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OPINIÃO ECONÔMICA
Prestadores de serviços: as vítimas de sempre
MARCOS CINTRA
Em 16 de junho passado o jornal "Valor" publicou uma
entrevista na qual o secretário da
Receita Federal, Jorge Rachid, explicou por que foi necessário aumentar a Cofins para os bancos
de 3% para 4%, com a edição da
medida provisória nš 66 no final
do ano passado.
Segundo o secretário, os bancos
estavam sendo beneficiados por
uma tributação mais leve do que
para as demais empresas. Por
questão de justiça, a alíquota foi
aumentada. Na sequência dessa
explicação, travou-se o seguinte
diálogo:
Rachid - Estamos corrigindo
uma distorção, praticando justiça
tributária. Em relação aos prestadores de serviços, vocês conhecem
o nosso problema.
Valor - Qual?
Rachid - Como pessoa física, o
contribuinte paga em média 22%
de impostos. Mas ele pode constituir uma pessoa jurídica, que, naquela oportunidade, pagava em
torno de 14%, incluindo PIS, Cofins. É justo? Não. A pessoa física
deve pagar o mesmo que a jurídica. Aumentamos o imposto dos
prestadores de serviços de 14%
para 16%. Há espaço para aumentar mais, vocês estão vendo
que há espaço para mais.
Valor - Mas vocês estão pensando em aumentar mais ainda neste ano?
Rachid - Eu disse que há espaço.
E corrigir distorções é nossa obrigação.
É assustador lembrar que esse
diálogo:
1) envolveu a principal autoridade tributária de um país que,
apesar de ter renda per capita de
apenas US$ 2.593 por ano, extrai
do setor privado quase 37% do
PIB, percentual atingido apenas
por nações com renda por habitante de mais de US$ 20 mil
anuais;
2) ocorreu em uma economia
na qual o maior empregador de
mão-de-obra, o setor de serviços,
é supertributado, apesar da dramática taxa de desemprego de
13% da população economicamente ativa. Cobram-se 41,7% de
impostos sobre a folha de salários,
abaixo apenas da Dinamarca,
com 43,1% (Bélgica, 41,4%, Suécia, 30,4%, Holanda, 28,7%, EUA,
24,3%, Japão, 16,2% e Coréia do
Sul, 8,7%, segundo o IBPT);
3) aconteceu em uma sociedade
na qual, segundo a revista "Época" (20 de janeiro de 2003), 48%
das empresas já foram solicitadas
a pagar propina a fiscais de tributos e taxas; em que a sonegação,
com ou sem a participação dos
"silveirinhas", é praticada por
27,5% das firmas; e em que 45%
dos trabalhadores nas regiões metropolitanas estão na informalidade, que, ademais, "é alta e crescente", segundo Armando Castelar, técnico do Ipea ("Valor", 22
de agosto de 2003).
A elevação da carga tributária
dos prestadores de serviços agrava todas essas indesejáveis características da economia brasileira:
aumenta a carga geral de impostos, tributa mais pesadamente o
setor terciário, que é o maior empregador da economia, e ainda
estimula a sonegação e a corrupção, pois a tributação mais pesada é uma das principais causas da
economia subterrânea brasileira.
O mais lamentável ainda é que
a justificativa para a elevação da
carga tributária dos prestadores
de serviços no ano passado -segundo a qual não é justo eles pagarem menos impostos que os demais setores- não encontra respaldo na realidade brasileira.
Na última segunda-feira, em seminário realizado na Amcham
(Câmara Americana de Comércio), a Fesesp (Federação dos Serviços do Estado de São Paulo) divulgou estudo coordenado pelo
professor Fernando Garcia, da
Escola de Economia da FGV de
São Paulo, o qual mostra que o setor de serviços é o maior pagador
de impostos do Brasil. O relatório
completo acha-se disponível no
site www.fesesp.org.br.
Cerca de 63% da carga tributária brasileira foi arrecadada do
setor produtivo. O restante veio
das famílias (32%), da formação
de capital fixo (3%) e do governo,
exportação e variação de estoques
(2%). Do total dos impostos arrecadados do setor produtivo nacional em 2001 (R$ 251 bilhões), o
setor de serviços contribuiu com
31,69% (R$ 79 bilhões), o comércio, que também é prestador de
serviços, com 11,75% (R$ 29 bilhões), e a industria de transformação, com 29,99% (R$ 75 bilhões). Tomando-se por base a
carga tributária relativamente ao
valor adicionado setorial, o quadro é o mesmo, com o setor de serviços suportando carga de
31,95%, o comércio, de 37,26%, e
a indústria, de 31,38%.
Cai por terra, portanto, a afirmação de que os prestadores de
serviços pagam menos impostos
que os demais setores produtivos
brasileiros. Não há, destarte, nenhuma justificativa para o tratamento discriminatório que o setor
vem sofrendo 1) ao ter aumentada a CSLL; 2) ao suportar um visível deslocamento tributário implícito na retirada da cumulatividade do PIS (que ainda acumulou erro para mais na calibragem
de alíquota de 0,65% sobre o faturamento para 1,65% sobre o valor
agregado); 3) na recomendação
da proposta de reforma tributária
do governo de retirar a cumulatividade da Cofins, replicando e potencializando os efeitos perniciosos ocorridos com a não-cumulatividade do PIS, bem como de
transformar parcialmente a contribuição patronal ao INSS em incidência sobre o valor agregado; e
4) na reação contrária à quase solitária contribuição positiva do
relator Virgílio Guimarães ao
projeto de reforma tributária do
governo que incluía a CPMF no
artigo 195 da Constituição como
uma contribuição permanente,
em substituição à famigerada
contribuição patronal ao INSS sobre a folha de salários. Aquela
proposta poderia ser o embrião de
uma saudável desoneração dos
rendimentos do trabalho em nosso país.
Para completar o surrealismo
de todo esse quadro de desinformação e de preconceitos, a CPMF,
o único tributo brasileiro que é insonegável e universal -e, portanto, mais justo e capaz de reduzir a carga tributária individual e
que, por ser não-declaratório,
ajuda a combater a corrupção e a
informalidade- é sistematicamente tachado de distorcivo, ineficiente, prejudicial às exportações (apesar dos recordes na balança comercial), injusto e regressivo. Perde-se, assim, uma oportunidade de avançar de forma segura e criativa na erradicação de
algumas das mais desastrosas características de nosso sistema tributário, como a evasão, a sonegação, a corrupção, os altos custos e,
sobretudo, a dramática e imprudente hipertributação da folha de
salários no Brasil.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo do Campo e autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Escreve às segundas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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