São Paulo, segunda-feira, 09 de fevereiro de 2004

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CÂMBIO

Companhias fecham menos contratos para se proteger de dólar volátil

Empresa reduz hedge e se arrisca

DA REPORTAGEM LOCAL

As empresas brasileiras captaram cerca de US$ 18,14 bilhões nos últimos 12 meses, mas estão menos protegidas contra o estrago que uma desvalorização forte do real pode fazer em seus balanços. Apesar do aumento das captações, diminuiu o número de contratos de hedge.
Em janeiro de 2003, de acordo com levantamento da consultoria Global Invest, o número de contratos de hedge chegava a 16.449. No mês passado, foram registrados 6.462 contratos.
Hedge cambial é a operação na qual as empresas que têm dívidas a pagar ou créditos a receber tentam se proteger das oscilações de moeda estrangeira. Nesse caso, a empresa vai ao mercado, normalmente via bancos ou corretoras, e fecha contrato no qual fica definido o preço que ela pagará pelo dólar numa data determinada.
Os preços de contratos de hedge são determinados a partir das taxas de juros (Selic) e da taxa projetada pelo cupom cambial.
Assim, na sexta-feira, uma empresa que tivesse uma dívida de US$ 1 bilhão com vencimento em um ano e quisesse fazer contrato de hedge pagaria um custo de 12,71%, que era a diferença entre a cotação do dólar no dia (R$ 2,94) e a aposta no mercado de quanto estaria em 6 de fevereiro de 2005 (R$ 3,27).
Ou seja, se o dólar estiver acima de R$ 3,27, a empresa ""ganha" porque tem assegurado que o comprará a esse valor. Se estiver abaixo, ela "perde".
Como no ano passado o dólar se desvalorizou 18,1% diante do real, muitas companhias que fizeram hedge sofreram perdas. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a AmBev no segundo trimestre de 2003. A cervejaria, que depende de insumos importados, fizera hedge com taxa de R$ 3,31, mas a taxa média do câmbio no período não superou os R$ 2,99.
""As empresas perceberam que, em 2003, o câmbio só caiu. E muitas apostam que o nível de câmbio este ano ficará entre R$ 2,85 e R$ 2,95", comenta Márcio Pepino, do banco Finantia.
Em relatório divulgado na semana passada, Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências, sustenta, que, além da expectativa de desvalorização cambial (em média de 12,5% nos contratos de um ano na BM&F), as empresas têm que considerar um custo médio de 5% na captação externa.
O que resultaria em uma taxa média final superior a 18% ao ano (quando se incluem os encargos cobrados pela BM&F e o "spread" de bancos e corretoras), acima dos custos de captação interna, de 15,3% ao ano, mas pré-fixados. "Esse descompasso [entre o volume de ingresso de capitais e a diminuição no volume contratos de hedge em aberto] pode ser um indicador do otimismo nos mercados", diz Blanche.
Mas o economista argumenta também que, em mercados naturalmente voláteis, como os de países emergentes, o ingresso de capitais sem proteção cambial embute um risco. ""Ainda que os ganhos de curto prazo possam ser atrativos, o risco elevado da operação pode gerar bolhas negativas, uma vez que o excesso de otimismo conduz a uma exposição exagerada ao risco", completa.
Outro levantamento, da corretora Souza Barros, mostra que em janeiro de 2003, o mercado carregava R$ 90,311 bilhões em contratos de ""swaps" (troca de rentabilidade) ofertados pelo Banco Central. Em janeiro passado, o volume estava em R$ 60,697 bilhões.

Custo alto
Esse movimento é resultado da política do próprio governo, que decidiu aproveitar a estabilidade interna para reduzir a renovação desses papéis.
Mas só foi possível porque, diante de um cenário menos volátil, as empresas também procuraram menos hedge, ao contrário do que ocorreu em 2002 (quando o dólar encostou nos R$ 4).
Para Wolfgang Walter, da Souza Barros, são duas as determinantes para que as empresas brasileiras relutem em buscar hedge. ""Há uma questão cultural. O hedge no Brasil ainda é visto como novidade. Mas o mais importante na decisão é o fator custo", diz.
Segundo ele, o custo de operação de hedge pode ser reduzido, por exemplo, com a compra de opções de dólar futuro. Na avaliação de analistas, esse tipo de instrumento pode baixar o custo da operação de 12,5% (não incluído as taxas da BM&F e o "spread" de bancos e corretoras) para 6%.
No primeiro semestre de 2003, o prazo médio para o vencimento das captações feitas pelas empresas brasileiras não superava o 1,3 ano. No segundo semestre, ampliou-se para 4,1 anos. Quanto maior o prazo do vencimento, menores os riscos de as empresas serem afetadas por períodos de turbulências, como os de 2002.
Um dos riscos, segundo o economista Paulo Cintra, da Global Invest, é que a carga de vencimentos da empresas no curto prazo ainda é substancial: no ano passado, os vencimentos privados somavam US$ 23 bilhões. Este ano, passaram a US$ 35 bilhões.
""Por enquanto, as captações que estão vencendo estão sendo roladas sem traumas. Se o cenário mudar, essas empresas serão obrigadas a comprar dólares e a cotação estará pressionada", diz Cintra. (JOSÉ ALAN DIAS)


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