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OPINIÃO ECONÔMICA
Reestruturação da dívida brasileira?
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Nos últimos meses, ergueram-se diversas vozes, sobretudo no exterior, para prever ou recomendar uma reestruturação da dívida brasileira. O rápido crescimento do endividamento público e do passivo externo do
país alimenta essas expectativas
e previsões. Declarações descuidadas de candidatos à Presidência da República contribuíram
para jogar lenha na fogueira. Alguns observadores mais pessimistas chegam a afirmar que a dívida terá de ser reestruturada ou
renegociada inevitavelmente,
qualquer que seja o futuro presidente.
O que dizer dessas previsões? É
preciso, em primeiro lugar, fazer
algumas distinções que, embora
elementares, nem sempre são
lembradas. A parte preponderante da dívida externa brasileira é do setor privado. Com a redução da oferta de empréstimos
do exterior, o refinanciamento
dessas dívidas tornou-se extremamente difícil, quando não impossível. Ao mesmo tempo, a depreciação do real, provocada em
grande medida pelas próprias dificuldades de refinanciamento
do setor privado, aumentou extraordinariamente o equivalente
em moeda nacional das obrigações assumidas em moeda estrangeira.
Nessas circunstâncias, diversas
empresas tornaram-se incapazes
de saldar suas obrigações nas datas previstas em contrato. O processo de reestruturação de dívidas privadas já começou.
É lamentável que isso esteja
ocorrendo. Contudo não há motivo para o Estado brasileiro assumir a condução dessas renegociações e os ônus delas decorrentes. Esse só seria o caso se as dívidas privadas estivessem cobertas
por garantias do governo.
Segundo o ministro Malan,
grandes empresas internacionais
são responsáveis pela maior parte da dívida externa privada. Essas empresas têm capacidade de
renegociar suas obrigações por
conta própria. Em diversos casos,
a dívida é com a própria matriz
da empresa, o que facilita a revisão do cronograma de pagamentos. Em abril último, o estoque de
empréstimos externos intercompanhias representava quase US$
17 bilhões, segundo estimativa do
Banco Central.
A dívida externa do setor público não parece ser um problema tão urgente. A dívida em títulos externos do Tesouro Nacional, por exemplo, tem prazo médio superior a seis anos e custo
médio em dólares inferior a 9%
ao ano. As obrigações com o exterior representam pouco mais de
20% da dívida do setor público
como um todo (incluindo União,
Estados e municípios).
O que realmente pesa é a dívida interna, pois representa quase
80% da dívida pública, tem prazos médios mais curtos e carrega
juros extremamente elevados.
Uma reestruturação ou renegociação dessa dívida seria, entretanto, muito mais difícil. Não vamos esquecer, leitor, que a dívida
interna é uma dívida do Estado
brasileiro com brasileiros. Ela está na carteira das instituições financeiras e dos fundos de pensão. Ela é a contrapartida do capital de giro das empresas e da
poupança das pessoas físicas.
Uma reestruturação forçada dos
títulos públicos atingiria gravemente o sistema financeiro e a
poupança privada. Poderia
transtornar por completo o funcionamento da economia no seu
conjunto.
Depois de tudo o que aconteceu, no Brasil e em países vizinhos, ainda existe quem queira
arriscar-se a tentar relançar o desastrado Plano Collor? As dificuldades econômicas, políticas e jurídicas seriam monumentais.
Vale notar que uma emenda à
Constituição, aprovada em setembro de 2001, proíbe expressamente a detenção ou o sequestro
de ativos financeiros por meio de
medida provisória.
Se o novo governo brasileiro resolver tomar esse caminho, estará cometendo um erro grave, capaz de comprometer de maneira
irremediável suas possibilidades
de sucesso.
P.S.: Alguns leitores reclamaram
do tom e da intensidade das críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso no artigo da semana passada. Suspeitam de que eu
esteja, na realidade, tentando
trazer água para o moinho de algum candidato de oposição. Não
é nada disso. Não tenho filiação
partidária e nem participo de nenhuma campanha política. Minhas críticas à política econômica do governo FHC são tão antigas que os leitores bem que poderiam me conceder o direito de ser
veemente, e até estridente de vez
em quando, agora que as consequências nefastas dessa política
aparecem de maneira clara e insofismável.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP e professor da FGV- SP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela é..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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