São Paulo, Quarta-feira, 08 de Setembro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Mais uma vez, os planos de saúde

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

Finalmente, depois de discussões de todos os tipos, carregadas com fortes doses de demagogia e desconhecimento do assunto, parece que o governo está conseguindo racionalizar o tema planos de saúde privados.
Num país com a saúde oficial falida e sem condições de preencher as necessidades da população, tanto que basta ligar a televisão para ver o estado deplorável em que se encontram milhares de leitos da rede pública, os planos de saúde privados há muito deixaram de ser um produto complementar para se transformar no arrimo de mais de 40 milhões de segurados que hoje se beneficiam da sua eficiência.
A imensa maioria está coberta por planos empresariais, com coberturas mais abrangentes e com restrições muito menores do que as oferecidas pelos planos individuais. E é aí que mora o perigo. Em nome da defesa dos segurados dos planos individuais, o governo corre o risco de comprometer o atendimento de milhões de brasileiros protegidos pelos planos empresariais.
É evidente que os planos individuais precisam de regras claras e que seus titulares merecem toda a proteção do Estado. Todavia, num discurso emotivo, pretender dar a eles as mesmas vantagens e condições oferecidas pelos planos coletivos é impossível. E na base desse raciocínio está uma regra simples, que pode ser formulada com uma pergunta: "Você pode pagar quanto custa?".
É só alguém andar por um shopping center e ver os preços para ter a resposta. Dois jeans, fabricados com brim azul, não custam obrigatoriamente a mesma coisa, e só uma minoria pode ter o mais caro.
Em saúde essa regra atinge seu limite máximo. É por isso que nos países europeus, onde, ao contrário daqui, a prevenção é a base da saúde pública, os governos se responsabilizam também por uma série de terapias impossíveis de ser garantidas pela iniciativa privada.
Na semana passada, depois de meses insistindo, sem nenhum amparo legal, em que os segurados deveriam obrigatoriamente migrar para planos com as novas regras, o governo caiu em si e deu marcha a ré, submetendo-se ao princípio básico que norteia os regimes democráticos, que é o respeito à lei. Por conta disso, já não é mais obrigatória a adaptação dos planos antigos às novas regras.
É a volta do bom senso, mas ainda é insuficiente para anular as outras ameaças muito mais sérias que pairam sobre a população.
Em primeiro lugar, não há como se pretender obrigar que os preços dos planos novos sejam iguais aos preços dos planos antigos. Na medida em que os novos produtos devem contemplar coberturas mais abrangentes, que não eram obrigatórias nos contratos antigos, é evidente que o seu preço tem que ser mais alto. Se fosse diferente, seria o mesmo que obrigar o preço de uma dúzia de bananas e meia dúzia de jacas ser o mesmo que o de cinco laranjas, e isso não é possível, ainda mais quando as diferenças envolvem acrescer transplantes de órgãos em planos que cobriam gesso e analgésicos.
Assim, é indispensável que se pare de dizer que os novos planos custarão a mesma coisa que os antigos porque isso não é verdade. Os aumentos são procedentes, e o máximo que seria possível dizer é que os procedimentos já cobertos não terão aumentos. Pretender incluir as novas coberturas de graça é, no mínimo, falta de visão, uma vez que a sua consequência prática tem sido a redução do número de novos planos oferecidos à população.
Em segundo lugar, e mais grave, porque colocam em risco a própria estrutura da saúde pública, as novas regras ameaçam acabar com os planos gerenciados pelos pequenos hospitais de cidades do interior e periferias das grandes cidades.
Ao exigir que passem a dar coberturas altamente sofisticadas, a lei os impede de continuar existindo, porque eles não têm condições de fazê-lo, e a única solução para o problema, que seria a contratação de outros operadores mais sofisticados para suprir as novas exigências, está fora de questão, justamente em virtude do aumento de preço que ela acarretaria.
É indispensável que o governo se convença de que esses planos atendem -e bem- mais de 80% dos eventos que afetam a saúde de seus segurados e que querer obrigá-los a dar os 20% restantes é desmontar algo que funciona, sem oferecer a competente contrapartida.
A entrada em vigor da obrigatoriedade dos planos referenciais em dezembro próximo decretará automaticamente a quebra dos planos menores e a migração de seus segurados para as filas do SUS.
Recentemente escutei de um dos grandes especialistas em saúde pública brasileira que: "Se o país destinasse US$ 100 bilhões por ano para a saúde, estaria destinando a mesma coisa que a França, só que o brasileiro, em razão do tamanho da população, estaria recebendo um terço do que recebe o francês". Ora, se nem em seus sonhos mais otimistas o ministro José Serra imagina valores dessa ordem, seria de muito bom senso o governo rever a obrigatoriedade dos planos referenciaisconforme desenhados e assim continuar recebendo a ajuda da iniciativa privada num campo em que ele tem sido incompetente para atuar sozinho.


Antonio Penteado Mendonça, 47, é consultor de seguros e diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo. E-mail: pentmend@penteadomendonça.com.br

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