São Paulo, domingo, 09 de julho de 2000


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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

Metas sociais: um direito cidadão

ALOIZIO MERCADANTE

O sexto aniversário do Real, diferentemente do que acontecia no passado recente, passou praticamente despercebido. E não por acaso. Afinal, depois da morte inglória da "moeda forte", em janeiro do ano passado, e dos custos do seu funeral, que ainda estamos pagando, é até compreensível que o governo evite maiores alardes sobre as "virtudes" do plano. O silêncio oficial, no entanto, não oculta a continuidade da deterioração das condições sociais impostas pelo atual modelo econômico nem exclui a necessidade de seguir procurando caminhos alternativos para o país.
Nessa linha, quero me referir a um aspecto, a fixação de metas sociais, que recentemente foi defendido até pelo presidente FHC como desafio para o Mercosul e objeto de recomendações pela própria Organização das Nações Unidas.
Esse tema é particularmente relevante num país como o Brasil, onde faltam no debate público objetividade e transparência acerca de informações que são essenciais para a vida dos cidadãos. Os objetivos, previsões e metas de política econômica e os critérios que os fundamentam, por exemplo, não são debatidos em público ou o são apenas na medida dos interesses governamentais. Além disso, não há nenhum compromisso do governo com a sociedade sobre tais metas e objetivos, ainda que não faltem argumentos improvisados e protestos inconsistentes quando os indicadores internacionais colocam o Brasil em uma posição social cada vez mais humilhante.
A essa falta de institucionalização e transparência na condução do Estado agrega-se a falta de compromisso público claro com a melhoria permanente das condições de vida e de trabalho da população. Alguém discutiu ou conhece os objetivos e metas fixados pelo atual governo em matéria de redução da pobreza, aumento do emprego, queda nos índices de mortalidade infantil, diminuição do déficit habitacional ou outros indicadores de natureza social? Alguém tem notícia da ocorrência de reuniões periódicas de acompanhamento da evolução social do país?
Esse quadro chama mais atenção quando é contrastado com o rigor assumido pelo governo no cumprimento dos acordos com o FMI. Em outras palavras, se concede aos credores externos uma prerrogativa que se nega -ou que pelo menos não se apresenta- à sociedade brasileira, qual seja a de conhecer as metas de políticas econômica e social e acompanhar e cobrar motivos e soluções para eventuais desvios em sua condução.
Na linha de modificar essa prática, quero destacar duas iniciativas que adotamos na Câmara Federal. A primeira foi introduzir na Lei de Diretrizes Orçamentárias modificações tanto na política de aplicação dos recursos do BNDES -vedando sua participação no financiamento das privatizações e reorientando suas prioridades- quanto na forma de prestação de contas das agências financeiras oficiais. Sobre esse último aspecto, fica o Executivo obrigado a demonstrar, a cada seis meses, em audiência pública no Congresso Nacional, as aplicações de recursos dessas agências. Podemos iniciar um processo de abrir a "caixa-preta" do BNDES.
A segunda, de maior alcance, foi apresentar uma proposta de emenda constitucional, com o apoio do Conselho Federal de Economia e aprovada por unanimidade na Comissão de Economia da Câmara, que obriga o Executivo a encaminhar ao Congresso Nacional uma "Carta de Responsabilidade Econômico-Social". Nela se explicitariam os principais objetivos e metas em relação à política econômica e aos indicadores sociais relevantes que teriam embasado a elaboração do Plano Plurianual e o Orçamento, tornando transparentes os critérios e projeções com que trabalha o Executivo.
A Carta de Responsabilidade tem exigências de metas e objetivos econômicos semelhantes às cartas de intenções do FMI, mas abarca todo o campo social e seria um compromisso do governo com a sociedade, e não mais com um organismo multilateral. A carta deveria conter, pelo menos: 1) previsões em relação aos resultados econômicos globais e setoriais, base monetária, balanço de pagamentos, inflação e taxas médias de câmbio e de juros; 2) objetivos globais em relação ao crescimento econômico, redução da pobreza e das desigualdades sociais e regionais, integração territorial (infra-estruturas sistêmicas de energia, transporte e comunicações) e desenvolvimento da capacidade tecnológica e científica nacional; 3) metas para investimento público e privado, gasto público (por regiões, setores e funções), déficit público, dívida pública, volume e destinação do crédito público, exportações, saldo comercial, reservas cambiais, emprego, reforma agrária, massa salarial e salário médio da economia, variação e distribuição da carga tributária e evolução de indicadores sociais referentes à educação, saúde, saneamento, habitação e assistência social; 4) indicadores de aferição dos objetivos e metas estabelecidas.
Periodicamente, o Executivo apresentaria ao Congresso Nacional relatórios acerca do andamento das previsões, objetivos e metas constantes das cartas, contemplando justificativas e análise dos eventuais desvios ou atrasos para ser debatidas em audiência públicas.
Essa mudança no perfil de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo pode permitir um passo importante em direção a um novo padrão de atuação do Estado, que resgate o social como dimensão essencial da economia e adote a transparência e a participação da sociedade como métodos de governo. A Carta de Responsabilidade Econômico-Social representaria uma profunda mudança institucional e um mecanismo eficaz de controle social e democrático do Estado pela sociedade civil, que definitivamente pautaria a imensa dívida social como prioridade das políticas públicas do país.

  PS: O texto completo da proposta de emenda constitucional está disponível na Internet: (www.mercadante.com.br)

Aloizio Mercadante Oliva, 46, economista e professor licenciado da PUC e da Unicamp, foi candidato a vice-presidente da República com Lula em 1994, é deputado federal, líder do PT na Câmara dos Deputados e vice-presidente nacional do PT.


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