São Paulo, domingo, 8 de novembro de 1998

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INDÚSTRIA AERONÁUTICA
Coronel Ozires Silva relata como o Brasil passou a fabricar aviões, a partir do final da década de 60
Visionários criaram Embraer, mostra livro

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

Para realizar o sonho pessoal de ver o Brasil fabricando aviões, o coronel Ozires Silva, criador da Embraer, não media riscos: em 1969, rompendo normas mínimas de segurança, ele pilotou o primeiro protótipo do bimotor Bandeirante, em vôo de demonstração em Brasília, levando a bordo o presidente da República, general Arthur da Costa e Silva.
O protótipo geralmente é usado apenas para testes, e aquele ainda não havia sido homologado.
"Usávamos o protótipo para deslocamentos e com passageiros a bordo, o que não era regular mas foi feito", admite Ozires no livro que acaba de lançar, intitulado "A decolagem de um sonho - A história da criação da Embraer".
No vôo de volta a São José dos Campos, cidade do interior de São Paulo, no Vale do Paraíba, agora sem o presidente a bordo, a explosão de uma bateria envolveu em fumaça a cabine dos passageiros. O Bandeirante fez aterrissagem de emergência, em Uberlândia (MG), sem comunicação com o controle de tráfego.
O episódio é exemplar do voluntarismo de um pequeno grupo de oficiais visionários que, em meados dos anos 60, se lançou de forma obstinada na aventura de criar uma indústria de aviões no país.
O livro tem tudo para agradar os admiradores de Ozires e da saga da Embraer. Mas surpreende ao mostrar a improvisada criação da estatal e os expedientes pouco ortodoxos para viabilizar uma empresa de amadores em administração.

Ufanismo
A Embraer nasceu e cresceu sob as asas do Ministério da Aeronáutica, no clima de ufanismo dos governos militares, impulsionada por recursos do Tesouro Nacional, e sem maior transparência.
A depender das 606 páginas do livro de Ozires, a fase de declínio da Embraer continuará sendo uma "caixa preta". Ele preferiu encerrar a narrativa no ano de 1986, quando deixou a empresa para dirigir a Petrobrás. O corte no tempo é uma opção discutível, pois em 1991 ele retornaria à empresa que criou, para privatizá-la.

Primeiros passos
O fascínio de Ozires pela aviação já era visível em 1946, quando perguntou ao professor do ginásio, em Bauru (SP), por que "um país tão grande" não fabricava aviões.
Ozires fazia modelos de avião-foguete e vivia entre aeromodelos e planadores, no Aeroclube local. Em 1949, já na Aeronáutica, fez seu primeiro vôo "solo" num Fairchild T-19. Em 1959, desenvolveu a idéia de instalar tanques de combustível nas pontas da asa do modelo T-6, aumentando a autonomia de vôo.
Em 1964, major aviador engenheiro, assumiu a direção do Departamento de Aeronaves, no CTA (Centro Técnico de Aeronáutica), em São José dos Campos, onde diz que viu "a estrada aberta para a materialização do sonho do avião brasileiro."
O mercado era dominado pelos produtos importados. "Os mecanismos legais eram, no mínimo, hostis. Quem decidisse lançar-se no negócio de fazer aviões no Brasil deveria ser muito mais do que empresário: deveria ser idealista e absolutamente desprendido dos valores terrenos", diz Ozires.
Em 1965, o francês Max Holste, construtor de aviões, passou a trabalhar com Ozires, desenvolvendo projetos que viriam a resultar no nascimento do Bandeirante.
A primeira proposta de construção de um novo avião foi encaminhada, de forma disfarçada, entre novos projetos a serem apreciados pelo Estado-Maior da Aeronáutica. O expediente não vingou.

Falta de recursos
O brigadeiro Eduardo Gomes se opôs, sob a alegação de falta de recursos. Uma nova proposta, sem pleitear recursos adicionais, estabelecia que o novo avião serviria apenas para o treinamento. O lobby de Ozires funcionou.
"Mais tarde, de algum modo, seria possível inserir no orçamento provisões específicas, usando outros projetos", diz Ozires.
Em seu contrato, o francês Holste havia inserido uma cláusula estabelecendo que receberia "royalties" sobre cada unidade fabricada. "Não éramos experientes em práticas empresariais, mas aquilo soava perigoso", confessa Ozires, que se livrou do problema quando Holste abandonou o projeto, insatisfeito com as improvisações.
A idéia de um avião de transporte aéreo regional entusiasmou o brigadeiro Paulo Victor da Silva, diretor-geral do CTA, um permanente defensor da Embraer.
"Em alguns momentos, chegamos a acreditar que somente nós tínhamos certeza do que estávamos fazendo", diz Ozires.
Os novos construtores enfrentaram imprevistos: os pneumáticos, fabricados pela Goodyear do Brasil, eram grandes demais.
A IBM emprestou um computador, em São Paulo, que era usado de madrugada. Os engenheiros da Embraer faziam o percurso, pela via Dutra, à noite, numa kombi.
No hangar, técnicos de empresas estrangeiras, fornecedores de equipamentos, disputavam espaço dentro da fuselagem do bimotor.
Na madrugada de 17 de outubro de 1968, os motores do Bandeirante giraram pela primeira vez.
Numa apresentação do protótipo, em Campo Grande (MS), o próprio Ozires, ao aterrizar, esqueceu de baixar o trem de pouso. A aeronave ficou estatelada na pista, conta ele.
Ao regressar a São José dos Campos, Ozires -ainda frustrado com a falha- soube que Costa e Silva assinara o decreto determinando a criação da Embraer.


A OBRA
A Decolagem de Um Sonho - Ozires Silva. Lemos Editorial. Telefone: 0800 17 78 99. Preço: R$ 35,00





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