São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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Utilização de polígrafo é inconstitucional; nem mesmo a polícia pode usar o aparelho sem autorização judicial

Detector de mentira seleciona trabalhador

DA REPORTAGEM LOCAL

A "lista negra" não é o único tipo de discriminação sofrido pelo trabalhador brasileiro. A Folha levantou casos de empregados que tiveram até de passar por detector de mentiras para conseguir uma vaga e ou permanecer nela.
Em junho, Benedito Valentini, juiz da 36ª Vara Trabalhista de São Paulo, condenou a American Airlines a pagar uma indenização de cerca de R$ 190 mil para Rita de Cássia Martinhão Irigoyen, 36, por entender que ela sofreu danos morais a ser submetida a detector de mentiras (polígrafo). A empresa recorreu da decisão por considerar que Rita de Cássia saiu da empresa por outros motivos.
Rita de Cássia trabalhou seis anos -até 2000- no setor de inspeção de segurança da aeronave e de passageiros da American Airlines. Durante esse período teve de passar várias vezes pelo polígrafo -o aparelho que realiza o teste é parecido com o que executa o eletrocardiograma.
"Todo funcionário que trabalhava na área de segurança era obrigado a passar pelo detector de mentiras na hora da admissão e depois uma vez por ano para reavaliação. E quem se recusava a fazer o teste era demitido."
Ela admite que saiu da companhia por causa de desentendimentos com sua chefia, mas que sempre contestou o fato de ser obrigada a passar pelo polígrafo. Ela diz que a American informa que faz teste por motivos de segurança das aeronaves e dos passageiros, mas as perguntas feitas, segundo ela, não tratam disso -são exclusivamente pessoais.
Algumas das perguntas, diz, que foram feitas a ela: se reside em casa própria, se esteve hospitalizada nos últimos dez anos, se usa bebidas alcoólicas, se tem antecedentes de desonestidade, se cometeu violações de trânsito, se teve sua habilitação suspensa, se deve para alguém e, ainda, se em emprego anterior roubou algo de valor maior de R$ 70.
A American Airlines admite que usa o detector de mentiras por considerar necessário para manter a segurança dos passageiros (leia texto ao lado).

Escândalo
"Isso é um escândalo. Utilizar polígrafo no país é proibido por lei. Fere a Constituição Federal -artigo 5º inciso 10º- e outros, que tratam da proteção da honra da vida privada. Nem a autoridade policial pode colocar bandido no polígrafo", diz Luís Carlos Moro, advogado que cuida da ação movida por Rita de Cássia.
Cristiane Saldanha, 33, ex-supervisora de segurança da American, também busca indenização na Justiça por ter sido submetida ao detector de mentiras. "Passar por essa situação foi humilhante, eu me senti mais do que insultada, mais do que estuprada."
Ela conta que trabalhou na companhia por cinco anos, e passou pelo teste do polígrafo em 97.
"No ano anterior, estava grávida e não me interrogaram porque a pressão era muito grande. Presenciei até um funcionário desmaiando quando soube que teria de passar pelo detector de mentiras. É um trauma. Você fica de costas para a parede com um funcionário que vem dos Estados Unidos para aplicar o teste."
Cristiane, que hoje trabalha como autônoma na promoção de eventos, diz ter sido demitida por problemas com sua chefia. "Perguntei qual foi meu erro ao meu chefe até porque não queria falhar no próximo emprego, mas não deram explicações. Fui mandada para o departamento pessoal para acertar minhas contas. Essa é a forma que o trabalhador é tratado no país." (FF e CR)


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