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LUÍS NASSIF
Justiçamento e selvageria
O justiçamento é próprio de sociedades selvagens. Consiste em fazer justiça
com as próprias mãos, em não
diferenciar gradação de crimes,
em condenar antecipadamente, inibindo toda forma de defesa.
A história está repleta de casos de justiçamento e linchamento. Ainda que o linchado
seja réu confesso e impiedoso, o
linchador não fica atrás. Ambos se equivalem. Muitas vezes
o linchador é pior ainda, posto
que sua força é uma brutalidade sem riscos, decorrente do
amparo da maioria, protegido
por um discurso pretensamente
legalista. O pior linchador é o
anônimo, o que estimula a vingança selvagem sem se expor, o
que explora o sentimento de
vingança para se impor perante os seus.
Tome-se o caso de Galdino, o
índio pataxó. É possível que tenha sido assassinado com premeditação e requintes de crueldade. É possível que tenha sido
vítima de uma brincadeira
brutal, que resultou na sua
morte. Ambos os casos são crimes, ambos merecem punição,
mas de gradação diferente.
Só se vai avaliar corretamente a motivação dando o direito
de defesa aos culpados, ouvindo os argumentos da defesa e
da acusação, pesando a lógica
de cada uma, os antecedentes
dos envolvidos, os detalhes do
crime.
Quando se mistura justiça
com o fantástico show da mídia, essa defesa deixa de existir.
Troca-se a análise isenta das
provas pelo sensacionalismo e
se criam unanimidades que
atropelam toda norma de direito individual. Enfatizam-se
todas as provas contra os réus,
escondem-se ou minimizam-se
todos os atenuantes. Expõem-se a dor e a revolta dos familiares da vítima, esconde-se a dor
dos familiares dos culpados.
Mães e pais desses rapazes são
tão vítimas desse episódio
quanto os pais do infeliz Galdino. Evita-se qualquer informação que possa "humanizar" os
culpados e se criam estereótipos
que possam facilitar a unanimidade em torno do fato.
Em toda a cobertura desse
episódio, lembro-me de apenas
uma reportagem da revista
"Veja" falando dos bons antecedentes dos rapazes. Por que
se sonega essa informação? Por
que esse medo covarde de colocar todos os fatos na mesa? Medo de que a isenção possa ser
confundida com a defesa do
crime? Medo desse sentimento
bestial, que torna o linchador
tão parecido e às vezes pior que
o criminoso que pretende linchar?
O fim da ditadura marcou o
fim das unanimidades. Agora,
o brasileiro só é solidário na
Copa do Mundo e no linchamento. Qualquer tentativa de
se contrapor a essa maioria selvagem é repelida, sob o argumento de que quem não advoga a pena capital advoga a impunidade.
Dos leitores
Recebo do leitor Petrônio Filho, de Brasília, o seguinte e-mail:
"A extravagante tese da acusação é que eles tinham a intenção de matar e cometeram
um homicídio triplamente
qualificado. Só pessoas muito
sectárias podem acreditar que
quatro jovens de vida pacata,
com bons antecedentes, poderiam se tornar, de um minuto
para outro, quatro psicopatas
sádicos.
O linchamento da imprensa
começou pela Rede Globo. O
curioso é que um crime semelhante aconteceu em "O Bem
Amado", a primeira novela colorida da TV Globo. O filho do
prefeito Odorico Paraguaçu jogou álcool e tocou fogo em um
mendigo que dormia na rua. A
vítima teve queimaduras e foi
tratada pelo médico, representado pelo ator Daniel Filho.
Mas o mendigo não foi hospitalizado nem correu risco de vida.
A mesma brincadeira de mau
gosto imaginada por Dias Gomes, autor da novela, foi posta
em prática pelos quatro jovens,
só que com consequências dez
vezes mais graves. Se Dias Gomes, um escritor culto e bem-sucedido, se enganou sobre os
efeitos do álcool no corpo humano, como não aceitar que
quatro jovens ignorantes cometessem o mesmo erro?
Longe de mim sugerir que os
jovens sejam absolvidos. Eles
têm que pagar pelo que fizeram, como, aliás, estão pagando. Os três que eram maiores de
idade estão há quatro anos e
meio encarcerados. O que eu
não aceito é que se aplique
uma pena injusta para satisfazer a sede de sangue da imprensa local.
Quanto à tal promotora, que
posa de perseguida, ela está
agindo a favor da maré da opinião pública. Isso não requer
tanta coragem assim. Não sei
quais são seus motivos, mas o
fato é que ela conseguiu seus 15
minutos de fama.
A única personagem que agiu
com coragem e independência
foi a juíza que tentou desclassificar a tese de homicídio intencional".
Internet: www.dinheirovivo.com.br
E-mail - lnassif@uol.com.br
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