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LUÍS NASSIF
O gênio de Mequinho
São interessantes as confrarias -grupos de pessoas que
se mantêm unidas por afinidades ou práticas em comum-,
formando seu mundo particular, transmitindo sua tradição
por livros ou oralmente, criando
suas lendas e heróis -muitos
dos quais lembram o Capitão
Marvel, que se tornam heróis
quando exercitam suas competências, mas voltam a ser pessoas
comuns no dia-a-dia.
Desde minha adolescência, frequentei inúmeras confrarias da
maneira mais eclética possível.
Integrei grupos estudantis, de tênis de mesa, de pebolim, da fanfarra da Banda dos Maristas.
Depois, em São Paulo, confrarias
de choro e de botecos, de economia e mercado financeiro.
Uma das mais curiosas foi a
confraria do xadrez. A opinião
pública descobriu o xadrez no
confronto Fischer-Spassky, em
1972. Fischer era o gênio americano que fez carreira atropelando inclusive o controle político
que a União Soviética detinha
na Confederação Mundial de
Xadrez. Era o americano típico,
individualista, competitivo até a
medula, considerado o mais precoce jogador de xadrez da história, ao lado do espanhol Pomar e
do cubano Capablanca.
Spassky era o campeão mundial desde 1969, russo, um cavalheiro intelectualizado e galante.
Ambos exerciam um fascínio
enorme sobre a opinião pública.
Mas, na confraria do xadrez,
nosso herói era o jogador de menor "appeal" possível, parecendo
uma versão mirim do "dr. aloprado", aquele personagem do
Jerry Lewis. Tratava-se de Henrique da Costa Mecking, o Mequinho.
Aprendi a jogar xadrez lá pelos
16 anos de idade, assim como
meu primo Oscar, que frequentava o clube de xadrez de Poços.
Era um clube de tradição que teve, entre seus aficionados, até a
famosa Miss Tamara, uma nobre russa que falava seis línguas,
que se exilou em Poços com uma
aia e que volta e meia o "Cruzeiro" apresentava ao distinto público como a princesa Anastácia,
filha do Czar.
Muito distraída, nas finais de
partidas ela costumava confundir e jogar com as peças dos adversários. Fora isso, era uma legítima representante russa.
Tinha também o seu Oteniel,
pai do Félix, amigo nosso, que tinha uma reação psicossomática
peculiar. A gente ia jogando, aí
falava: "xeque, seu Otoniel".
Havia um português insistente, do qual não me lembro o nome. A primeira vez que Mequinho foi fazer uma simultânea
(contra vários jogadores) em
Campinas, Poços enviou sua
equipe, com o português junto.
No décimo quinto lance, o português já estava sem dois cavalos e
um bispo.
Mequinho perguntou: "O senhor vai continuar?". Ele, com a
petulância dos que nunca se dão
por vencido: "Mas é claro!". E
Mequinho, conformado: "Mas
como o senhor gosta do jogo".
Pois é sobre Mequinho a coluna. Até então, o Brasil nunca havia dado bons jogadores de xadrez. Mequinho veio direto do
Rio Grande do Sul arrasando.
Com 12 anos tornou-se campeão brasileiro, com 14, latino-americano. Com 16 já integrava,
ao lado de Capablanca, Pomar e
Fischer, o clube dos mais precoces enxadristas do século.
Era dono de um estilo sólido e
eclético. Não tinha a retranca irritante de Petrossian, o campeão
russo. Nem a imprudência maravilhosa de Mikhail Thal, homem capaz de lances ousadíssimos de sacrifício e que conseguiu
ser campeão por dois anos, derrotando Mikhail Botvinick, o
grande professor da escola russa
moderna.
Os campeonatos mundiais
eram precedidos de dois torneios
que classificavam quatro finalistas. Em dois interzonais sucessivos, Mequinho sagrou-se campeão, enfrentando heróis do xadrez -como Paul Keres, com
ataques brilhantes, meu ídolo, e
Smislov, ex-campeão mundial.
Nas semifinais acabou sendo
derrotado, nas duas vezes, por
dois russos brilhantes: Korchnoi
(jogador de ataques devastadores) e Polugaievski, considerado
um grande teórico da época.
Pesaram a questão emocional,
a falta de assessores e a antipatia
na imprensa. Depois da última
derrota, Mequinho foi acometido por uma doença que quase o
liquidou.
Curou-se, tornou-se místico,
tentou a volta ao xadrez, mas já
sem o instinto matador de antes.
Para a minha geração, foi um
dos gênios esportistas mais relevantes que o país já produziu.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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