São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2004

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TURISMO

Pequim inclui 27 países europeus à lista de destinos de excursões; linhas aéreas e grupos hoteleiros já fazem mudanças

Europa espera avalanche de turistas chineses

Peter Parks - 31.ago.04/France Presse
Fila de embarque no aeroporto de Pequim; hotéis estão mudando para receber chineses, como fizeram com japoneses nos anos 80



ALEXANDRA HARNEY
DO "FINANCIAL TIMES"

Quando Zhang Huili e seu namorado Li Yunpeng se casaram, alguns meses atrás, os pais do noivo deram ao casal um presente inteiramente novo: uma viagem de lua-de-mel à Europa.
Zhang, que trabalha como engenheira assistente de computação em Pequim, está lendo sobre Paris, a primeira parada em uma excursão por três países organizada pelo seu agente de viagens.
"É pena que tenhamos de começar por lá", diz. As amigas a sobrecarregaram de pedidos de chocolates e perfumes franceses, e ela comprou uma mala extra, para trazer as compras. "Teremos tanta coisa para levar conosco pelo resto da viagem que ficaremos exaustos carregando tudo."
Zhang não estará sozinha em sua lua-de-mel. Desde a semana passada, grupos de turistas da China estão autorizados a visitar 27 países europeus que no passado eram vedados aos viajantes turísticos de seu país e permitidos apenas aos empresários e executivos. Agora, países como França, Itália, Suíça, Espanha, Bélgica, Suécia e Grécia receberão a luz verde de Pequim como "locais de viagem aprovados".
A abertura da Europa como destinação turística é o passo mais dramático dado pela China desde que começou a relaxar suas restrições a viagens internacionais, no começo dos anos 1980. Analistas do setor acreditam que isso possa preparar o cenário para uma maior liberalização, ao despertar o apetite da população por viagens internacionais e ao alargar a porta que une centenas de milhões de chineses ao mundo.

"Marco histórico"
"Eles nunca tinham expandido as licenças para mais de 20 países de uma vez", disse Zhang Wenjia, representante-chefe da Switzerland Tourism na China. "Trata-se de um marco histórico."
E isso é apenas o começo. A Organização Mundial de Turismo prevê que, por volta de 2020, a China estará enviando 100 milhões de turistas a outros países a cada ano, o que a tornará a quarta maior origem mundial de turistas, depois de Alemanha, Japão e Estados Unidos. No ano passado, o número de chineses continentais viajando ao exterior subiu em 21%, para 20,2 milhões, ultrapassando o número de turistas japoneses, no passado os mais ávidos viajantes da Ásia, pela primeira vez. Neste ano, 24 milhões de chineses viajarão ao exterior, de acordo com a DPS Consulting, consultoria sediada em Pequim.
Uma explosão de turismo chinês teria grandes implicações para os setores hoteleiro, de transporte aéreo, varejista e de viagens em todo o mundo. Indícios pontuais já sugerem que os turistas chineses não vacilam em abrir as carteiras. Os chineses continentais gastam mais em Hong Kong, por exemplo, do que visitantes de qualquer outro país.
Os turistas asiáticos não são novidade no mundo. A partir do começo dos anos 80, legiões de japoneses, sempre com câmeras fotográficas em punho, tomaram o mundo de assalto, forçando os hotéis a adquirir quimonos e chá verde e encorajando o varejo e os restaurantes a contratar funcionários capazes de falar japonês.
"É exatamente a mesma coisa pela qual passamos com os japoneses 20 anos atrás, e temos experimentado com os russos desde 1999, mas com uma grande diferença: o tamanho do mercado", diz Serge Ragozin, vice-presidente de apoio internacional na cadeia hoteleira francesa Accor.
A outra diferença é a velocidade com que o mercado chinês vem crescendo. As empresas chinesas começaram a conceder férias pagas aos seus funcionários apenas na década passada.
"O ímpeto inicial vem sendo muito dramático e está se fazendo sentir em um período de tempo relativamente curto se comparado ao caso do Japão", disse John Koldowski, diretor-executivo do centro de informações estratégicas da Associação de Viagens Ásia-Pacífico, em Bancoc.

Abertura
Até recentemente, devido aos controles do governo chinês sobre o setor, o número de destinos abertos aos grupos de turistas chineses era limitado. No começo da década de 80, Pequim começou a permitir que grupos da Província de Guangdong, no sul do país, visitassem parentes em Hong Kong e Macau, então colônias britânica e portuguesa, respectivamente. As autoridades chinesas gradualmente expandiram a lista de destinos autorizados, incluindo diversos países do Sudeste Asiático, a Austrália e o Japão.
Hoje, os agentes de viagens chineses podem organizar excursões apenas para países que tenham assinado com Pequim um acordo sobre "status de destino aprovado" (ADS). Os acordos controlam o fluxo dos grupos de excursão chineses: apenas agências de viagens autorizadas, que assumiram a responsabilidade de fiscalizar os pedidos de visto, podem organizar viagens a países ADS.
Mas lacunas no sistema permitiram que grupos de turistas chinesas visitassem a Europa e outros países excluídos do sistema ADS já há anos, usando vistos de negócios. E, como os acordos ADS se aplicam só a excursões em grupo, indivíduos podem solicitar licenças para viagens a países não-signatários desses acordos.
Os países interessados precisam solicitar ao governo chinês sua inclusão na listra ADS. O pedido é revisado por diversas organizações governamentais e, caso aprovado, Pequim e o país anfitrião negociam o acordo. O processo pode ser demorado. O Reino Unido, por exemplo, continua na fila para assinar um acordo ADS. Os EUA, considerados em geral o mais provável destino de turistas chineses, ainda não assinaram um acordo desse tipo, embora concedam vistos a turistas chineses individuais.
Mesmo assim, o fluxo de turistas chineses já vem mudando a maneira pela qual os hotéis, linhas aéreas e agências de viagens em todo o mundo fazem negócios. A Lufthansa, da Alemanha, maior linha aérea européia na China, elevou o número de seus vôos de e para a China de 26 a 41 neste ano, acrescentando rotas que conectam Munique a Pequim e à próspera cidade de Cantão, no sul da China. Os passageiros chineses que chegam a Frankfurt e Munique são recebidos pelo Serviço Chinês de Recepção, uma equipe uniformizada de profissionais que falam chinês e os encaminham a hotéis, locadoras de automóveis ou vôos de conexão.

Demanda crescente
"Os viajantes chineses se tornaram parte importante dos fatores de estímulo aos nossos negócios, e antecipamos que a demanda por viagens aéreas de e para a China continue a crescer", diz a Lufthansa. A China respondeu por 15% do faturamento da linha aérea na Ásia, em 2003.
Em junho, Nevada, que abriga Las Vegas, a meca dos jogos de azar, se tornou o primeiro Estado norte-americano a abrir um escritório de turismo na China. Chen Hongxia, o gerente do escritório, diz que o número de chineses que visitam Las Vegas é superior ao de turistas do país em qualquer outra cidade norte-americana.
O setor de hotelaria também está se deixando influenciar. O Sheraton Park Tower, de Londres, um hotel cinco estrelas, informou no mês passado que agora oferece programação da China Central Television, a rede estatal chinesa, em todos os seus 280 quartos.
A Accor, que controla as cadeias de hotéis Ibis, Sofitel e Novotel, também está tentando garantir que seus hóspedes chineses se sintam mais em casa. Alguns de seus hotéis de três e quatro estrelas em Paris agora oferecem conjuntos chineses de chá e canais de televisão da China e servem arroz branco e sopa no café da manhã.
O setor de viagens da China está também se preparando para o "boom". As agências de turismo do país lançaram campanhas publicitárias intensas para promover excursões à Europa e estão reforçando seus departamentos de turismo externo.
As agências estão concentrando seus esforços na França, na Itália e na Suíça, que esperam ser os destinos mais populares. Mas muitos dos pacotes em oferta levarão turistas chineses a cerca de uma dúzia de países, em excursões de cerca de duas semanas.

Compras
Os turistas chineses talvez não venham a gastar tanto em hotéis e restaurantes quanto o setor de viagens espera: muitos preferem economizar na hospedagem e na comida para deixar mais dinheiro para as compras, muitas vezes de produtos de luxo. Em 2003, os chineses continentais em visita a Hong Kong gastaram 12,3% de seu orçamento em hotéis e 68,5% em compras, de acordo com o conselho de turismo do território.
Alguns observadores argumentam que o crescimento do número de turistas chineses no exterior será restringido por outros motivos, igualmente. Para começar, a despeito do aumento dramático no número de vôos que conectam a China ao resto do mundo, continua a não haver assentos disponíveis nos aviões para atender à demanda no pico da temporada.
Outro obstáculo é o trabalhoso processo necessário à obtenção de um visto para o exterior como parte de um grupo de excursão. Ainda que o processo tenha sido simplificado a partir deste mês, reduzindo a papelada solicitada aos potenciais turistas, os viajantes ainda terão de exibir provas de estabilidade financeira.
Como parte dos esforços chineses para impedir emigração ilegal, os moradores de Pequim precisam fazer depósitos em uma agência de viagem ou oferecer prova de que dispõem de quantia equivalente em uma conta bancária para cobrir os custos de repatriá-los caso excedam o prazo de permanência concedido em seus vistos.

Restrições
Outra preocupação é a velocidade com que Pequim virá a afrouxar as restrições quanto aos destinos permitidos para os turistas chineses e os limites impostos aos seus gastos no exterior. A China está preocupada com a possível fuga de capital. Oficialmente, um chinês pode levar apenas o equivalente a US$ 5.000 em suas viagens ao exterior. Embora haja maneiras simples de contornar essas regras, muitos chineses prósperos têm contas bancárias no exterior e cartões de créditos internacionais, por exemplo.
"Eles não querem que as viagens turísticas resultem em saída de capital superior à entrada", diz Koldowski.
Por enquanto, porém, as agências de viagens estão preocupadas quanto à administração das diferenças culturais entre os chineses e os europeus.
Os turistas chineses são conhecidos por seu comportamento ruidoso, e práticas consideradas rudes em outros países são comuns na China. "Não é apropriado falar alto, cuspir ou jogar lixo em qualquer lugar", diz uma brochura aos turistas. "É deselegante limpar os dentes, arrumar o cinto, levantar as calças e tirar os sapatos em público", acrescenta a brochura.
Zhang, da Switzerland Tourism, vem instruindo hotéis suíços quanto às preferências dos turistas chineses, enquanto tenta corrigir os mal-entendidos dos chineses sobre a Europa. Alguns visitantes chineses à Europa, por exemplo, "se queixam de que os quartos são pequenos demais [pelo preço que pagam], que os elevadores europeus são muito pequenos, que os hotéis não têm grandes saguões", diz.
As refeições ao estilo europeu de comida continental, com diversos pratos, também não se provaram populares com os turistas chineses, acrescenta Zhang. "Na China, se você pede alguma coisa, em dez minutos a mesa do restaurante está coberta de pratos. Uma refeição francesa de três pratos demora três horas. É difícil convencer os chineses a esperar", afirma ele.
Koldowski, de sua parte, vem alertando as linhas aéreas, operadores de excursões e hotéis para que não percam de vista a necessidade de oferecer bons serviços ao número crescente de clientes chineses de que dispõem. Ele diz: "Se você fizer tudo certinho para os 40 grupos de turistas chineses que vai receber neste ano, no ano que vem serão 400 grupos. Você estará preparado para isso?".

Tradução de Paulo Migliacci

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