São Paulo, Quarta-feira, 08 de Setembro de 1999
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LUÍS NASSIF

Um ERP para o governo

ERPs são sistemas gerenciais de informática, implementados em empresas, que controlam todas as suas operações, da parte financeira e contábil até a parte fabril. Parte da revolução de produtividade ocorrida no mundo e no Brasil tem por base a implementação desses sistemas.
Primeiro, ele permite controlar todas as operações das empresas. Há uma entrada única de dados, impedindo duplicação de entradas. Depois, um acompanhamento de todos os processos. Os sistemas mais sofisticados têm modelos de fluxos de documentos que monitoram os processos do começo ao fim, impedindo que decisões possam ficar escondidas nas gavetas dos escalões médios. O sistema identifica claramente em qual setor o processo empacou, e o responsável terá que dispor de boas explicações para não ser punido.
Mais que isso, esses ERPs obrigam as empresas a se organizar em torno de métodos e processos. Para utilizar o sistema, antes é preciso definir claramente a atribuição de cada diretor, gerente e funcionário. Em um ERP não existem responsabilidades difusas. Cada decisão tem um responsável. Se algum tipo de procedimento não está previsto, o sistema não aceita. Com isso, não há improvisações. O procedimento terá que ser analisado, incorporado ao sistema, com responsabilidades bem definidas.
Finalmente, dispondo de todo o conjunto de informações da empresa, o sistema permite todo tipo de levantamento de dados, necessários para o planejamento das ações.
Esses sistemas hoje estão disponíveis a grandes e médias empresas. Há sistemas compactos acessíveis até a pequenas empresas. No entanto a maior empresa nacional, aquela que afeta a vida de todas as empresas e cidadãos -o Brasil S/A-, continua sendo gerida como o botequim da esquina.
Não há nenhuma espécie de controle. A três por quatro aparecem notícias de medidas que foram tomadas, decisões controvertidas, sem pai nem mãe. De outro lado, decisões fundamentais emperram na absoluta falta de controle sobre os procedimentos internos da burocracia.
É possível admitir que 650 mil famílias tenham ficado três meses com o salário-sobrevivência atrasado, na região das secas, mesmo com a verba liberada, porque o processo parou em uma gaveta do Ministério da Fazenda? Ou que até agora o "kit dos primeiros socorros" não tenha paternidade? É possível fazer qualquer planejamento de ações, quando se sabe que verbas podem ser retidas por malícia ou eficiência?
Não existe palavra mais desprestigiada no país que as ordens que FHC dá a seus subordinados no governo. Simplesmente porque entram por um ouvido e saem por outro, sem que haja nenhuma espécie de acompanhamento.
O "Brasil em Ação" demonstrou a eficácia dos modernos sistemas de gerenciamento, mas para um conjunto restrito de obras. O PPA amplia o conceito para todo o Orçamento, mas as entranhas do governo continuam intocadas.
É só proceder a um levantamento de todas as medidas anunciadas, em momentos de crise, e comparar com aquelas que foram completadas. Por falta de acompanhamento adequado, a inércia acaba sufocando a maioria.
Reside aí o poder dos lobbies e de alguns segmentos da burocracia: a capacidade de acelerar ou brecar projetos, de incluir contrabandos em documentos internos e tudo o mais.
Por tudo isso, é hora de o governo pensar em se controlar internamente, por meio de um desses sistemas gerenciais. De imediato, o sistema permitirá a cada ministério -e à Casa Civil, como órgão da Presidência- entender o funcionamento de toda a máquina. Esse mero exercício inicial já possibilitará avanços relevantes na racionalização das estruturas de governo.
Implementado, o sistema permitirá o controle de todas as ações de governo, mas não apenas isso. Dispondo de um conjunto organizado de informações, a eficácia da ação pública será multiplicada.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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