São Paulo, domingo, 08 de julho de 2007

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RUBENS RICUPERO

Corrupção e barbárie


A corrupção nomeia ineptos, desvia recursos, eleva custos, impede que o dinheiro chegue aos necessitados

CORRUPÇÃO, barbárie e caos monopolizam o cotidiano brasileiro, não deixando a menor chance às veleidades do governo de ditar agenda de crescimento. A anomalia virou rotina: para adaptar-se, as rubricas dos jornais precisam mudar de título.
As primeiras páginas não merecem mais o nobre nome de "política". De acordo com o conteúdo, deveriam ser a crônica diária da corrupção. Os cadernos de "cotidiano" só trazem notícias do caos, em aeroportos, filas de passaporte, hospitais, previdência e alhures. O que sobra é a onda sanguinolenta da barbárie, que extravasa às vezes para a página principal. As fotos de massacres tingem de vermelho um terço, metade do papel. Como Lady Macbeth, temos de lavar as mãos do sangue da tinta ao terminar a leitura.
Os fenômenos são interligados. A corrupção nomeia ineptos, desvia recursos, aumenta custos, impede que o dinheiro chegue aos necessitados. Em outras palavras, alimenta o caos. Nesse caldo, a barbárie pulula como miasma mórbido.
Diante da complexidade dos desafios, o Brasil é um fracasso. Problemas já existiam antes, mas eram acanhados como a escala do país. A monstruosa urbanização dos últimos 50 anos, a multiplicação por dez da população no século 20 foram carga excessiva para instituições de modesta capacidade de processar conflitos e demandas.
Instituições e leis são o produto de dirigentes. Esses, políticos ou empresariais, estão entre os mais ignorantes e incultos de países de nossa tradição, com escolaridade inferior até a muitos vizinhos. Nada têm das elites que fornecem liderança cultural e moral à sociedade. Não passam de donos de um poder que serve apenas para o enriquecimento próprio.
Incompetentes para compreender, quanto mais para solucionar os crescentes desafios de sociedades complexas, podres além de toda a esperança de redenção, os dirigentes não dirigem, reagem perplexos aos choques da realidade.
A macroeconomia enlouquecida tomou o lugar da política na atribuição das prioridades. Há mais de uma década, emprego, educação, inclusão social, segurança, vêm sendo devastados por cortes arbitrários. O resultado é que, aos acordes da marcha triunfal da saparia financeira, que brada "Nunca foi tão bom!", a maré montante da selvageria vai engolindo as poucas ilhas de civilização.
Sarmiento e os inimigos de Canudos acreditavam que a barbárie provinha dos índios e dos mestiços, dos sertões e dos pampas remotos. Fruto da cidade, a civilização (a palavra vem de "civitas", cidade,) acabaria por prevalecer sobre a barbárie. Hoje, quase terminada, a urbanização produz não a urbanidade, mas a lei da selva.
Uma das ilhas de exceção é a Polícia Federal, que vem pautando o país nos meses recentes. Resistirá à maré dos sargaços?
Na Itália da operação "Mãos Limpas", também houve prisões espetaculares. Derrubou-se a Primeira República, o quadro partidário dissolveu-se. Passados anos, a Justiça só condenou um lambari. A reforma política iniciada com vigor se exauriu e abortou no Parlamento. O que começara como luta contra a corrupção terminou com o réu principal moldando o governo a seus interesses.
Para não acabar do mesmo jeito, a ação no Brasil precisa que os juízes façam justiça e os políticos se reformem a si próprios e ao país. Impossível não é, mas, sem liderança nem exemplo, dá para acreditar?


RUBENS RICUPERO , 70, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.


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