São Paulo, quarta-feira, 09 de janeiro de 2002

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ANÁLISE

O homem do silêncio

Reuters
O presidente do Fed deu apoio decisivo ao corte de impostos


PAUL KRUGMAN

No domingo , os jornais norte-americanos escolheram como manchete a declaração de George W. Bush de que os futuros cortes de impostos seriam cancelados "só por cima do meu cadáver". Mas a única novidade ali era a expressão selecionada, uma expressão que ele não repetiu, provavelmente, porque seus assessores compreenderam que não soava muito presidencial e, dados os recentes acontecimentos, tampouco muito elegante.
A notícia interessante sobre a política econômica dos Estados Unidos, na minha opinião, envolve outra pessoa e o seu silêncio, não suas palavras. O que houve com Alan Greenspan, alto sacerdote da responsabilidade fiscal?
Sobre Bush ninguém esperava, com certeza, que cedesse, mesmo que as projeções de superávit que ele usou para vender o corte de impostos se tenham provado tolas. O governo Bush opera sob o princípio de que "não temos inimigos à direita"; opera também sob o princípio de que Bush é infalível. Quaisquer que sejam as políticas que ele possa ter proposto no passado, seus assessores sempre insistem em que elas são perfeitamente adequadas ao presente que foram, aliás, desenvolvidas tendo em mente a presente situação. É tudo muito engraçado, embora ninguém ouse dizê-lo em voz alta.
E já que Bush é infalível, por que ele deveria reconsiderar suas decisões?
Mas de volta a Alan Greenspan. Um ano atrás, Greenspan deu ao novo governo Bush apoio decisivo em seu esforço por obter um grande corte de impostos. Preocupado com a possibilidade de liquidação rápida demais da dívida nacional, ele instou o Congresso a cortar impostos a fim de colocar o orçamento "em rota descendente", com o declínio gradual do superávit.
Mais um mergulho vertical do que um declínio gradual. Em 2000, os Estados Unidos tiveram um superávit recorde. Agora, analistas de ambos os partidos concordam em que o orçamento federal estará em déficit por pelo menos alguns anos. Eles continuam a projetar superávits para mais tarde na década, mas se você acredita nessas projeções, tenho algumas ações da Enron para lhe vender.
Greenspan deveria estar irritado. Não é só que ele tenha se tornado um símbolo de probidade fiscal nos anos Clinton. A queda súbita de volta ao déficit está desfazendo seu trabalho pessoal do passado.
Vejam, no começo dos anos 80, antes que se tornasse o chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Greenspan presidiu uma comissão que supostamente deveria garantir o futuro do Seguro Social. O principal resultado desse trabalho foi um aumento nas contribuições sobre as folhas de pagamento, e isso em meio ao corte das alíquotas do imposto de renda pelo presidente Reagan. O propósito desse aumento regressivo de impostos (os tributos sobre folhas de pagamentos pesam mais para as famílias de baixa e média renda) era gerar um superávit que, por sua vez, tornaria mais fácil para o governo federal pagar benefícios a uma população que estava envelhecendo.
Mas agora, graças ao desaparecimento do superávit orçamentário, a receita excedente dos tributos sobre a folha de pagamentos não está sendo usada para adquirir ativos ou para liquidar a dívida federal; está sendo usada para cobrir outros déficits no orçamento. Não estamos falando de quantias baixas aqui. Apenas cerca de 70% dos impostos destinados ao Seguro Social são usados para pagar os benefícios atuais. Na prática, os 30% restantes foram expropriados para usos diferentes, especialmente cortes de impostos que beneficiam as camadas mais ricas da população.
Será que era isso o que Greenspan pretendia? Aumentar os impostos dos pobres e da classe média para cortar os dos ricos?
Greenspan não é um político à procura de reeleição e se está preocupado com sua reputação, deveria perceber que a história não o julgará gentilmente, caso mantenha o silêncio. Por enquanto, o veredicto é de que ele é um hipócrita: enquanto os democratas estavam no poder, ele severamente exigia responsabilidade fiscal, mas não tinha queixas de fato, até facilitou as coisas.
O veredicto pode ser mudado. Umas poucas declarações bastariam. Sou todo ouvidos.

Paul Krugman, economista, é professor na Universidade Princeton (EUA) e colunista do New York Times.


Tradução de Paulo Migliacci


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