|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Metas sociais: um direito cidadão
ALOIZIO MERCADANTE
O sexto aniversário do Real,
diferentemente do que acontecia no passado recente, passou praticamente despercebido. E não por
acaso. Afinal, depois da morte inglória da "moeda forte", em janeiro do
ano passado, e dos custos do seu funeral, que ainda estamos pagando, é
até compreensível que o governo evite maiores alardes sobre as "virtudes" do plano. O silêncio oficial, no
entanto, não oculta a continuidade
da deterioração das condições sociais impostas pelo atual modelo
econômico nem exclui a necessidade
de seguir procurando caminhos alternativos para o país.
Nessa linha, quero me referir a um
aspecto, a fixação de metas sociais,
que recentemente foi defendido até
pelo presidente FHC como desafio
para o Mercosul e objeto de recomendações pela própria Organização das Nações Unidas.
Esse tema é particularmente relevante num país como o Brasil, onde
faltam no debate público objetividade e transparência acerca de informações que são essenciais para a vida dos cidadãos. Os objetivos, previsões e metas de política econômica e
os critérios que os fundamentam,
por exemplo, não são debatidos em
público ou o são apenas na medida
dos interesses governamentais. Além
disso, não há nenhum compromisso
do governo com a sociedade sobre
tais metas e objetivos, ainda que não
faltem argumentos improvisados e
protestos inconsistentes quando os
indicadores internacionais colocam
o Brasil em uma posição social cada
vez mais humilhante.
A essa falta de institucionalização
e transparência na condução do Estado agrega-se a falta de compromisso público claro com a melhoria
permanente das condições de vida e
de trabalho da população. Alguém
discutiu ou conhece os objetivos e
metas fixados pelo atual governo em
matéria de redução da pobreza, aumento do emprego, queda nos índices de mortalidade infantil, diminuição do déficit habitacional ou outros
indicadores de natureza social? Alguém tem notícia da ocorrência de
reuniões periódicas de acompanhamento da evolução social do país?
Esse quadro chama mais atenção
quando é contrastado com o rigor
assumido pelo governo no cumprimento dos acordos com o FMI. Em
outras palavras, se concede aos credores externos uma prerrogativa
que se nega -ou que pelo menos
não se apresenta- à sociedade brasileira, qual seja a de conhecer as
metas de políticas econômica e social
e acompanhar e cobrar motivos e soluções para eventuais desvios em
sua condução.
Na linha de modificar essa prática,
quero destacar duas iniciativas que
adotamos na Câmara Federal. A
primeira foi introduzir na Lei de Diretrizes Orçamentárias modificações
tanto na política de aplicação dos recursos do BNDES -vedando sua
participação no financiamento das
privatizações e reorientando suas
prioridades- quanto na forma de
prestação de contas das agências financeiras oficiais. Sobre esse último
aspecto, fica o Executivo obrigado a
demonstrar, a cada seis meses, em
audiência pública no Congresso Nacional, as aplicações de recursos dessas agências. Podemos iniciar um
processo de abrir a "caixa-preta" do
BNDES.
A segunda, de maior alcance, foi
apresentar uma proposta de emenda constitucional, com o apoio do
Conselho Federal de Economia e
aprovada por unanimidade na Comissão de Economia da Câmara,
que obriga o Executivo a encaminhar ao Congresso Nacional uma
"Carta de Responsabilidade Econômico-Social". Nela se explicitariam
os principais objetivos e metas em relação à política econômica e aos indicadores sociais relevantes que teriam embasado a elaboração do
Plano Plurianual e o Orçamento,
tornando transparentes os critérios e
projeções com que trabalha o Executivo.
A Carta de Responsabilidade tem
exigências de metas e objetivos econômicos semelhantes às cartas de intenções do FMI, mas abarca todo o
campo social e seria um compromisso do governo com a sociedade, e
não mais com um organismo multilateral. A carta deveria conter, pelo
menos: 1) previsões em relação aos
resultados econômicos globais e setoriais, base monetária, balanço de
pagamentos, inflação e taxas médias de câmbio e de juros; 2) objetivos globais em relação ao crescimento econômico, redução da pobreza e
das desigualdades sociais e regionais, integração territorial (infra-estruturas sistêmicas de energia, transporte e comunicações) e desenvolvimento da capacidade tecnológica e
científica nacional; 3) metas para investimento público e privado, gasto
público (por regiões, setores e funções), déficit público, dívida pública,
volume e destinação do crédito público, exportações, saldo comercial,
reservas cambiais, emprego, reforma
agrária, massa salarial e salário médio da economia, variação e distribuição da carga tributária e evolução de indicadores sociais referentes
à educação, saúde, saneamento, habitação e assistência social; 4) indicadores de aferição dos objetivos e
metas estabelecidas.
Periodicamente, o Executivo apresentaria ao Congresso Nacional relatórios acerca do andamento das
previsões, objetivos e metas constantes das cartas, contemplando justificativas e análise dos eventuais desvios ou atrasos para ser debatidas
em audiência públicas.
Essa mudança no perfil de relacionamento entre o Executivo e o Legislativo pode permitir um passo importante em direção a um novo padrão de atuação do Estado, que resgate o social como dimensão essencial da economia e adote a transparência e a participação da sociedade
como métodos de governo. A Carta
de Responsabilidade Econômico-Social representaria uma profunda
mudança institucional e um mecanismo eficaz de controle social e democrático do Estado pela sociedade
civil, que definitivamente pautaria a
imensa dívida social como prioridade das políticas públicas do país.
PS: O texto completo da proposta de
emenda constitucional está disponível na Internet:
(www.mercadante.com.br)
Aloizio Mercadante Oliva, 46, economista e professor licenciado da PUC e da
Unicamp, foi candidato a vice-presidente da República com Lula em 1994, é deputado federal, líder do PT na Câmara
dos Deputados e vice-presidente nacional do PT.
Texto Anterior: Tendências internacionais - Gilson Schwartz: China mantém controle das teles Próximo Texto: Luís Nassif: O gênio de Mequinho Índice
|