflação de 6,3%. Teremos que
aceitar uma depreciação um pouco mais acentuada da moeda,
com alguma consequência inflacionária. Se a inflação chegar a
6,5%, 7%, está muito longe de ser
uma catástrofe. Isso é muito melhor do que qualquer tentativa
tresloucada do BC de tentar impedir que isso aconteça e jogar a economia numa desaceleração ainda
mais profunda, numa recessão.
Folha - Como o sr. vê a ação do
Banco Central?
Senna - Uma das mensagens do
BC é que não vai brigar para inverter o comportamento da taxa
de câmbio porque seria infrutífero, dado que o diagnóstico é de
deterioração de fundamentos e
não de movimento especulativo.
Por isso, também não há razão de
se supor nem pedir um choque,
um grande aumento na taxa de
juros, para conter a inflação.
O recado foi claro: há limites para o que o BC possa fazer. O Banco
Central identifica deficiência no
balanço de pagamentos e tentará
resolver via captações do próprio
setor público nos mercados internacionais, fazendo esses recursos
fluírem pelos mercados de câmbio. A mensagem do BC é essa.
Folha - Para onde vai o dólar?
Senna - O preço do dólar vai flutuar. Não existe limite técnico para isso, nem limite para previsão.
Se a recuperação da economia
americana demorar, se a recuperação européia demorar, dado
que a Argentina está muito longe
de conseguir resolver seus problemas, o grau de estresse do mercado vai continuar e devemos estar
preparados para a eventualidade
de novas depreciações. Mais do
que a cotação de R$ 2,50 que já
atingimos, infelizmente.
Folha - Quando vamos superar a
crise?
Senna - A superação desse tipo
de crise cambial passa necessariamente pela recuperação da economia americana e mundial.
Quando os núcleos das empresas
se encolhem, é natural que elas
adiem seus planos de expansão.
Os investimentos diretos (produtivos), que constituem a maneira
mais saudável de financiar nosso
déficit em conta corrente, estão
sendo afetados por essa situação.
Esse ano devem cair para US$ 16
bilhões, quase metade do que foi
no ano passado.
A desaceleração mundial também dificulta a tarefa de aumentar as exportações. É claro que
com uma taxa de câmbio mais favorável a tendência é de melhora.
Mas vamos continuar esbarrando
nas limitações porque há um quadro de desaceleração forte lá fora.
Os economistas ainda não têm
instrumentos para prever quando
será o ponto de inflexão, mas imagino que a recuperação americana não virá neste ano.
Outro fator importante é que,
quanto menos tempo durar a crise da energia, mais rápida será a
recuperação da economia brasileira. A crise da energia é a principal responsável pela desaceleração econômica. Quanto menos
durar, melhor para a recuperação
de nossa economia.
Folha - O que o deve ocorrer com
os juros?
Senna - Uma parcela importante
do mercado financeiro acredita
que o BC, ao abandonar o cabo-de-guerra com o mercado, iria
substituir sua estratégia de venda
maciça de dólares por aumentos
muito violentos de taxas de juros.
Não concordo com essa hipótese
e nem recomendaria isso. Se, como acredito, o processo depreciação cambial tem mais a ver com
deterioração dos fundamentos
macroeconômicos, um aumento
muito violento dos juros domésticos agravaria ainda mais a situação e tornaria a situação ainda
pior para a taxa de câmbio.
Se a inflação piorar muito e for
para 7% esse ano, qual é a taxa de
juros reais o Banco Central deveria praticar? No ano passado, foi
10% em termos reais. Seria muito
mais forte do que isso? Se for 12%,
teríamos elevado os juros nominais a 20%. Acho que é um patamar que faz sentido se o BC achar
que tem que continuar pisando
no freio de modo a gerar confiança que a inflação está sob controle.
Não penso em aumento mais
brusco do que esse. É importante
que as mudanças nos juros, se
ocorrerem, sejam modestas.
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