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ANÁLISE
Terror e Estado mínimo são o Chernobyl da globalização
ULRICH BECK
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
Os ataques terroristas aos
Estados Unidos foram o
Chernobyl da globalização. Assim
como o desastre na Rússia minou
nossa fé na energia nuclear, o dia
11 de setembro expôs a falsa promessa do neoliberalismo.
Os terroristas não apenas expuseram a vulnerabilidade da civilização ocidental. Também mostraram os conflitos que a globalização pode causar. De repente, os
axiomas aparentemente irrefutáveis do neoliberalismo -que a
economia sobrepujará a política,
que o papel do Estado diminuirá- perdem sua força num mundo de riscos globais.
A privatização da segurança da
aviação nos Estados Unidos constitui apenas um exemplo, embora
bastante simbólico. A vulnerabilidade dos Estados Unidos está na
verdade muito ligada a sua filosofia política. Havia muito tempo
que se suspeitava de que os Estados Unidos fossem um possível
alvo de ataques terroristas. Mas,
ao contrário da Europa, a segurança da aviação foi privatizada e
confiada a funcionários temporários altamente flexíveis, que ganham menos que empregados de
lanchonetes.
Privatização mortífera
É a auto-imagem dos Estados
Unidos que cria sua vulnerabilidade. As horríveis imagens de
Nova York contêm uma mensagem até então não-decodificada:
um país pode se neoliberalizar até
a morte.
O neoliberalismo sempre foi
uma filosofia de bom tempo, que
funciona somente quando não há
conflitos ou crises graves. Ele afirma que somente os mercados globalizados, livres de regulamentação e burocracia, podem remediar os males do mundo: desemprego, pobreza, ruptura econômica etc. Hoje, a fé inabalável dos capitalistas fundamentalistas no poder redentor do mercado provou
ser uma perigosa ilusão.
Em tempos de crise, o neoliberalismo não tem soluções a oferecer. Verdades fundamentais que
foram abandonadas voltam ao
primeiro plano. Sem taxação, não
pode haver Estado. Sem esfera
pública, democracia e sociedade
civil, não pode haver legitimidade. E, sem legitimidade, não há segurança. A partir disso, segue-se
que sem fóruns legítimos para resolver conflitos nacionais e globais não haverá economia mundial sob forma nenhuma.
O neoliberalismo insistiu que a
economia deveria se libertar de
modelos nacionais e, no lugar deles, impor regras transnacionais
de conduta econômica. Mas ao
mesmo tempo assumiu que os
governos respeitariam os limites
nacionais e o modo antigo de fazer as coisas. Depois de 11 de setembro, os governos redescobriram as possibilidades e o poder da
cooperação internacional, por
exemplo, para manter a segurança interna. Subitamente, a necessidade do Estado, o antiprincípio
do neoliberalismo, é onipresente.
Governo globalizado
Um mandado de prisão europeu, que supera a soberania nacional na aplicação da lei -algo
até recentemente impensável-,
tornou-se uma possibilidade. Logo poderemos ver uma convergência semelhante na direção de
regras compartilhadas e estruturas econômicas.
Nesse sentido, o terrorismo
atingiu exatamente o oposto do
que pretendia: provocou uma era
de governo globalizado, a invenção da política interfronteiras por
meio de redes e da cooperação.
Viu-se que a resistência simplesmente acelera o desenvolvimento
da globalização.
Aqui, então, está o paradoxo
central: globalização é o nome dado a um estranho processo que é
impulsionado tanto por seus defensores quanto por seus adversários. Basta pensar na precisão
com que os terroristas coreografaram os atentados a Nova York e
a Washington, sabendo que seus
feitos seriam transmitidos ao vivo
para o mundo todo pelas redes
globais de mídia.
Isso quer dizer que a globalização em si é a causa original do terrorismo? O 11 de setembro foi
uma reação compreensível a um
rolo compressor que vai destruir
até os cantos mais remotos do
mundo? Não. Nenhuma idéia
abstrata, nem Deus, pode justificar ou desculpar os ataques. A
globalização é um processo ambíguo, mas que não pode retroceder. Estados menores e mais fracos em particular estão se afastando da autarquia na tentativa de alcançar os mercados globais.
Mas precisamos combinar integração econômica com política
cosmopolita. A dignidade humana, a identidade cultural e a diferença devem ser consideradas
mais seriamente no futuro. Depois de 11 de setembro o abismo
entre o mundo dos que se beneficiam da globalização e o mundo
dos que se sentem ameaçados por
ela se fechou. Ajudar os que foram excluídos não é mais uma tarefa humanitária. É do próprio interesse do Ocidente: a chave de
sua segurança.
Ódio e globalização
Para conter o ódio de bilhões de
pessoas, as fontes que sempre alimentarão os Osama Bin Ladens, a
globalização deve se tornar confiável, e seus frutos e liberdades
devem ser distribuídos com
maior justiça.
O perigo é que aconteça exatamente o contrário: que os riscos
imaginados e as falsas promessas
de segurança criem uma espiral
de expectativas que só poderá
acabar em decepção. Existe um
risco de que a cooperação transnacional se torne um meio de
criar fortalezas, Estados em que
tanto a liberdade da democracia
quanto a liberdade dos mercados
são sacrificadas no altar da segurança privada.
Tradução de Luiz Roberto Mendes
Gonçalves
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