São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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A BOLSA E A VIDA
Depois da variação maluca do mercado na semana, investidores terão de reformular estratégia
Gangorra da Nasdaq evidencia desgaste


GRETCHEN MORGENSON
do "The New York Times"

Ainda que as coisas tenham se acalmado, a movimentação amalucada do começo da semana no mercado acionário foi de fato um marco. Os veteranos acreditam que a viagem de ida e volta de 1.074 pontos pela qual a Bolsa eletrônica Nasdaq -que reúne as ações da "nova economia"- passou na terça-feira indica que os mercados entraram em um novo período e que os investidores precisam reformular suas estratégias.
"A percepção dos investidores de que nada pode sair errado na nova economia começa a ser encarada com suspeita maior. O elemento de risco volta a fazer parte da equação", disse James Molz, vice-presidente da International Strategy and Investment, assessoria de investimentos dos EUA.
A consciência mais aguçada dos consumidores quanto a riscos é evidente em sua fuga rumo a ações de empresas lucrativas, com histórias sólidas. GE, Intel e Oracle, todas subiram na confusão da semana passada, enquanto os índices de Internet, lotados de empresas de comércio eletrônico inexperientes e não lucrativas, quase não conseguiram encontrar o fundo do poço.
É evidente que os mercados de ações estão desgastados. E em nenhum lugar isso fica mais claro do que na movimentação maníaca dos preços, hoje, principalmente na Nasdaq. Os operadores profissionais adoram volatilidade, porque lhes dá oportunidade de comprar e vender ações na corrida. Mas, para as pessoas comuns, é sinal de um mercado em transição -e com risco significativo.
"A queda livre de terça-feira revelou fragilidade real nesse mercado", disse Steven Leuthold, da Leuthold Weeden, assessoria de investimentos dos EUA. "Os investidores, institucionais ou individuais, sobrecarregaram os mecanismos do mercado."
O mecanismo a que ele se refere -a capacidade dos investidores de encontrar outras pessoas dispostas a negociar com eles- está sobrecarregado já há algum tempo. Mas os investidores não reconheceram a situação como um problema em razão da alta nos preços das ações. Os compradores vinham superando de longe o número de vendedores, o que conduziu as ações à estratosfera.
Muitos fatores contribuem para a alta da volatilidade. Comissões ridiculamente baratas nas transações com ações atraíram muitos investidores novos ao mercado. Eles negociam com maior frequência e muitos deles entram e saem das Bolsas em massa, reagindo a informações recebidas na Internet ou via TV paga.
À medida que mais e mais investidores chegam ao mercado, os operadores, cuja função é ajudá-los a executar essas ordens, se retiram da arena. Os lucros dos maiores operadores com ações da Nasdaq caíram, como resultado da fiscalização estreita das autoridades. E assim as fileiras dos protagonistas das Bolsas diminuíram, deixando poucos compradores em posição de sustentar um piso para as cotações quando os preços das ações despencam.
"Hoje em dia, os intermediários oferecem pouca proteção", disse Leuthold. "Há uma ilusão de liquidez causada pelo número de ações sendo negociadas. Mas a verdadeira liquidez é revelada em dias como a terça-feira."
Kaufman identificou outra força importante impulsionando a volatilidade do mercado: a obsessão de Wall Street com a conversão de investimentos que antigamente teriam ficado nas carteiras dos investidores ou bancos até vencerem em valores negociáveis. Hipotecas residenciais, por exemplo, são compradas e vendidas em ritmo furioso, hoje em dia.
"Com essas novas obrigações, pode-se usar alavancagem maior, porque o preço de mercado permite que se tome empréstimo contra elas", disse Kaufman. "Isso permite uma administração mais intensiva desses ativos, o que cria também uma orientação de prazo mais curto da parte dos administradores de carteira. Assim, as ações são compradas mais por causa de sua próxima virada nos preços do que de seu valor provável dentro de dez ou 20 anos."
Alguns economistas e estrategistas de mercado acreditam que o tumulto da terça-feira confirmou uma mudança quase clandestina mas importante no quadro econômico geral. "Tivemos tendências econômicas bem definidas até janeiro ou fevereiro deste ano", disse James Paulsen, diretor de investimento da Wells Capital Management, de Minneapolis. "Os juros estavam subindo, os preços do petróleo também, e a tecnologia dominava as Bolsas. Mas essas tendências mudaram."
Paulsen diz que essas mudanças podem indicar uma queda no crescimento econômico mais para o final do ano. "Os mercados vêm sugerindo que o ímpeto do lucro e o ímpeto econômico estão começando a desacelerar", disse. O poder de manter preços da maior parte das corporações está se reduzindo, ainda que a economia esteja crescendo.
O mercado de bônus pode ter farejado a queda iminente no crescimento. É por isso, diz Paulsen, que os rendimentos caíram tão rápido, apesar dos números fortes da economia. Essa percepção poderia ajudar a explicar o excêntrico comportamento do mercado de bônus, no qual o rendimento de longo prazo está abaixo do rendimento de curto prazo.
O que tudo isso quer dizer em relação às ações de tecnologia é interessante aos investidores. Afinal, essas são as ações com as quais eles ganharam mais dinheiro recentemente.
Christine A. Callies, estrategista-chefe de Bolsa da Credit Suisse First Boston, diz que é um caso de amor em extinção. Na quarta-feira, ressalta ela, cerca de um terço das ações do setor de tecnologia estava pelo menos 50% abaixo de seu pico em 2000. "Assim que os operadores começam a perder dinheiro mais rápido do que ganham, o fervor especulativo morre rapidamente." Ela não espera que as ações de tecnologia recuperem o papel de liderança nas Bolsas por alguns trimestres.
Nem todos concordam. Jeffrey Applegate, estrategista-chefe de investimentos da Lehman Brothers, que se manteve otimista -e acertou- quanto ao setor de tecnologia nos últimos anos, diz que a queda e o retorno da terça representam o fundo do poço para a Nasdaq. "Tanto para a Bolsa quanto para o setor de tecnologia, quando temos esse tipo de volume, isso indica que chegamos ao fundo do poço -de lá, só alta."
Ele reconhece que os investidores precisam ser mais seletivos agora quanto às ações de tecnologia. O varejo eletrônico parece vulnerável, diz, mas as empresas que estão construindo infra-estrutura para a Internet devem se manter líderes.
"As ações da velha economia participarão, até certo ponto", disse. "Mas, em última análise, será que a Ford tem o potencial de crescimento real da Oracle? Não. Este será mais um ano em que o crescimento terá desempenho superior ao do valor", concluiu.



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