São Paulo, quarta-feira, 08 de novembro de 2000

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TIGRES DOENTES
Compromisso excessivo de empresas e incapacidade dos bancos de recuperar empréstimos dificultam recuperação
Dívida ameaça ressuscitar crise na Ásia

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Parecem prematuras as notícias de que a crise asiática estava morta e devidamente enterrada. O mais recente e assustador indício foi dado no fim-de-semana pela FTI (Federação das Indústrias da Tailândia), não por acaso o país em que a crise começou, em julho de 1997.
Conhecida pelo apoio permanente ao governo, a FTI deu uma forte guinada, a ponto de batizar de "um fracasso" o esforço da Tailândia nos três anos mais recentes para ressuscitar a economia.
Dizem os industriais que o esforço oficial ficou concentrado nos problemas do setor financeiro, enquanto o setor produtivo era negligenciado.
"Como a economia real ainda não se recuperou da crise, as instituições financeiras não podem resolver seus problemas de maus empréstimos nem conceder mais créditos. Como resultado, não importa quanto capital o Estado injete no setor financeiro. As instituições financeiras não serão capazes de se recuperar completamente", diz Prapad Phodhivorakun, vice-presidente da FTI.
É verdade que parte da análise pessimista inclui a choradeira de empresários em busca de créditos subsidiados: a tese da FTI é que o governo deveria estatizar os créditos pobres, de forma a limpar os balanços dos bancos para que eles possam voltar a injetar dinheiro no setor privado.
Mas parte da análise toca em um problema verdadeiro, que, aliás, foi uma das causas da crise de 1997: o endividamento excessivo do setor privado e a incapacidade do setor financeiro de recuperar boa parte dos empréstimos concedidos.
O que torna relevante a questão é o fato de que o problema não se limita à Tailândia. Na Coréia do Sul, a situação talvez seja ainda mais grave, porque, entre as previsíveis vítimas de dívidas excessivas, estão dois dos maiores ícones da economia local, a Hyundai Engenharia e Construções e a Daewoo Motors.
Até o ADB (Banco de Desenvolvimento Asiático), em um relatório otimista sobre a recuperação da região, emitido no mês passado, diz, sobre a Coréia:
"A Coréia experimenta a mais forte recuperação na região. Entretanto contínuos problemas com os grandes "chaebols" (conglomerados) apontam o risco de problemas bancários adicionais".
Por isso mesmo, o relatório do banco adverte que, embora a recuperação tenha se consolidado mais este ano, "ainda está longe de completar-se".
Pior: do ponto de vista social, a recuperação avançou menos. Dos cinco países mais atingidos em 97/98 (Coréia, Tailândia, Malásia, Filipinas e Indonésia), apenas a Coréia viu sua renda "per capita" superar o pico do nível pré-crise.
Na Malásia e nas Filipinas, isso deve ocorrer este ano, espera o ADB, mas na Tailândia ainda vai demorar mais um ano e pouco, e "na Indonésia possivelmente ainda mais", diz o banco.
Os mercados mostram o nervosismo típico de situação não consolidada. Na Tailândia, por exemplo, o baht, a moeda local, perdeu 11% do seu valor nos primeiros nove meses do ano (o colapso do baht em 1997 foi o estopim da crise anterior). A Bolsa tailandesa de Valores sofreu perdas, no mesmo período, de 42%.
Na Coréia, a situação não é muito diferente: a Bolsa de Seul teve, este ano, um dos piores desempenhos no planeta, com um retrocesso próximo aos 50%.
O Banco de Desenvolvimento Asiático avisa, no entanto, que "não há razões para sugerir que a Ásia possa mergulhar em uma renovada crise financeira".
Já o sóbrio jornal britânico "Financial Times" não faz aposta idêntica. É significativo, a propósito, título de recente editorial dessa bíblia da economia européia: "Emerging Problems" ("Problemas Emergentes").
O foco é a Ásia, sim, mas entram também "problemas emergentes" na Polônia e no Brasil (países que "têm que financiar enormes déficits em conta corrente") e, em especial, na Argentina, cuja crise não faz senão agravar-se a cada dia que passa.


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