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OPINIÃO ECONÔMICA
Ser contra a Alca não é ser contra o capital externo
PAULO R. FELDMANN
O futuro presidente da República vai se deparar logo
ao início de sua gestão, em 2003,
com um problema para o qual ele
precisará definir uma posição
quase que imediata. Trata-se da
participação brasileira na Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas), a proposta norte-americana de um mercado aberto
e sem barreiras entre todos os países da América, com exceção de
Cuba, cuja abrangência é de US$
11 trilhões e 800 milhões de consumidores.
Nas circunstâncias atuais, em
que tanto se fala na necessidade
de rever a atual política econômica, poucos assuntos são tão importantes quanto a discussão
acerca da nossa participação na
futura Alca. Veja-se, por exemplo,
o caso da discussão da necessidade de o país possuir uma política
industrial, que é aparentemente
um consenso entre todos os candidatos a presidente da República. Não há como discutir seriamente uma política industrial para o Brasil sem que antes se defina
se vamos ou não participar da Alca.
Nesse sentido é importante deixar bem claro algumas características da Alca que, apesar de serem
conhecidas, só o são para os poucos que já se debruçaram sobre
seus princípios e regras divulgados: a Alca será bem diferente da
União Européia, pois essa visava a
integração via ajuda aos países
mais pobres, como Portugal e
Grécia, o que efetivamente está
acontecendo; a Alca visa unificar
os mercados, mas não integrar, e,
principalmente, não há nenhum
objetivo, explicito ou não, de ajudar os países mais pobres da
América Latina.
A Alca não tem entre suas metas
o desenvolvimento econômico ou
social dos países do continente,
mas simplesmente visa propiciar
às empresas da região a possibilidade de atuar em todo o continente com vantagens superiores.
Ora, isso beneficiará preponderantemente as grandes empresas
e principalmente as norte-americanas, mas sobretudo aquelas que
ainda não possuem operações em
nosso país.
Não há nenhuma obrigação ou
compromisso internacional que
imponha que o Brasil deva participar da Alca ou de qualquer outro acordo como a União Européia. Portanto trata-se de uma decisão soberana do país. Consequentemente compete à sociedade brasileira e a seus representantes avaliar as conveniências de tal
participação. Para isso, deveria
estar havendo no país uma ampla
discussão do tema -o que, sabemos, está longe de acontecer. No
entanto as propostas de liberalização dos mercados nos vários
países da América devem estar
colocadas pelo menos até o início
de 2003, para então, imediatamente, se iniciar o processo de eliminação paulatina das tarifas de
importação.
Quando a idéia da Alca foi lançada pela primeira vez, em 1994,
seus defensores preconizavam
que a redução das tarifas beneficiaria os produtos brasileiros que
então sofriam com a proteção
americana, tais como suco de laranja, siderúrgicos, aço, fumo,
calçados e outros. Argumentava-se que os setores da economia
brasileira que seriam prejudicados eram setores que já eram dominados por empresas estrangeiras, como informática e produtos
estrangeiros, e que, portanto, a
Alca poderia prejudicar algumas
empresas, mas seria muito benéfica aos consumidores. Mesmo
que isso fosse verdade, significa
que as exportações brasileiras teriam que se concentrar cada vez
mais em produtos primários ou
com pouca industrialização, enquanto estaríamos abdicando definitivamente de atuarmos em setores que envolvessem um mínimo de agregação industrial ou
conteúdo tecnológico.
Ora, está evidente neste início
de século 21 que as nações efetivamente avançadas são aquelas cujas exportações são constituídas
por produtos com alto conteúdo
tecnológico, que é o que caracteriza, por exemplo, EUA, Japão ou
Alemanha. Enquanto nações pobres são aquelas que, quando
conseguem exportar, o fazem por
meio de seus produtos agrícolas
ou minerais, ou seja, as famosas
commodities. É esse o destino que
queremos consagrar para as nossas exportações com a Alca? Vamos definitivamente abrir mão de
exportarmos produtos de alta tecnologia?
A Alca, sem dúvida, tornará o
produto norte-americano ainda
mais competitivo dentro do mercado brasileiro. Para nós, a primeira consequência disso será
que o atual processo de desnacionalização que vem ocorrendo nos
setores industriais será ainda
mais acentuado. É isso o que queremos? No entanto o número de
empresas estrangeiras com intenção de se instalar no Brasil -e
que evidentemente aqui geram
empregos- também tenderá a
diminuir drasticamente, pois
nosso mercado passará a ser servido por produtos importados.
Ironicamente a Alca afastará o capital estrangeiro de nosso país.
Por isso é importante frisar que
ser contra a Alca não significa ser
contra o capital estrangeiro.
A Alca representa uma verdadeira armadilha para o Brasil. Se
achamos que vamos agradar ao
capital estrangeiro, é justamente o
contrário o que estaremos fazendo. Que vantagens ele terá em vir
para cá gerar novas fábricas e empresas se os respectivos produtos
aqui chegarão de qualquer forma,
via importação? Se não vamos
conseguir atrair o capital externo,
por que vamos abrir mão de um
dos mais importantes patrimônios que possuímos, que é o nosso
mercado interno?
Após 18 meses do início do governo de George W. Bush, as linhas mestras da política econômica e comercial norte-americana se fazem totalmente claras:
medidas de proteção a setores da
economia dos EUA serão adotadas sempre que houver alguma
ameaça que signifique perda de
alguma parcela do mercado americano para algum fabricante ou
produtor estrangeiro. Essa prática
ficou tão evidente que hoje o presidente Bush nem sequer adota o
discurso hipócrita do livre comércio que ainda utilizava há alguns
meses. Não há mais ilusões depois
dos subsídios ao aço americano e
dos US$ 173 bilhões destinados
aos agricultores norte-americanos. A justificativa é que os EUA
estão agindo em defesa do seu interesse nacional. Por que não fazermos o mesmo?
Paulo R. Feldmann, 53, é professor da
Faculdade de Economia da USP, membro
da coordenação da Cives (Associação
Brasileira de Empresários pela Cidadania) e diretor do Centro do Comércio da
Federação do Comércio do Estado de
São Paulo. Foi presidente da Eletropaulo
(1995/96).
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