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A BOLSA E A VIDA
Para analistas, maior boom na história da economia dos EUA continua, apesar dos sustos nas Bolsas
RIQUEZA AMERICANA
Marcha lenta nas Bolsas não afetaria crescimento dos EUA
Analistas descartam crash inevitável no mercado de ações
RICARDO GRINBAUM
de Londres
VINICIUS TORRES FREIRE
Editor de Dinheiro
Os norte-americanos jamais estiveram tão ricos, suas empresas
jamais valeram tanto e por tanto
tempo -e devem continuar assim, apesar de sustos nas Bolsas.
Para uma dúzia de analistas ouvidos pela Folha, das mais prestigiosas universidades e no comando de instituições financeiras dos
EUA, os aumentos das taxas de
juros do país vão esfriar a economia, mas não muito e nem agora.
Também acham pouco provável
que ocorra um "crash" ou uma
grande crise.
"Precisamos queimar os manuais de economia", brinca Arturo Porzekanski, do banco ING em
Nova York. "Pelos livros, era muito pouco provável que durasse
tanto tempo um cenário de forte
crescimento e pequeno desemprego sem alta da inflação."
No início do ano, Porzekanski
acreditava que os EUA cresceriam 3,5% em 2000. Agora, mudou sua projeção para 4,5%. Richard Bearner, economista-chefe
do Morgan Stanley para os EUA,
vai além. Ele acha que os EUA podem crescer 5% este ano e reduzir
essa taxa para um crescimento de
4% no ano que vem.
A Bolsa e a vida
Desde que o Brasil passou a usar
o real como moeda, há cerca de
cinco anos, a renda média anual
dos brasileiros variou em torno
de US$ 4.500. Nesse período, a
renda média dos norte-americanos aumentou em cerca de US$ 5
mil e passa hoje dos US$ 33 mil.
O valor das ações das empresas
dos EUA nunca chegou a nível tão
alto. Também nunca se especulou
tanto que o ciclo de bonança iniciado em 1992 pode acabar como
o de 1929, quando a queda abrupta da Bolsa de Nova York detonou
a pior recessão norte-americana e
mergulhou o mundo em depressão econômica.
Por volta das 13h da terça-feira
passada, houve o temor de que a
bonança tivesse acabado. No
meio da tarde, haviam evaporado
US$ 600 bilhões na Bolsa eletrônica Nasdaq, a das empresas da nova economia -computadores,
Internet e biotecnologia-, símbolo da riqueza americana atual.
Mas, após tais ações terem chegado ao fundo do poço, com queda de 13,6% e perda equivalente à
da produção de toda a economia
brasileira em um ano, a Nasdaq se
recuperou e fechou com uma baixa tolerável, de 1,77%.
"Os EUA podem absorver uma
queda bastante substancial do
mercado de ações -20%, digamos- sem que haja impacto dramático sobre o crescimento de
médio prazo. A verdade é que a ligação entre o valor das ações e o
consumo é bem tênue, e só funciona quando se consideram tendências de longuíssima duração",
diz Kenneth Rogoff, professor da
Universidade Harvard.
O risco e o susto de terça-feira
devem-se ao fato de que, quando
o preço das ações cai muito, reduz-se o valor contábil do patrimônio dos investidores -30% da
riqueza das famílias americanas
está em ações. Com esses investimentos, elas imaginam garantir
suas aposentadorias ou a despesa
com a universidade dos filhos.
Uma queda na Bolsa tenderia a
abater esse "efeito riqueza", induzindo os norte-americanos a poupar mais para o futuro. Com o
freio no consumo, diminuiria o
ritmo de crescimento.
Laurent Calvet, também de
Harvard, é mais cauteloso que
Rogoff, mas está longe do catastrofismo. "Tudo depende da expectativa dessas famílias quanto
aos seus ganhos futuros. Se os
consumidores acreditarem que a
economia e seus salários continuarão crescendo em ritmo forte,
o impacto de uma eventual queda
na Bolsa será bem limitado".
Para Arturo Porzekanski, existem duas explicações para o fenômeno norte-americano. Além de
ter empresas fortes e lucrativas, os
EUA não encontram rivais à altura na disputa pelo capital internacional.
Para onde ir?
"Se saíssem dos EUA, para onde
iriam os investidores? O Japão está em recessão. A Europa perdeu
prestígio com o euro -misturou
moedas fortes, como o marco,
com outras mais fracas."
Calvet, de Harvard, não faz
prognósticos sobre a continuidade do boom norte-americano,
mas acha que de fato a nova economia mudou as perspectivas do
crescimento da produção e do
mercado de ações. Comércio eletrônico e computadores mais velozes diminuiriam custos e incrementariam o funcionamento das
economias de mercado.
"Economistas norte-americanos acham que isso vai gerar aumento significativo de produtividade nos próximos 20 ou 30 anos,
alguma coisa em torno de 0,5%.
Isso pode ter impacto importante
no crescimento" diz Calvet.
Mas o economista alerta: "Algumas empresas vão se dar bem,
mas ainda não temos uma perspectiva tão clara dos efeitos do desenvolvimento tecnológico sobre
seus ganhos. A Internet modifica
a natureza da competição e pode
reduzir as margens de lucro. É por
isso que os mercados de ações andam no fio da navalha".
Segundo o economista, tais progressos estão na base da crença de
que a relação entre o preço das
ações e o lucro das empresas pode
se manter no altíssimo nível atual,
o triplo da média histórica.
Ele lembra que, em 1929, o economista Irving Fischer, um dos
mais reputados da época, acreditava que as ações poderiam ficar
"permanentemente num patamar elevado". Disse isso pouco
antes do crash.
Calvet afirma que o nível atual
da Bolsa é insustentável, que as
inovações legais e a popularização
das ações e das próprias informações sobre o mercado o aquecem,
mas não fala em crash. Nem acredita que os empréstimos que os
norte-americanos tomam para
comprar ações sejam um risco.
A relação preço/lucro é um indicador da "exuberância irracional" das Bolsas. Se o preço dos papéis está alto demais em relação
ao lucro das empresas, fala-se em
"bolha especulativa". Isto é, os investidores compram papéis mais
pela expectativa de ganhos de
preço e de revenda do que pelos
ganhos com dividendos -a parcela do lucro das empresas que,
historicamente, sempre foi a fonte do rendimento "real" das ações
norte-americanas.
Para John Welch, economista-chefe para a América Latina do
banco inglês Barclays, o desaquecimento da economia dos EUA
deve começar justamente pelas
recentes oscilações nas Bolsas.
"O Dow Jones (índice das ações
tradicionais) oscila muito, mas,
na prática, volta para o mesmo lugar há meses. É o primeiro sinal
de desaquecimento", diz.
Colaboraram Marcelo Diego, editor-assistente de Dinheiro, e Marcelo Billi, da Reportagem Local
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