São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Baixo investimento trava hidrovia

Embora custe três vezes menos que estradas, navegação recebe 1% do recurso de transporte de SP e do PAC

Hidrovia Tietê-Paraná tem 87% de capacidade ociosa e depende de obras como retirada de pedras; logística toma 20% do PIB no país

Joel Silva/Folha Imagem
Rebocador com balsas de soja passa sob ponte no rio Tietê, próximo à cidade de Pongai, no interior de SP; dificuldades de navegação travam transporte hidroviário

AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quarta-feira, 10h30 da manhã. O comboio de soja aproxima-se mansamente do estreito vão central da ponte da rodovia SP-333, que corta o rio Tietê, na região de Ibitinga, interior paulista. Dentro, 2.600 toneladas de soja, carga suficiente para cem caminhões. Com cuidado, as duas barcaças passam ilesas por mais esse "buraco de agulha" da hidrovia Tietê-Paraná.
É assim nas 13 pontes as quais cruzam os comboios com mais de 5.000 toneladas de carga. O tempo perdido na operação de desmembramento supera dois dias, fazendo a viagem de ida e volta entre o Centro-Oeste e os terminais de descarga em São Paulo durar dez dias.
Duas vezes e meio mais barato que a ferrovia e três vezes e meio mais competitivo que a rodovia, o transporte hidroviário está atolado justamente num país que possui 12% da água doce do planeta e, estima-se, potencial de 43 mil quilômetros de vias navegáveis. A hidrovia não significa só produtividade em transporte, mas menos caminhões em estradas, menor consumo de combustíveis por tonelada transportada e impacto ambiental.
O especialista em hidrovia Joaquim Carlos Riva faz uma conta simples: na hidrovia, um hp (cavalo de força) arrasta 7,5 toneladas. Na rodovia, a unidade movimenta meros 108 quilos. O trem está no intervalo, 4 toneladas por unidade de força.
Segundo a Anec (Associação Nacional de Exportadores de Cereais), 7% do transporte de grãos do país é feito em hidrovias. A maior parte (60%) segue por estradas. Nos EUA, a relação é inversa.
O custo da logística toma 20% do PIB no Brasil, revela estudo do Banco Mundial citado no Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT). É um fator que derruba a competitividade. "A hidrovia é incipiente na matriz de transporte brasileira. Pela hidrovia, [trafegam] 15 milhões de toneladas por ano. Isso é nada", afirma Riva.
Fora a hidrovia do rio Madeira -a maior do país-, os volumes das demais hidrovias crescem pouco com os baixos investimentos na melhoria das condições de tráfego nas vias.
Em julho de 1991, a hidrovia Tietê-Paraná se tornou oficialmente um corredor de exportação para o Centro-Oeste brasileiro. Nem por isso São Paulo recebe apoio financeiro desses Estados. "Estamos aqui em São Paulo ampliando ponte para mineiro, goiano e mato-grossense passar", diz Oswaldo Rosseto, diretor do Departamento Hidroviário.
No ano passado, o aumento da demanda mundial de milho fez os volumes carregados no chamado transporte de longo curso crescerem e atingirem 1,7 milhão de toneladas, aumento de 30% sobre o ano anterior. Parece muito, mas poderia ser muito mais. Somadas as cargas de médio curso, hoje formadas principalmente pelo transporte de cana e de açúcar, a movimentação atingiu 2,6 milhões de toneladas na hidrovia que transformou São Paulo em corredor de exportação.
Estudos do potencial da Tietê-Paraná mostram que, com investimento, o transporte pela hidrovia poderia atingir 20 milhões de toneladas por ano. "Significa que a maior área de produção de grãos do país consegue utilizar apenas 13% da capacidade da hidrovia, uma ociosidade de 87%", calcula George Takahashi, presidente do Sindicato dos Armadores de Navegação Fluvial do Estado de São Paulo. Segundo ele, avançam lentamente obras que poderiam elevar de quatro para seis barcaças os comboios que cruzam a via. Com isso, mais cargas sairiam do asfalto.
Entre as obras estão o alargamento dos vãos das pontes e as obras de reforço dos pilares de sustentação. O setor cobra ainda permissão para transitar com calado de navegação de 3 metros de profundidade. Atualmente, os comboios estão limitados a 2,90 metros em toda a hidrovia e isso em razão de um punhado de pedras que obstruem quase 2.000 quilômetros de via. Apenas a retirada dessas pedras elevaria em 250 toneladas a capacidade de transporte em um comboio com quatro barcaças.
O Departamento Hidroviário, órgão considerado de pouca expressão na Secretaria Estadual de Transportes de São Paulo, é o responsável pelas obras. Alega que o trabalho finalmente será feito no segundo semestre, mas reconhece a lentidão. O plano de investimento de São Paulo entre 2008 e 2011 reservou R$ 176,2 milhões para a hidrovia. Uma cifra fictícia, sujeita a contingenciamentos, reconhece Rosseto. O recurso equivale a 1,2% de todo o investimento da Secretaria dos Transportes: R$ 13,7 bilhões.

PAC
Nem o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), a partir do qual o governo pretende atualizar a infra-estrutura, privilegiou a hidrovia. Como em São Paulo, o investimento nacional nesse transporte será uma fração dos demais gastos. Contempla obras de terminais na região amazônica, nos rios São Francisco e Paraguai e a eclusa de Tucuruí.
Entre 2007 e 2010, o gasto para melhorar o transporte hidroviário no país alcançará R$ 735 milhões, recurso equivalente ao de São Paulo, 1,2%. Do gasto autorizado para 2007, de R$ 255,9 milhões, apenas 14,4% foram pagos. O investimento total previsto no PAC para infra-estrutura logística é de R$ 58,2 bilhões, 57,3% em rodovias, em um total de R$ 33,4 bilhões. Só para lembrar, um tipo de transporte 3,6 vezes mais caro que a hidrovia.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Diretor pede pressão por novos aportes
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.