São Paulo, Sexta-feira, 09 de Julho de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Por que a CPMF é um imposto ruim

MAILSON DA NÓBREGA

Recente estudo do Banco Central citou definição de Alan Greenspan sobre a estabilidade de preços: é uma situação que se caracteriza "quando os agentes econômicos não mais consideram mudanças futuras no nível geral de preços para tomar decisões".
Ainda que a definição seja imprecisa, diz o estudo, parece certo que Greenspan, atual presidente do banco central americano, se refere a uma taxa de inflação tão pequena que não há lugar para ela na realização dos negócios e nas atividades do dia-a-dia.
Pelo mesmo raciocínio, um bom sistema tributário é aquele em que os agentes econômicos não precisam considerá-lo para tomar decisões sobre negócios, no país ou no exterior. A tributação não interfere no cálculo econômico. É completamente neutra.
A definição de Greenspan pode ser observada atualmente em seu país. A do bom sistema tributário é o que os bons governos desejam, mas não conseguem por razões de natureza política e econômica. Mesmo assim, buscam atingir algo parecido.
Daí o estudo permanente sobre a influência dos tributos nas decisões econômicas e suas consequências para o desenvolvimento. Foi assim que se formaram os princípios que regem os modernos sistemas tributários e a identificação das três bases de tributação: a renda, o consumo e o patrimônio/riqueza.
Entre os princípios de tributação está também o de que no comércio exterior os bens devem ser tributados no destino. Precisam, assim, ser desonerados de tributos sobre o consumo no país de origem.
Assim, não pode haver tributos cumulativos, isto é, em cascata, pois é impossível saber em quanto eles oneram cada bem ou serviço, pois incidem em cada transação ou venda e se impregnam definitivamente nos respectivos custos.
Além de outros efeitos perversos, o tributo em cascata prejudica o produto nacional. Se este é exportado, paga na origem e no destino, perdendo competitividade. Se é vendido no mercado interno, perde para o seu similar importado, que não paga na origem e recolhe menos no destino.
O tributo em cascata se tornou mais condenável na nova economia, que está revolucionando as fronteiras das empresas com a descentralização, o foco e a terceirização.
A integração vertical, em que a empresa fazia quase tudo, é definitivamente coisa do passado. Com a Internet, a terceirização se amplia. Será mais fácil melhorar o relacionamento com clientes e fornecedores e cuidar apenas do que se sabe fazer melhor.
A Dell Computers, da Irlanda, é um caso de sucesso na venda de computadores sob encomenda em toda a Europa precisamente porque combina a terceirização com a Internet.
Seus pedidos chegam por meio de um site na Internet e são acompanhados em tempo real pelos fornecedores das correspondentes partes, peças e componentes, permitindo que se organizem para produzi-las e entregá-las de acordo com as necessidades da Dell.
Os caminhões dos fornecedores chegam com os suprimentos à fábrica da Dell, esperam algumas horas e partem novamente com os computadores prontos numa operação perfeita de terceirização e logística. Ganham todos.
Na mesma linha, a Ford investe mais de US$ 300 milhões nos EUA para utilizar a Internet com o objetivo de personalizar cada vez mais seus produtos. E está redefinindo-se como uma empresa da área de consumo em vez de fabricante de automóveis.
Se a Irlanda e os EUA adotassem uma CPMF, em cascata, a Dell e a Ford teriam de pensar de onde viriam os suprimentos (se do país ou do exterior), quantas operações ocorreriam até montar e entregar os computadores e automóveis e assim por diante. Perderiam competitividade. Seus planos não se viabilizariam. Todos perderiam.
Há quem diga que a Internet e o comércio eletrônico revolucionarão também as formas de tributação. É o contrário. Dramatizarão a importância dos tributos não cumulativos.
No futuro distante, se poderosos sistemas puderem eliminar os efeitos da cascata, dá para pensar nisso. Nos dias de hoje, estultices como a CPMF, que podem ser toleradas em momentos de emergência, são uma barreira à revolução em marcha. Torná-la permanente, mesmo devolvendo-a à frente, como se quer no Brasil, seria um completo disparate.
Por essas e outras, a tributação não pode ser deixada a cargo exclusivo de especialistas na matéria, que raciocinam somente com arrecadação e combate à sonegação. É preciso ir além e pensar também nos seus efeitos sociais e econômicos.
Na próxima semana, continuarei essa análise. Abordarei os males da CPMF para o comércio exterior, o mercado de capitais e o desenvolvimento do país.

PS: lamentável a proposta da Fiesp ao Congresso para perpetuar a CPMF com alíquota de 1% e devolução posterior. É ingênuo pensar que, se devolver, não tem problema.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br


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