São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

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MARCOS CINTRA

Tapa na cara


Não há como continuar com uma política pública que jogue a classe média assalariada aos leões

A CRIAÇÃO da nova CPMF, batizada de CSS, revela mastodôntica inabilidade política do governo petista e de sua base parlamentar. Apesar de ser um bom tributo, como tenho reiteradamente afirmado neste espaço, o "imposto do cheque" foi travestido de vilão.
Houve mesquinharia política, e outras razões menos nobres, para explicar por que condenaram a CPMF -referida pelo renomado tributarista Vito Tanzi como uma das mais importantes inovações tecnológicas tributárias dos últimos anos- a assumir o papel de bode expiatório.
Análises incompletas e equivocadas foram manipuladas para serem tidas como verdadeiras e hoje poucos têm a coragem de defender esse tributo, apesar de suas reconhecidas qualidades.
No entanto, cabe lembrar que a CPMF é repudiada se for um tributo a mais a elevar a carga tributária brasileira. Porém seria amplamente aceita pela sociedade se fosse instituída como substituta de outros tributos. Levantamento realizado pela empresa Cepac - Pesquisa & Comunicação revela que 64% das pessoas a aceitariam se ela substituísse, por exemplo, a contribuição ao INSS incidente sobre a folha de pagamento das empresas.
Nesse sentido, há em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 242/08, do Partido da República, que propõe a criação de um tributo de 0,5% sobre débitos e créditos bancários, que permitiria a total eliminação da contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento das empresas e também uma significativa elevação dos limites de isenção do Imposto de Renda da pessoa física incidente sobre os rendimentos do trabalho.
A PEC do PR, batizada de Imposto Mínimo, foi discutida com a cúpula do governo (Dilma Rousseff, Guido Mantega e José Múcio Monteiro).
Todos demonstraram interesse na proposta e acenaram com a possibilidade de apoio do governo desde que o projeto tivesse origem no Congresso. O plano foi posto em marcha e o texto encontra-se na Comissão de Reforma Tributária como emenda do partido.
Em vez de caminhar nessa direção, que com certeza encontraria apoio da sociedade, principalmente dos assalariados e da sofrida classe média brasileira, o governo e sua base parlamentar metem-se nessa esparrela de simples e bruta recriação da CPMF.
É possível que o rolo compressor do governo resulte em aprovação da CSS no Congresso, mas as querelas jurídicas poderão inviabilizar sua efetiva implementação. Será uma vitória de Pirro para o governo, para o PT e para a bancada da saúde.
A ex-ministra Marta Suplicy, em entrevista publicada pela Folha, afirmou que precisa reconquistar a classe média que a abandonou nas últimas eleições municipais e deu a vitória a José Serra. O presidente Lula não deve se esquecer de que foi o voto da classe média que o levou à Presidência e também que ele perdeu disputas todas as vezes em que as bandeiras desfraldadas a afrontaram.
Hoje, a criação da CSS representa uma agressão à classe média brasileira. O presidente Lula parece não enxergar o que Marta Suplicy já percebeu: não há como continuar com uma política pública que privilegie apenas os interesses da base e do topo da pirâmide econômica, jogando a classe média assalariada aos leões.
Mas tudo indica que o erro será repetido. Marta perdeu o PMDB e o PR, típicos partidos de classe média, para o prefeito Gilberto Kassab. E Lula quer criar a CSS, um tapa na cara da burguesia.
Mas, se o PT tiver juízo, ainda há tempo para usar a emenda do PR para desonerar o trabalho e reconquistar a classe média.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 62, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org


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