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OPINIÃO ECONÔMICA
Capacitar, creditar e propiciar
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA
Diz a sabedoria popular que
"não se deve dar o peixe,
mas ensinar a pescar". Entretanto
o bom senso indica que, em casos
de fome, deve-se, sim, "dar o peixe", para o faminto ter as condições mínimas de aprendizagem.
Também não se consegue capacitá-lo a pescar sem dar-lhe crédito
para comprar a vara, linha e anzol
ou até mesmo um barco. Tudo isso sem um rio piscoso -um ambiente institucional e macroeconômico propício a microempreendimentos- não adianta
muita coisa...
Portanto três dimensões devem
ser articuladas no combate à desigualdade social no país. A primeira contempla políticas compensatórias. Elas permitem que toda a
população atinja, no curto prazo,
patamares mínimos de dignidade
e sobrevivência. Outra dimensão
é constituída por políticas de crescimento econômico, para disponibilizar maior renda, quantidade
de bens e serviços, além de oportunidades. Em simultâneo, deve-se executar políticas redistributivas. Só com elas essa maior disponibilidade de renda, bens e serviços se dirigirá, prioritariamente,
às camadas da população "mais
pobres entre as pobres", que
constituem o público-alvo dessas
políticas.
A distribuição de renda do Brasil disputa com a da África do Sul,
entre países grandes, a vergonha
de ser a pior no mundo. O governo brasileiro defende a focalização de algumas políticas sociais
como forma de melhorá-la. São
programas sociais que almejam
dar aos mais pobres os chamados
ativos de produção: educação,
terra e microcrédito, para produzir. Supõem que o pobre continuará em sua precária situação
enquanto não tiver a capacidade
de gerar sua renda por conta própria, para satisfazer as necessidades.
Infelizmente, o governo tem
privilegiado os credores em detrimento desses programas que poderiam beneficiar a sociedade. Esses programas sociais têm tido
um gasto bem menor do que é
despendido com o pagamento
dos serviços das dívidas interna e
externa.
Preso na "armadilha da dívida",
o foco governamental se desloca
para a gestão da pobreza e dos
problemas associados a ela, inclusive a informalidade, via "forças
do mercado". Governo e sociedade se uniriam para ações "solidárias", visando "inclusão do excluído". No que se refere ao trabalho
informal, a idéia agora dominante
é a do apoio ao indivíduo, com
ênfase em programas de concessão de microcrédito, para tocar o
próprio negócio.
Nessa visão, o mercado seria capaz de estabelecer o elenco de
prioridades e de atividades a ser
apoiadas. Porém não são suficientes os programas de apoio voluntário aos informais com viés empreendedor sem tratar de fazer a
economia crescer e sem receber a
prioridade governamental.
O crescimento econômico é o
melhor remédio para as doenças
do desemprego e da informalidade. Mas por si só também não é
suficiente para reduzir a pobreza
nem as disparidades sociais. Deve-se garantir as condições básicas de vida. Para isso, é necessário
investir fortemente em programas de educação e saúde (inclusive saneamento) e em políticas sociais focalizadas, mas em uma escala que tenha realmente impacto
social.
Como exemplo da necessidade
de intervenção governamental,
merece destaque a experiência do
Banco do Nordeste do Brasil
(BNB), a partir de 1998, com o
programa CrediAmigo. Trata-se
do único caso brasileiro de integração entre um banco público federal e o microcrédito. Embora
ainda insuficiente, é a experiência
que apresenta o melhor desempenho dentre todas as desenvolvidas no setor de microcrédito no
Brasil.
Estima-se que no máximo 110
ONGs de microcrédito operem
atualmente no Brasil. Apenas seis
delas atendem a mais de 2.000
clientes. O total de ONGs atenderia um número estimado de 76
mil micro e pequenos empreendedores dos setores formal e informal.
Em 1999, sem considerar o
BNB, foram realizadas quase 81
mil operações de microcrédito no
Brasil. Incluindo o BNB, foram
mais de 257 mil. Os valores totais
dos financiamentos foram, respectivamente, R$ 84 milhões e R$
198 milhões. A posição do CrediAmigo acumulada, desde 1998
até o final de agosto de 2001, é de
502 mil operações e R$ 364 milhões.
Uma das principais lições do
programa CrediAmigo é que uma
organização com infra-estrutura
física estabelecida -como a capilaridade das agências do BNB na
região Nordeste-, mantendo
um sistema descentralizado de
monitoramento de carteiras de
empréstimo, tem condições de se
consolidar no setor de microcrédito, rapidamente, por alcançar
logo escala operacional.
Isso demonstra o potencial para
a atuação, nesse setor, dos outros
bancos públicos federais -especialmente, o Banco do Brasil e a
Caixa Econômica Federal. Esses
bancos têm escala de recursos e
logística física para atender a boa
parte da população mais pobre,
no plano nacional. Além disso, já
possuem uma tradição do processo de concessão do crédito. Poderiam fazer parcerias com cooperativas de crédito popular para os
programas de microcrédito, de
fato, terem impacto social significativo.
Fernando Nogueira da Costa, 49, professor associado do IE-Unicamp, é coordenador da área de economia da Fapesp. É autor dos livros "Economia em
10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".
E-mail:
fercos@eco.unicamp.br
Hoje, excepcionalmente, a coluna de
Paulo Nogueira Batista Jr.
não é publicada.
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