São Paulo, domingo, 08 de julho de 2001

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Dólar deve subir, mas juro, não, diz consultor

RICARDO GRINBAUM
DA REPORTAGEM LOCAL

O economista José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central, avalia que o BC não vai -e não deve- aplicar um "choque" de juros na economia, como defendem muitos analistas.
"O BC fez um teste e descobriu que a alta do dólar não se deve a uma bolha especulativa", disse Senna, que é sócio-diretor da consultoria MCM. "Não há razão de supor e nem de pedir um choque de juros."
Na avaliação de Senna, um forte aumento de juros acentuaria a desaceleração da economia e agravaria o problema do câmbio. Como a alta do dólar se deve à deterioração dos fundamentos da economia, disse Senna, só a melhora desses fundamentos aliviaria a pressão sobre o dólar.
Na avaliação do ex-diretor do BC, a economia deve crescer menos de 2% em 2001, menos da metade do que havia sido previsto no início do ano. A inflação, diz Senna, deve ultrapassar o limite de 6% estabelecido pelo BC.
"Nossa estimativa, na MCM, é de inflação de 6,3%. Se a inflação chegar a 6,5%, 7%, está muito longe de ser uma catástrofe", disse Senna, na seguinte entrevista que deu à Folha:

Folha - Porque o dólar dispara?
José Júlio Senna -
O país está num processo de depreciação contínua do real. Em setembro de 2000, a taxa era de R$ 1,82. Na sexta-feira passada, chegou a atingir R$ 2,55. Num processo como esse, existem duas explicações: piora dos fundamentos econômicos ou movimentos especulativos, que alguns chamam de bolha especulativa. Na minha opinião, o componente especulativo é mínimo ou inexistente. A depreciação do real é fruto da percepção que os fundamentos econômicos deterioram profundamente.

Folha - O que piorou tanto?
Senna -
Não me lembro de ter visto outro período em que os fundamentos tenham se agravado tanto em tão pouco tempo. Houve a desaceleração da economia americana e européia. Isso provocou uma diminuição dos investimentos (produtivos) no Brasil, o que piorou o "mix" de recursos que financiam nosso déficit da balança de pagamentos.
Ao mesmo tempo, o déficit aumentou ao invés de diminuir. Temos problemas políticos na aliança governista, o vizinho do andar de baixo, a Argentina, está em crise. Veio a crise energética, com consequências recessivas seriíssimas. Se não bastasse tudo isso, o núcleo da inflação, medido pelo IPCA, está em alta, e forçou o BC a subir os juros.

Folha - A alta do dólar é especulativa?
Senna -
Logo depois da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), parecia que o Banco Central havia identificado uma bolha especulativa e que ia jogar pesado para inverter a depreciação do real. Foi uma tentativa válida, o BC fez um teste e descobriu que o componente especulativo é mínimo, se é que existe. O BC recuou e não vai insistir no cabo-de-guerra pela taxa cambial. Se esse diagnóstico de que a alta do dólar não é uma bolha especulativa está correto, vamos passar um período de fortes oscilações no câmbio, de retomada de depreciação do real, até que os fundamentos melhorem.

Folha - O que vai acontecer com a economia?
Senna -
A desaceleração econômica já era prevista desde o início do ano, em função do aumento de grau de incerteza na economia mundial, da crise argentina e da alta dos juros, mas tudo se agravou em função da crise energética. Hipóteses que estão bem longe de serem pessimistas e que poderiam ser tidas como realistas prevêem um crescimento em 2001 inferior a 2%, menos da metade do previsto na virada do ano. Isso é muito sério, cria perspectivas piores para o mercado de trabalho.
Outra consequência importante é que vai ser muito difícil cumprir a meta de inflação, de até 6%. Nossa estimativa, na MCM, é de inflação de 6,3%. Teremos que aceitar uma depreciação um pouco mais acentuada da moeda, com alguma consequência inflacionária. Se a inflação chegar a 6,5%, 7%, está muito longe de ser uma catástrofe. Isso é muito melhor do que qualquer tentativa tresloucada do BC de tentar impedir que isso aconteça e jogar a economia numa desaceleração ainda mais profunda, numa recessão.

Folha - Como o sr. vê a ação do Banco Central?
Senna -
Uma das mensagens do BC é que não vai brigar para inverter o comportamento da taxa de câmbio porque seria infrutífero, dado que o diagnóstico é de deterioração de fundamentos e não de movimento especulativo. Por isso, também não há razão de se supor nem pedir um choque, um grande aumento na taxa de juros, para conter a inflação.
O recado foi claro: há limites para o que o BC possa fazer. O Banco Central identifica deficiência no balanço de pagamentos e tentará resolver via captações do próprio setor público nos mercados internacionais, fazendo esses recursos fluírem pelos mercados de câmbio. A mensagem do BC é essa.

Folha - Para onde vai o dólar?
Senna -
O preço do dólar vai flutuar. Não existe limite técnico para isso, nem limite para previsão. Se a recuperação da economia americana demorar, se a recuperação européia demorar, dado que a Argentina está muito longe de conseguir resolver seus problemas, o grau de estresse do mercado vai continuar e devemos estar preparados para a eventualidade de novas depreciações. Mais do que a cotação de R$ 2,50 que já atingimos, infelizmente.

Folha - Quando vamos superar a crise?
Senna -
A superação desse tipo de crise cambial passa necessariamente pela recuperação da economia americana e mundial. Quando os núcleos das empresas se encolhem, é natural que elas adiem seus planos de expansão. Os investimentos diretos (produtivos), que constituem a maneira mais saudável de financiar nosso déficit em conta corrente, estão sendo afetados por essa situação. Esse ano devem cair para US$ 16 bilhões, quase metade do que foi no ano passado.
A desaceleração mundial também dificulta a tarefa de aumentar as exportações. É claro que com uma taxa de câmbio mais favorável a tendência é de melhora. Mas vamos continuar esbarrando nas limitações porque há um quadro de desaceleração forte lá fora. Os economistas ainda não têm instrumentos para prever quando será o ponto de inflexão, mas imagino que a recuperação americana não virá neste ano.
Outro fator importante é que, quanto menos tempo durar a crise da energia, mais rápida será a recuperação da economia brasileira. A crise da energia é a principal responsável pela desaceleração econômica. Quanto menos durar, melhor para a recuperação de nossa economia.

Folha - O que o deve ocorrer com os juros?
Senna -
Uma parcela importante do mercado financeiro acredita que o BC, ao abandonar o cabo-de-guerra com o mercado, iria substituir sua estratégia de venda maciça de dólares por aumentos muito violentos de taxas de juros. Não concordo com essa hipótese e nem recomendaria isso. Se, como acredito, o processo depreciação cambial tem mais a ver com deterioração dos fundamentos macroeconômicos, um aumento muito violento dos juros domésticos agravaria ainda mais a situação e tornaria a situação ainda pior para a taxa de câmbio.
Se a inflação piorar muito e for para 7% esse ano, qual é a taxa de juros reais o Banco Central deveria praticar? No ano passado, foi 10% em termos reais. Seria muito mais forte do que isso? Se for 12%, teríamos elevado os juros nominais a 20%. Acho que é um patamar que faz sentido se o BC achar que tem que continuar pisando no freio de modo a gerar confiança que a inflação está sob controle. Não penso em aumento mais brusco do que esse. É importante que as mudanças nos juros, se ocorrerem, sejam modestas.



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