São Paulo, domingo, 08 de agosto de 2004

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INVESTIGAÇÃO

Parecer aprovado por chefes da Receita abriu caminho para adoção de código que facilita importação de caça-níqueis

Norma iguala máquina de jogo a computador

Antônio Gaudério - 6.mai.04/Folha Imagem
Máquinas de caça-níqueis em bingo na zona oeste da cidade de São Paulo; liminares obtidas na Justiça há alguns anos garantiu importação do produto


DA REPORTAGEM LOCAL

A norma (Solução de Consulta nš 9) criada pela Receita Federal que permitiu classificar máquinas de jogos de azar sob o mesmo código usado para importar computadores surgiu a partir de um parecer assinado pelo chefe da Dinom (Divisão de Nomenclatura e Classificação de Mercadorias), Cesar Dalston, a pedido de uma federação do ramo lotérico.
Nesse parecer, Dalston propõe que os "terminais para captação de apostas" (nome comercial adotado por terminais de computadores para loterias instantâneas de números, figuras ou símbolos) sejam classificados sob o código 8471.60.62, utilizado para a importação de computadores.
Para tanto, são usados argumentos técnicos para mostrar que as máquinas de jogos de azar se assemelham a computadores. Com isso, esses equipamentos -antes classificados na categoria de "artigos para jogos de salão" (como prevê o código 9504)- passaram a se encaixar na categoria de "máquinas automáticas para processamento de dados e suas unidades", em um outro código (8471). A informação consta de relatório da Procuradoria da República no Distrito Federal encaminhado em janeiro deste ano para a Corregedoria-Geral da Receita Federal, que investiga desde fevereiro o assunto.
O parecer recebeu a aprovação de Tereza Cristina Guimarães Ferreira, então coordenadora de Assuntos Tarifários e Comerciais da Secretaria da Receita Federal.
Esse parecer deu origem à edição da SC-9 -norma assinada por Ronaldo Lazaro Medina, coordenador-geral de Administração Aduaneira (Coana) da Secretaria da Receita Federal.
A proibição dessas máquinas teve origem no artigo 50 do decreto-lei 3.688, de 1941, editado no governo Vargas, quando foram fechados os cassinos no país. Também é reforçada na portaria nš 7 da Secex (Secretaria de Comércio Exterior), de 25 de setembro de 2000. Essa portaria cita que as máquinas classificadas nos códigos 9504.30 e/ou 9504.90 não terão sua importação permitida.
"Com a SC-9 buscava-se escapar do controle da Secex, que, por meio da portaria nš 7, proíbe a importação de máquinas de jogo de azar no país", diz relatório do subprocurador-geral da República, Brasilino Pereira dos Santos.
Procurada pela reportagem, a corregedoria não quis comentar o assunto porque as investigações estão em fase final. Pessoas envolvidas no caso ainda estão sendo ouvidas, segundo a Folha apurou.
A Receita manteve até agora a SC-9 e não anulou a norma -o que põe em conflito as regras para a importação desses equipamentos. "Sem a Receita anular essa classificação e divulgar isso, não há como impedir de fato a importação", diz o subprocurador.

Permissão de entrada
A importação de máquinas de jogos ocorreu no país mediante liminares conseguidas por empresários do setor na Justiça. "Um punhado de mandados de segurança autorizou a importação", afirma Medina.
Em 1993 a Lei Zico (8.672) instituiu o bingo como jogo oficial no país. Desde essa lei, as casas de bingo passaram a funcionar mediante o repasse de 7% da sua receita a entidades esportivas: clubes, federações e confederações.
Dois anos mais tarde, os bingos viraram alvo de investigação em CPI da Câmara. Em 1998, a Lei Pelé revogou a Lei Zico e regulamentou o bingo permanente e eventual, além de caça-níqueis. Nesse período, as máquinas de jogo de azar se espalharam pelo país.
Em 2000, o Congresso revogou a Lei Pelé. Desde então, as casas de bingo têm exercido suas atividades por meio de liminares conseguidas na Justiça. (FF e CR)


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