São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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INVESTIGAÇÃO

Norma permite importação de máquinas de jogos de azar; corregedoria apura suposto esquema envolvendo alto escalão

Receita facilita entrada ilegal de caça-níqueis

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Corregedoria da Receita Federal e o Ministério Público Federal (DF) investigam suposto esquema de corrupção no alto escalão da Receita para facilitar a importação de máquinas de jogos de azar -caça-níqueis, videopôquer e videobingo-, proibida por lei.
Essa facilitação ocorre com a Solução de Consulta nš 9 (SC-9), espécie de instrução normativa, editada pela Receita em dezembro de 2002, que coloca esses equipamentos sob a mesma classificação de computadores comuns, cuja importação é liberada.
A SC-9 deu nova classificação às máquinas de jogos de azar, facilitando a importação pelo código 8471.60.62 da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM). Antes, esses equipamentos eram classificados pelos códigos 9504.30.00 ou 9504.90.00. Esses dois últimos códigos classificam equipamentos que funcionam com moeda, papel-moeda, fichas ou outros artigos similares (cartão magnético), como as máquinas caça-níqueis, de videopôquer e videobingo, cuja importação é proibida.
Essa norma, que consta no site da Receita (www.receita.fazenda.gov.br), tem força de lei e acaba protegendo o importador. Com base na SC-9, uma empresa que trouxe do exterior máquinas para jogos de azar, em princípio, não pode ser autuada pela Receita, segundo procuradores consultados.
Os códigos de classificação da NCM são fixados por órgãos internacionais. A Secex (Secretaria de Comércio Exterior), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, tem o papel de autorizar as importações. À Receita cabe classificar os produtos e fiscalizar as mercadorias importadas.
O Ministério Público e a Corregedoria da Receita já têm indícios de que essa mudança de código beneficiou -e ainda beneficia- exploradores de jogos de azar, já que teriam importado máquinas proibidas sob a nova classificação. O volume e o valor das importações devem ser revelados em relatórios das investigações a serem concluídos nos próximos dias.
Investigação do Ministério Público aponta que a classificação estabelecida na SC-9 fazia parte de um plano para trazer ao Brasil 200 mil máquinas por esse outro código (8471.60.62) ao custo de US$ 1,2 bilhão -US$ 6.000 a unidade-, segundo depoimentos mantidos sob sigilo.
O primeiro sinal desse esquema foi detectado quando auditores da Receita barraram a entrada de dez máquinas de jogos da IGT (empresa norte-americana que fabrica equipamentos para cassinos e bingos) no aeroporto Tom Jobim, do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2003. Essas máquinas estavam sendo importadas por uma empresa de Santa Catarina.
A questão foi parar na Justiça. Os auditores conseguiram no Tribunal Regional Federal no Rio de Janeiro a apreensão das máquinas para que fossem destruídas.
"Tudo indica que a SC-9 é produto de corrupção. Ela se encaixa num plano maior em que tudo conspirava para liberar os cassinos", afirma Brasilino Pereira dos Santos, subprocurador-geral da República. "Isso aconteceu antes do escândalo Waldomiro Diniz [ex-subchefe de Assuntos Parlamentares do governo, exonerado neste ano após vir a público fita em que pede propina a empresário do ramo de jogos]."


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