São Paulo, quinta-feira, 08 de novembro de 2001

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OPINIÃO ECONÔMICA

Capacitar, creditar e propiciar

FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA

Diz a sabedoria popular que "não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar". Entretanto o bom senso indica que, em casos de fome, deve-se, sim, "dar o peixe", para o faminto ter as condições mínimas de aprendizagem. Também não se consegue capacitá-lo a pescar sem dar-lhe crédito para comprar a vara, linha e anzol ou até mesmo um barco. Tudo isso sem um rio piscoso -um ambiente institucional e macroeconômico propício a microempreendimentos- não adianta muita coisa...
Portanto três dimensões devem ser articuladas no combate à desigualdade social no país. A primeira contempla políticas compensatórias. Elas permitem que toda a população atinja, no curto prazo, patamares mínimos de dignidade e sobrevivência. Outra dimensão é constituída por políticas de crescimento econômico, para disponibilizar maior renda, quantidade de bens e serviços, além de oportunidades. Em simultâneo, deve-se executar políticas redistributivas. Só com elas essa maior disponibilidade de renda, bens e serviços se dirigirá, prioritariamente, às camadas da população "mais pobres entre as pobres", que constituem o público-alvo dessas políticas.
A distribuição de renda do Brasil disputa com a da África do Sul, entre países grandes, a vergonha de ser a pior no mundo. O governo brasileiro defende a focalização de algumas políticas sociais como forma de melhorá-la. São programas sociais que almejam dar aos mais pobres os chamados ativos de produção: educação, terra e microcrédito, para produzir. Supõem que o pobre continuará em sua precária situação enquanto não tiver a capacidade de gerar sua renda por conta própria, para satisfazer as necessidades.
Infelizmente, o governo tem privilegiado os credores em detrimento desses programas que poderiam beneficiar a sociedade. Esses programas sociais têm tido um gasto bem menor do que é despendido com o pagamento dos serviços das dívidas interna e externa.
Preso na "armadilha da dívida", o foco governamental se desloca para a gestão da pobreza e dos problemas associados a ela, inclusive a informalidade, via "forças do mercado". Governo e sociedade se uniriam para ações "solidárias", visando "inclusão do excluído". No que se refere ao trabalho informal, a idéia agora dominante é a do apoio ao indivíduo, com ênfase em programas de concessão de microcrédito, para tocar o próprio negócio.
Nessa visão, o mercado seria capaz de estabelecer o elenco de prioridades e de atividades a ser apoiadas. Porém não são suficientes os programas de apoio voluntário aos informais com viés empreendedor sem tratar de fazer a economia crescer e sem receber a prioridade governamental.
O crescimento econômico é o melhor remédio para as doenças do desemprego e da informalidade. Mas por si só também não é suficiente para reduzir a pobreza nem as disparidades sociais. Deve-se garantir as condições básicas de vida. Para isso, é necessário investir fortemente em programas de educação e saúde (inclusive saneamento) e em políticas sociais focalizadas, mas em uma escala que tenha realmente impacto social.
Como exemplo da necessidade de intervenção governamental, merece destaque a experiência do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), a partir de 1998, com o programa CrediAmigo. Trata-se do único caso brasileiro de integração entre um banco público federal e o microcrédito. Embora ainda insuficiente, é a experiência que apresenta o melhor desempenho dentre todas as desenvolvidas no setor de microcrédito no Brasil.
Estima-se que no máximo 110 ONGs de microcrédito operem atualmente no Brasil. Apenas seis delas atendem a mais de 2.000 clientes. O total de ONGs atenderia um número estimado de 76 mil micro e pequenos empreendedores dos setores formal e informal.
Em 1999, sem considerar o BNB, foram realizadas quase 81 mil operações de microcrédito no Brasil. Incluindo o BNB, foram mais de 257 mil. Os valores totais dos financiamentos foram, respectivamente, R$ 84 milhões e R$ 198 milhões. A posição do CrediAmigo acumulada, desde 1998 até o final de agosto de 2001, é de 502 mil operações e R$ 364 milhões.
Uma das principais lições do programa CrediAmigo é que uma organização com infra-estrutura física estabelecida -como a capilaridade das agências do BNB na região Nordeste-, mantendo um sistema descentralizado de monitoramento de carteiras de empréstimo, tem condições de se consolidar no setor de microcrédito, rapidamente, por alcançar logo escala operacional.
Isso demonstra o potencial para a atuação, nesse setor, dos outros bancos públicos federais -especialmente, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. Esses bancos têm escala de recursos e logística física para atender a boa parte da população mais pobre, no plano nacional. Além disso, já possuem uma tradição do processo de concessão do crédito. Poderiam fazer parcerias com cooperativas de crédito popular para os programas de microcrédito, de fato, terem impacto social significativo.


Fernando Nogueira da Costa, 49, professor associado do IE-Unicamp, é coordenador da área de economia da Fapesp. É autor dos livros "Economia em 10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".
E-mail:
fercos@eco.unicamp.br



Hoje, excepcionalmente, a coluna de Paulo Nogueira Batista Jr. não é publicada.


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