São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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A BOLSA E A VIDA
Para analistas, maior boom na história da economia dos EUA continua, apesar dos sustos nas Bolsas
RIQUEZA AMERICANA

Marcha lenta nas Bolsas não afetaria crescimento dos EUA
Analistas descartam crash inevitável no mercado de ações
RICARDO GRINBAUM
de Londres

VINICIUS TORRES FREIRE
Editor de Dinheiro

Os norte-americanos jamais estiveram tão ricos, suas empresas jamais valeram tanto e por tanto tempo -e devem continuar assim, apesar de sustos nas Bolsas.
Para uma dúzia de analistas ouvidos pela Folha, das mais prestigiosas universidades e no comando de instituições financeiras dos EUA, os aumentos das taxas de juros do país vão esfriar a economia, mas não muito e nem agora. Também acham pouco provável que ocorra um "crash" ou uma grande crise.
"Precisamos queimar os manuais de economia", brinca Arturo Porzekanski, do banco ING em Nova York. "Pelos livros, era muito pouco provável que durasse tanto tempo um cenário de forte crescimento e pequeno desemprego sem alta da inflação."
No início do ano, Porzekanski acreditava que os EUA cresceriam 3,5% em 2000. Agora, mudou sua projeção para 4,5%. Richard Bearner, economista-chefe do Morgan Stanley para os EUA, vai além. Ele acha que os EUA podem crescer 5% este ano e reduzir essa taxa para um crescimento de 4% no ano que vem.

A Bolsa e a vida
Desde que o Brasil passou a usar o real como moeda, há cerca de cinco anos, a renda média anual dos brasileiros variou em torno de US$ 4.500. Nesse período, a renda média dos norte-americanos aumentou em cerca de US$ 5 mil e passa hoje dos US$ 33 mil.
O valor das ações das empresas dos EUA nunca chegou a nível tão alto. Também nunca se especulou tanto que o ciclo de bonança iniciado em 1992 pode acabar como o de 1929, quando a queda abrupta da Bolsa de Nova York detonou a pior recessão norte-americana e mergulhou o mundo em depressão econômica.
Por volta das 13h da terça-feira passada, houve o temor de que a bonança tivesse acabado. No meio da tarde, haviam evaporado US$ 600 bilhões na Bolsa eletrônica Nasdaq, a das empresas da nova economia -computadores, Internet e biotecnologia-, símbolo da riqueza americana atual.
Mas, após tais ações terem chegado ao fundo do poço, com queda de 13,6% e perda equivalente à da produção de toda a economia brasileira em um ano, a Nasdaq se recuperou e fechou com uma baixa tolerável, de 1,77%.
"Os EUA podem absorver uma queda bastante substancial do mercado de ações -20%, digamos- sem que haja impacto dramático sobre o crescimento de médio prazo. A verdade é que a ligação entre o valor das ações e o consumo é bem tênue, e só funciona quando se consideram tendências de longuíssima duração", diz Kenneth Rogoff, professor da Universidade Harvard.
O risco e o susto de terça-feira devem-se ao fato de que, quando o preço das ações cai muito, reduz-se o valor contábil do patrimônio dos investidores -30% da riqueza das famílias americanas está em ações. Com esses investimentos, elas imaginam garantir suas aposentadorias ou a despesa com a universidade dos filhos.
Uma queda na Bolsa tenderia a abater esse "efeito riqueza", induzindo os norte-americanos a poupar mais para o futuro. Com o freio no consumo, diminuiria o ritmo de crescimento.
Laurent Calvet, também de Harvard, é mais cauteloso que Rogoff, mas está longe do catastrofismo. "Tudo depende da expectativa dessas famílias quanto aos seus ganhos futuros. Se os consumidores acreditarem que a economia e seus salários continuarão crescendo em ritmo forte, o impacto de uma eventual queda na Bolsa será bem limitado".
Para Arturo Porzekanski, existem duas explicações para o fenômeno norte-americano. Além de ter empresas fortes e lucrativas, os EUA não encontram rivais à altura na disputa pelo capital internacional.

Para onde ir?
"Se saíssem dos EUA, para onde iriam os investidores? O Japão está em recessão. A Europa perdeu prestígio com o euro -misturou moedas fortes, como o marco, com outras mais fracas."
Calvet, de Harvard, não faz prognósticos sobre a continuidade do boom norte-americano, mas acha que de fato a nova economia mudou as perspectivas do crescimento da produção e do mercado de ações. Comércio eletrônico e computadores mais velozes diminuiriam custos e incrementariam o funcionamento das economias de mercado.
"Economistas norte-americanos acham que isso vai gerar aumento significativo de produtividade nos próximos 20 ou 30 anos, alguma coisa em torno de 0,5%. Isso pode ter impacto importante no crescimento" diz Calvet.
Mas o economista alerta: "Algumas empresas vão se dar bem, mas ainda não temos uma perspectiva tão clara dos efeitos do desenvolvimento tecnológico sobre seus ganhos. A Internet modifica a natureza da competição e pode reduzir as margens de lucro. É por isso que os mercados de ações andam no fio da navalha".
Segundo o economista, tais progressos estão na base da crença de que a relação entre o preço das ações e o lucro das empresas pode se manter no altíssimo nível atual, o triplo da média histórica.
Ele lembra que, em 1929, o economista Irving Fischer, um dos mais reputados da época, acreditava que as ações poderiam ficar "permanentemente num patamar elevado". Disse isso pouco antes do crash.
Calvet afirma que o nível atual da Bolsa é insustentável, que as inovações legais e a popularização das ações e das próprias informações sobre o mercado o aquecem, mas não fala em crash. Nem acredita que os empréstimos que os norte-americanos tomam para comprar ações sejam um risco.
A relação preço/lucro é um indicador da "exuberância irracional" das Bolsas. Se o preço dos papéis está alto demais em relação ao lucro das empresas, fala-se em "bolha especulativa". Isto é, os investidores compram papéis mais pela expectativa de ganhos de preço e de revenda do que pelos ganhos com dividendos -a parcela do lucro das empresas que, historicamente, sempre foi a fonte do rendimento "real" das ações norte-americanas.
Para John Welch, economista-chefe para a América Latina do banco inglês Barclays, o desaquecimento da economia dos EUA deve começar justamente pelas recentes oscilações nas Bolsas.
"O Dow Jones (índice das ações tradicionais) oscila muito, mas, na prática, volta para o mesmo lugar há meses. É o primeiro sinal de desaquecimento", diz.


Colaboraram Marcelo Diego, editor-assistente de Dinheiro, e Marcelo Billi, da Reportagem Local

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