|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUBENS RICUPERO
Corrupção e barbárie
A corrupção nomeia ineptos, desvia recursos, eleva custos, impede que o dinheiro chegue aos necessitados
|
CORRUPÇÃO, barbárie e caos
monopolizam o cotidiano
brasileiro, não deixando a
menor chance às veleidades do governo de ditar agenda de crescimento. A anomalia virou rotina: para
adaptar-se, as rubricas dos jornais
precisam mudar de título.
As primeiras páginas não merecem mais o nobre nome de "política". De acordo com o conteúdo, deveriam ser a crônica diária da corrupção. Os cadernos de "cotidiano"
só trazem notícias do caos, em aeroportos, filas de passaporte, hospitais, previdência e alhures.
O que sobra é a onda sanguinolenta da barbárie, que extravasa às vezes para a página principal. As fotos
de massacres tingem de vermelho
um terço, metade do papel. Como
Lady Macbeth, temos de lavar as
mãos do sangue da tinta ao terminar
a leitura.
Os fenômenos são interligados. A
corrupção nomeia ineptos, desvia
recursos, aumenta custos, impede
que o dinheiro chegue aos necessitados. Em outras palavras, alimenta o
caos. Nesse caldo, a barbárie pulula
como miasma mórbido.
Diante da complexidade dos desafios, o Brasil é um fracasso. Problemas já existiam antes, mas eram
acanhados como a escala do país. A
monstruosa urbanização dos últimos 50 anos, a multiplicação por
dez da população no século 20 foram carga excessiva para instituições de modesta capacidade de processar conflitos e demandas.
Instituições e leis são o produto de
dirigentes. Esses, políticos ou empresariais, estão entre os mais ignorantes e incultos de países de nossa tradição, com escolaridade inferior
até a muitos vizinhos. Nada têm das
elites que fornecem liderança cultural e moral à sociedade. Não passam
de donos de um poder que serve
apenas para o enriquecimento próprio.
Incompetentes para compreender, quanto mais para solucionar os
crescentes desafios de sociedades
complexas, podres além de toda a
esperança de redenção, os dirigentes não dirigem, reagem perplexos
aos choques da realidade.
A macroeconomia enlouquecida
tomou o lugar da política na atribuição das prioridades. Há mais de uma
década, emprego, educação, inclusão social, segurança, vêm sendo devastados por cortes arbitrários. O resultado é que, aos acordes da marcha triunfal da saparia financeira,
que brada "Nunca foi tão bom!", a
maré montante da selvageria vai engolindo as poucas ilhas de civilização.
Sarmiento e os inimigos de Canudos acreditavam que a barbárie provinha dos índios e dos mestiços, dos
sertões e dos pampas remotos. Fruto da cidade, a civilização (a palavra
vem de "civitas", cidade,) acabaria
por prevalecer sobre a barbárie. Hoje, quase terminada, a urbanização
produz não a urbanidade, mas a lei
da selva.
Uma das ilhas de exceção é a Polícia Federal, que vem pautando o
país nos meses recentes. Resistirá à
maré dos sargaços?
Na Itália da operação "Mãos Limpas", também houve prisões espetaculares. Derrubou-se a Primeira República, o quadro partidário dissolveu-se. Passados anos, a Justiça só
condenou um lambari. A reforma
política iniciada com vigor se exauriu e abortou no Parlamento. O que
começara como luta contra a corrupção terminou com o réu principal moldando o governo a seus interesses.
Para não acabar do mesmo jeito, a
ação no Brasil precisa que os juízes
façam justiça e os políticos se reformem a si próprios e ao país. Impossível não é, mas, sem liderança nem exemplo, dá para acreditar?
RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia
da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda
(governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.
Texto Anterior: Nordeste vê à distância explosão do álcool Próximo Texto: Desempregados rurais saqueiam caminhões em AL Índice
|