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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Pequena história da República
MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES
A República introduziu os militares na política nacional de
forma cada vez mais "profissional" a partir do Estado Novo,
até convertê-los, em 1964, de poder arbitral nos conflitos das elites regionais em "Poder Nacional" e único guardião permanente da "Ordem e Progresso".
Essa transformação ocorre sobretudo depois da Segunda
Guerra Mundial, com a mudança progressiva da doutrina da
Escola Superior de Guerra e da
forma de organização do Estado
Maior das Forças Armadas, sintetizada, no período da ditadura
militar até 1979, no binômio
"Segurança e Desenvolvimento". Com a "Transição Democrática", o fim da Guerra Fria e
o neoliberalismo da década de
90, os militares estão aparentemente sem "Doutrina Positiva".
Os bacharéis do poder civil
correram atrás e foram elaborando, depois de cada golpe militar ou mudança de regime político, uma nova Constituição
da República. É fantástico contrastar a longa duração do código comercial diante das frequentes mudanças da Constituição
brasileira. A forma como entram e saem os direitos sociais e
o caráter crescentemente restritivo do papel da Federação,
mesmo na Constituição de 1988,
merecem ser reestudados concretamente e não apenas à luz
das mudanças da filosofia do direito, na qual foram tão profícuos os nossos bacharéis. A partir da desmontagem da Constituição de 1988, os bacharéis estão também aparentemente sem
"Doutrina Positiva".
A proclamação da velha República confirmou a hegemonia
paulista no pacto de dominação
oligárquico (contra os esperneios dos "jacobinos" civis e militares do Rio) e reforçou os nexos da sua burguesia com os
centros financeiros internacionais. Daí em diante, cada vez
que a ligação se rompe ocorre
uma mudança no padrão de financiamento da acumulação de
capital que torna necessária a
intervenção crescente do Estado
Nacional (Caixa de Conversão,
Tesouro, Banco do Brasil, BNDE
etc.) para repor as condições de
valorização da riqueza privada.
As políticas macroeconômicas,
sobretudo as cambiais, as monetárias e de ajuste fiscal, nunca
permitiram classificar claramente qualquer governo da República como plenamente liberal ou desenvolvimentista, mas
sempre tentaram levar à prática
uma "macroeconomia da riqueza" que evitasse a quebra dos
principais bancos privados. Não
é por acaso que o patriciado
paulista, apesar da acabrunhante derrota política em 32,
manteve os prósperos e milionários negócios da sua nova burguesia e indicou o banqueiro
Whitaker para ministro da Fazenda do primeiro governo de
Vargas, que tentou refazer um
novo pacto oligárquico, o qual
termina no Estado Novo.
O Estado Desenvolvimentista
nas suas várias versões, de Vargas a JK, de Médici a Geisel, esgota-se com a crise financeira
nacional e internacional de
1982, que levou de roldão não
apenas o padrão de financiamento que soldava os interesses
das burguesias agrário-industrial e financeira, mas também o
regime militar e sua falsa "via
prussiana".
A Nova República é o resultado de um novo pacto de compromisso entre as elites políticas civis e militares que, simbolicamente, nasce e começa a morrer
com a morte do ilustre mineiro
Tancredo Neves. Em 1994, depois de várias versões fracassadas de transição, os "paulistas"
supostamente voltam ao poder.
A nova "Aliança Liberal" é implementada, mas com o auxílio
de economistas cariocas de novo
estilo, e a "ala desenvolvimentista" paulista foi posta para escanteio, até mesmo nas "privatizações bancárias" e na nova direção do BNDES.
Do ponto de vista constitucional o governo FHC foi além dos
generais e da República Velha,
destruindo uma das regras básicas da República: a não-reeleição do presidente. Em compensação, reintroduziu todos os
"atrasos" conhecidos em matéria de pacto oligárquico, para
torná-lo global.
Sobre as reivindicações populares e da chamada "sociedade
civil", aplica táticas de dissuasão dignas de um oficial de "Estado Maior" que certamente
aprendeu em seu apurado estudo da história brasileira. Para
manter o apoio dos "aliados"
descontentes, usa o "mimetismo
sedutor" de sua longa experiência de vida cosmopolita e domina no limite os recursos midiáticos para tentar apaziguar as
massas. Finalmente, centraliza
o poder do Executivo além dos
limites jurídicos e tenta liquidar
de vez o Pacto Federativo sem
destruir o poder político oligárquico. Sucateou parte das forças
produtivas internas a pretexto
de submetê-las a uma abertura
competitiva e reduziu a uma insignificância o nosso comércio
exterior, levando às últimas consequências o "capitalismo dependente" atrelado às finanças
internacionais.
Em resumo: o atual presidente
não levou em conta nem a legitimidade jurídica nacional nem o
avanço da organização dos trabalhadores nas últimas décadas.
À luz dos interesses das grandes
empresas nacionais, públicas e
privadas, pode ser considerado
um "leiloeiro" perdedor no mercado global. Como estadista nacional, afinal apequenou-se e
corre o risco de tornar-se apenas
um candidato a procônsul latino-americano da nova Pax
Americana.
Maria da Conceição Tavares, 69, economista, é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora associada da Universidade de Campinas (Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
www.abordo.com.br/mctavares
E-mail: mctavares@cdsid.com.br
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