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OPINIÃO ECONÔMICA
Da euforia à decepção
MARCOS CINTRA
Há menos de um mês, em 12
de janeiro, neste mesmo espaço, no artigo intitulado "Euforia", chamei a atenção para a fragilidade do otimismo que havia
tomado conta da economia brasileira: os indicadores de renda e
emprego não melhoraram, a dívida pública continuava em patamares preocupantes e a estabilidade recém-conquistada parecia estar ameaçada.
Não passaram 30 dias e o clima
de grande otimismo deixou de
existir.
Surgiram indícios de remarcações de preços causadas pelos impactos inflacionários da alteração
na cobrança da Cofins. Em seguida, a continuidade da estabilidade de preços foi posta em dúvida
pelo Banco Central em sua fatídica ata que não endossou nova redução da taxa Selic. Rapidamente
a euforia cedeu espaço à decepção.
O desarranjo tributário causado
por recentes alterações em alguns
impostos foi um dos principais fatores determinantes dessa reviravolta.
O tempo vem comprovando, até
mais rapidamente do que se poderia imaginar, a tese que venho defendendo há anos: a de que, nas
circunstâncias sociais, econômicas
e culturais do Brasil, a substituição dos tributos cumulativos por
incidências não-cumulativas é um
erro que poderá produzir conseqüências inesperadas.
Os defensores da não-cumulatividade do PIS/Cofins, profundamente decepcionados com os resultados práticos da adoção das
medidas que vinham preconizando havia tanto tempo, rapidamente deslocaram o eixo do debate para a questão do exagero na fixação das alíquotas dos novos PIS
e Cofins, que multiplicaram as alíquotas cumulativas por um fator
igual a 2,53. Pretendem, com isso,
fazer crer que a meta da não-cumulatividade é correta e que o erro se situa na ganância do governo, que pretende aumentar sua
arrecadação a qualquer custo.
Embora não se possa desqualificar o argumento sobre as intenções da administração, é preciso
esclarecer que as alíquotas não-cumulativas atuais são equivalentes às alíquotas cumulativas anteriores, fazendo-se a devida correção para garantir a mesma base
de incidência, como demonstrado
em recente estudo da Receita Federal (nota Copat/Copan 88/
2003). O aumento da arrecadação, segundo o documento, ocorreu porque o novo PIS/Pasep passou a gravar as importações, como
aliás não poderia deixar de acontecer se se aceita a tese de que no
comércio internacional a tributação deve ocorrer sempre no destino.
Há que notar que a sistemática
adotada pelo governo é inerente à
técnica não-cumulativa da tributação. Em outras palavras, o governo está fazendo exatamente o
que vários setores do empresariado nacional vêm defendendo há
anos. Agora, contudo, eles são os
primeiros a sofrer na carne os efeitos das propostas que preconizaram de forma irrefletida, quase
preconceituosa, condicionada por
raciocínios cerebrinos e distantes
da realidade brasileira.
Roberto Campos certa vez se referiu à intrigante distinção feita
no Brasil entre dois tipos de cascata. Uma, tida como maligna, inclui os odiados CPMF, PIS e Cofins. Contra eles são disparadas as
mais violentas críticas.
Por outro lado, existem tributos
cumulativos unanimemente
aplaudidos e tidos como notáveis
contribuições brasileiras à ciência
tributária. São eles o Simples e o
Imposto de Renda das empresas
tributadas pela modalidade do lucro presumido. Cumpre observar
que nesses dois casos a opção é exclusivamente das empresas e que,
ao fazerem essa escolha, estão reduzindo suas obrigações tributárias. Merecem, portanto, rasgados
elogios, ainda que, do ponto de
vista técnico, o Simples e o IR sobre
o lucro presumido sejam tributos
em cascata tanto quanto a CPMF
e a Cofins.
As contradições encontradas nas
análises sobre a reforma tributária são produto de uma campanha de massificação de mitos patrocinada por grupos de interesses.
Como explicitado pelo economista
Domério Nassar de Oliveira em
um texto intitulado "Preconceito
Tributário" (disponível em
www.marcoscintra.org/
padrao.asp?id=287), "preconceitos se difundem por slogans, pela
rotulação que inibe e ilude a opinião pública, confinando-a aos interesses de determinados grupos.
O debate sobre a atual reforma tributária está contaminado por preconceitos que escondem conflitos
entre lobbies de todas as espécies.
O imbróglio resultante, não raro,
leva seus principais interlocutores
a afirmações contraditórias, conforme o momento ou o imposto específico em discussão".
Na esteira dessa incrível esquizofrenia tributária, a alteração do
PIS/Cofins, tornando-os não-cumulativos, terá profundas implicações distributivas e alocativas.
Se, por um lado, a retirada da cumulatividade poderá favorecer os
setores produtivos com fortes laços
de complementaridade com outros setores fornecedores de insumos e matérias-primas, por outro
essa medida implicará brutal elevação da carga tributária nas atividades do setor terciário, no qual
a compra de insumos representa
pequena parcela do faturamento
bruto. Os impactos desestabilizadores dessas medidas são evidentes.
A discriminação contra os prestadores de serviços é explícita, como pode ser verificado em uma
declaração, dada a um jornal, de
um alto dirigente da CNI (Confederação Nacional na Indústria)
ao afirmar que "o setor empresarial vem defendendo nos últimos
dez anos o fim da cumulatividade
e tem consciência de que haveria
impactos diferenciados". Trata-se
de afirmação surpreendente, pois
aquele órgão admite assim que já
previa, e aceitava, que setores como os prestadores de serviços e o
comércio, entre outros, poderiam
ser fortemente prejudicados pelas
medidas. Ao que parece, contudo,
aquele organismo apenas passou
a discordar do novo PIS/Cofins
quando constatou que alguns ramos do setor industrial também
poderiam ser prejudicados, fazendo-o mudar de posição e passar a
criticar a não-cumulatividade da
Cofins.
O incidente Cofins não foi o único responsável pela inversão das
expectativas. Mas certamente foi o
estopim para a eclosão do atual
clima de decepção e de incertezas.
Marcos Cintra Cavalcanti de
Albuquerque, 58, doutor pela
Universidade Harvard, professor titular e
vice-presidente da FGV, é secretário das
Finanças de São Bernardo do Campo e
autor de "A verdade sobre o Imposto
Único" (LCTE, 2003). Escreve às
segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta
coluna. Internet: www.marcoscintra.org
E-mail - mcintra@marcoscintra.org
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