São Paulo, sábado, 09 de maio de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

O sertão vai virar mar...


É preciso reformar todo o sistema do crédito rural, garantindo o seguro da renda como base fundamental

TODAS AS noites vimos acompanhando pelos noticiários das televisões dois simultâneos desastres ocorrendo no país: enchentes no Nordeste e seca no Sul.
A seca no Sul causa complicações na oferta de água potável na área urbana de vários municípios e regiões inteiras, mas provoca enormes prejuízos para agricultores e pecuaristas. Até 25% da produção de grãos (soja e milho, principalmente) pode quebrar, acompanhando as perdas também verificadas na Argentina e em parte do Uruguai e do Paraguai.
Só o Paraná, de acordo com informações da Federação de Agricultura daquele Estado, terá uma redução de 6,5 milhões de toneladas de milho e soja na safra deste ano. Isso tem consequências importantes no suprimento desses cereais para as fábricas de rações para aves, suínos e gado de leite, bem como na redução do potencial saldo comercial externo. Além disso, provoca uma perda de renda para o agricultor, que se soma aos elevados custos de plantio e à escassez de crédito rural.
Ruim para os produtores do Sul (aos quais se juntam os de Mato Grosso do Sul), ruim para o país, porque exportará menos, ruim para quem emprestou dinheiro para a cadeia produtiva, ruim para os serviços (transporte, armazenagem, embalagem), para a industrialização, para a arrecadação de tributos, para a geração de empregos. E o pior é que o endividamento resultante desse processo vai ficando recorrente e toca renegociar dívidas. É impressionante a demora na implementação do Seguro Rural, cuja criação se deu em lei de 2003, há seis anos, cuja regulamentação ficou pronta em 2004 e cujo Fundo de Catástrofe, essencial para a fase de resseguro, ainda não foi estabelecido.
Mas, no Nordeste, a situação do campo não é melhor: assistimos nos noticiários à tragédia das inundações urbanas, especialmente com as perdas calamitosas das populações mais pobres, sobretudo as ribeirinhas. As do setor rural, todavia, nem podem ser contabilizadas, porque não é possível sequer chegar às localidades atingidas, uma vez que as estradas praticamente acabaram e os meios de comunicação funcionam precariamente.
No entanto em regiões de fronteira como o centro e o sul do Maranhão e do Piauí e em partes expressivas do Ceará e do Rio Grande do Norte, as reduções da produção são irreparáveis. Na promissora região de Balsas, no sul do Maranhão, onde choveu cerca de 400 milímetros no mês de abril (três vezes mais que a média histórica), a colheita de soja foi iniciada em março com média surpreendente de 55 sacas por hectare; depois de quase um mês inteiro de chuvas ininterruptas, a produtividade caiu de 30% a 50%. O milho começa a ter problemas semelhantes.
Há casos em que os grãos estão brotando na espiga. E o pior: sem estradas, com os armazéns e silos lotados, com os problemas da ferrovia da Vale, mesmo essa colheita desastrosa não pode ser transportada.
Será um duríssimo golpe para toda a região, em que pequenos, médios e grandes produtores foram igualmente atingidos. Não tem jeito: é preciso reformar mesmo todo o sistema do crédito rural, garantindo o seguro da renda como base fundamental do novo modelo.
E, evidentemente, temos de investir em logística e em infraestrutura. Caso contrário, essas regiões de grande potencial levarão anos para se viabilizarem.


ROBERTO RODRIGUES , 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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