São Paulo, sexta-feira, 08 de outubro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

China, a quadratura do círculo

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Neste início do último trimestre do ano, os olhos do mundo econômico e financeiro voltam-se para a China. Será no país de Mao, mais que nos EUA, que será construído o cenário econômico do próximo ano. A continuidade de seu extraordinário crescimento garantirá a manutenção do cenário benigno deste ano, quando o PIB mundial crescerá mais de 5%; se ocorrerem problemas mais sérios, como a explosão da bolha no mercado imobiliário, o resto do mundo vai enfrentar dificuldades para manter o ritmo atual da atividade econômica.
Não vejo muito risco da ocorrência do segundo cenário ao longo de 2005. A história nos ensina que a realidade de grandes desastres econômicos é muito menor do que o número de previsões que se fazem sobre essas situações extremas. As economias de mercado têm sido capazes, ao longo do tempo, de superar situações de desequilíbrios que são geradas por sua própria natureza instável. Isso ocorreu, por exemplo, na década de 80 do século passado, quando se previa um colapso da economia americana sob o peso da produtividade da indústria japonesa. A revolução gerada pela tecnologia de informação (TI) resgatou o dinamismo da maior economia do mundo e deixou os terroristas em situação delicada.
Hoje, vivemos um desequilíbrio macroeconômico muito sério no mundo global em que vivemos. Os "déficits gêmeos" nos Estados Unidos, gerados por uma situação estrutural de consumo maior do que poupança, e sua contrapartida no mundo asiático e na Europa, excesso de poupança sobre consumo, criaram uma situação grave de instabilidade de longo prazo. Qualquer economista sensato sabe que a manutenção desse quadro vai gerar, em algum momento no futuro, uma crise financeira e econômica de proporções gigantescas.
Mas nos dias de hoje esse confronto com o fundamento econômico vem sendo evitado por um arranjo de natureza financeira de grande sofisticação. Os países com poupança em excesso estão financiando os países deficitários via mercados de câmbio e de crédito. Com isso, os juros americanos são mais baixos do que seu nível de equilíbrio, e o dólar consegue manter sua credibilidade nos mercados de câmbio. E "la nave va".
Mas, para que esse arranjo de curto prazo continue, é necessário que a economia chinesa continue em rota de crescimento. E aqui é que mora o perigo. Os sucessores de Deng Xiaoping, agora representados por uma nova geração de burocratas, estão tentando uma verdadeira quadratura do círculo, ao manter um câmbio fixo desvalorizado e juros reais negativos. O resultado dessa combinação explosiva tem sido um nível de investimento especulativo -principalmente no mercado imobiliário das grandes cidades da costa- e perigoso, além de um aumento da inflação.
As medidas administrativas, para tentar conter o superaquecimento da economia, não estão funcionando de maneira eficiente e tendem a perder sua eficiência à medida que o tempo passa. Existe uma grande resistência na cúpula do governo para que as autoridades econômicas usem os instrumentos tradicionais, juros e valorização cambial, a fim de lidar com essa situação. É possível que, ao longo de 2005, a situação atual seja mantida sob controle, mas os riscos de um colapso não são pequenos.
O crescimento da economia chinesa é um dos grandes responsáveis pela alta continuada dos preços do petróleo. Mantidos os preços atuais, a probabilidade de uma redução do crescimento econômico nos EUA é real. São mais de US$ 60 bilhões anuais de gastos extraordinários dos consumidores americanos e que são retirados do consumo. Também os países da Ásia e Europa estão começando a sentir o peso do petróleo a mais de US$ 50 o barril. No cenário mais otimista, o qual considero -com os dados de hoje- o mais provável, o crescimento da economia mundial, em 2005, deverá ser um ponto percentual menor do que o verificado neste ano.
Sem o "hard landing" chinês, o Brasil deve ter em 2005 mais um ano de céu de brigadeiro. As primeiras estimativas para o crescimento de nosso PIB apontam para algo como 3% ou um pouco mais, consolidando o processo de recuperação de nossa economia. Devemos, portanto, rezar para que os burocratas do Partido Comunista Chinês consigam realizar essa difícil tarefa que é conseguir a quadratura do círculo!


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br



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