São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2008

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VINICIUS TORRES FREIRE

O pior da crise passou para quem?



Lobby mundial de bancos quer ajuda do governo americano e Congresso dos EUA aprova um "ProCasa" e PIB desliza no zero

ALAN GREENSPAN teria dito ontem que o pior da crise de crédito americana já passou, segundo a agência Reuters. Não se sabe bem por qual motivo, Greenspan queria manter sua palestra em segredo. Jornalistas que quisessem comparecer ao evento não deveriam noticiá-lo. Greenspan teria contado ainda outro segredo pé-de-chinelo, ou de polichinelo: que é muito improvável que o preço dos imóveis pare de cair nos EUA neste ano -a queda do valor das casas foi um dos detonadores da crise financeira.
Ainda ontem, o diretor-gerente da associação mundial de bancos e similares (o Institute of International Finance), Charles Dallara, dizia que é "prematuro" afirmar que o pior da crise de crédito passou, pois o mercado de imóveis nos EUA continua a piorar -os preços ainda caem. Hum. Se os preços caem, mais gente desiste de pagar a prestação da casa (a dívida fica maior que o valor do bem). Se menos gente paga, mais prejuízo para bancos e cia.
Os deputados americanos aprovaram ontem um "ProCasa", pacote de US$ 300 bilhões para ajudar pessoas que devem perder suas casas, para auxiliar quem queira comprar uma e para dar algum tutu a cidades falidas pela crise. US$ 300 bilhões equivalem a mais de um quarto do PIB brasileiro. Se o pacote passar no Senado, George Bush diz que veta.
Dallara, aquele da associação mundial de bancos, defende que o governo americano intervenha de modo a impedir que mais americanos percam suas casas devido à falta de pagamento da prestação. Defende, pois, algo assim parecido com o pacote aprovado pelos deputados americanos, o que Bush quer vetar.
"Na minha opinião, até que [a crise imobiliária] se estabilize, seja por meio das próprias forças de mercado ou por meio de alguma intervenção do governo americano -e isto parece uma possibilidade-, não acho que possamos estar confiantes de que o pior já passou", disse Dallara. O lobby da banca mundial defende, pois, a intervenção do governo americano num mercado falido.
Sim, apesar das coisas feias que as crises provocam, o mundo fica um lugar politicamente divertido quando há sururu econômico. As frases sobre o "o pior da crise já passou" têm mesmo muito de diversão -de motivo para escárnio e de manobra diversionista. O "pior da crise já passou" ou passaram o pior da crise para alguém?
Os EUA pararam de criar empregos. A economia, que dizem idioticamente estar "crescendo mais que o esperado", cresceu menos de 0,3% no último semestre. Ou seja, "passaram" a crise adiante, para quem ficou sem casa e sem emprego. O presidente do Merrill Lynch, John Thain, por exemplo, dava ontem mais um exemplo do que significa esse coro da "crise já passou".
Disse que bancos de investimento (como o dele) não anunciariam mais perdas brutais como as dos últimos nove meses. Mas os bancos que lidam com consumidores comuns vão sofrer, pois as pessoas vão deixar de pagar o cartão de crédito e coisas assim: "Acho que a combinação de preços de casas em queda, preços de comida e energia em alta e desemprego maior vai resultar numa retração do consumidor americano, o que vai atrapalhar a economia pelos próximos seis, doze meses". Hum.

vinit@uol.com.br


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