São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Exportações, portos e candidatos

WADY JASMIN

Em encontro recentemente articulado entre um dos presidenciáveis e grupo representativo de diferentes segmentos privados, tive a oportunidade de indagar do postulante quanto a sua percepção sobre os portos nacionais e quanto ao foco que esses mereceriam caso viesse a se eleger.
A resposta surpreendeu-me pela demonstração de objetivo conhecimento dos óbices que ainda afligem a estrutura logística nacional e, no caso dos portos, retardam sua consolidação como centros de excelência logística.
A manifestação, incisiva, associada ao declarado compromisso de todos os candidatos, independentemente de orientação ideológica, com providências capazes de alavancar as exportações nacionais, enseja renovada esperança de que, na quadra governamental a inaugurar-se em janeiro próximo, os portos brasileiros venham a receber apoio político mais intenso e direção normativa mais consistente com as metas que lhes foram atribuídas no programa nacional de privatizações portuárias.
É fato incontroverso que, decorridos cerca de cinco anos das privatizações no setor, a expressiva maioria dos terminais portuários privatizados alcançou eficácia operacional já alinhada a padrões internacionais. No maior complexo portuário brasileiro, o porto de Santos, por onde transitam 40% das cargas conteinerizadas de comércio exterior do país, a velocidade operacional foi mais que quadruplicada no período, os congestionamentos, eliminados, e os preços da movimentação de cargas, reduzidos em cerca de dois terços!
Lamentavelmente, entretanto, parece escapar a diferentes níveis de governo que a influência isolada do operador portuário na promoção de instrumentos logísticos crescentemente competitivos esgota-se, nítida e naturalmente, na sua capacidade de agregar eficiência à operação, de modo a transferir ao mercado, em ambiente concorrencial, uma parcela dos ganhos daí decorrentes.
Alcançados limites técnicos de eficiência -que evoluem à medida da permanente agregação de novos recursos e tecnologia à operação-, patamares mais elevados de competitividade fogem à esfera de ação do ente privado para se relacionar com a superestrutura suprida nos portos, com a intrincada teia normativa que governa a atividade, com as tarifas públicas impostas à operação e com os custos extraordinários de um contingente reconhecidamente excessivo da chamada mão-de-obra avulsa -elementos essencialmente dependentes de ações em nível público.
A concepção moderna de logística a define como sendo a "gestão de estoques em movimento" (Robert Ryan /CI Conference-1999). À luz do conceito, simples e abrangente, a eficácia logística não começa nem se esgota no porto, ainda que nele se configure etapa essencial na agregação de competitividade aos bens de comércio internacional! Em verdade, nas transferências intercontinentais de mercadorias por via aquaviária, a competitividade global impõe, em adição a uma etapa portuária eficaz, a utilização de transferências locais sinérgicas com o porto, sempre que possível em itinerário direto desde o terminal de descarga até o armazém do cliente e vice-versa.
Se o ingente esforço para alavancar a corrente de comércio exterior do país é um pressuposto de política pública e tema recorrente nos programas dos quatro principais candidatos, o caminho inescapável é dotar os bens e insumos da cadeia produtiva com competitividade ao nível exigido por implacável concorrência internacional. O perfil globalizado dos mercados é hoje condição inamovível -goste-se ou não dele, aceite-se ou não sua despudorada assimetria!
Nesse contexto, atendido ao quesito da oferta, o ajuste das variáveis estruturais indutoras de crescimento exportador impõe cauteloso gradualismo. No manejo de vetores econômicos ordinariamente conflitantes, não se pode abordar pontualmente a matriz tributária nacional nem sintonizar isoladamente o câmbio ou o nível de crédito sem contemplar penoso risco de efeitos indesejáveis ao conjunto da economia. É consenso, ademais, que a sociedade rejeita vigorosamente um novo convívio com taxas inflacionárias crescentes!
Já o ajuste da competitividade logística dos bens de comércio exterior é tarefa pontual, exclusivamente dependente da combinação de dois elementos fundamentais, sem consequência insalubre para a estabilidade econômica: vontade política e envolvimento proativo, direto e consequente dos agentes privados mais importantes na matriz de comércio exterior do país -os importadores e os exportadores, em última análise, os donos das cargas!
No Brasil, entretanto, ainda prevalecem opções de manejo intermodal em itinerários no mínimo "heterodoxos", que mais se assemelham a roteiros turísticos que a caminhos logísticos! Os estágios intermediários de transferência pontificam e a soma de ônus e riscos desnecessários dai decorrentes tem sido debitada, até por inclinação cultural, à conta da ineficiência portuária!
Se no ambiente pretérito de ineficácia generalizada o famigerado "custo Brasil" impunha perdas à grande maioria, é evidente que uns poucos com ela ganhavam! É precisamente para a remoção desses interesses -legítimos, do ponto de vista de cada ente privado diretamente envolvido na atividade logística, mas conflitantes com o interesse nacional- que a associação supra referida de vontade política com decisão de mercado se faz necessária. Sem essa combinação, as mudanças ainda assim haverão de fluir, mas em ritmo que fatalmente desatende à urgência nacional por superávit na conta de comércio internacional!
Do cachorro de dois donos, diz-se que acaba morrendo de fome: um dos donos sempre transfere ao outro a tarefa de alimentá-lo! A formulação de uma política de comércio exterior que enseje acumulação de superávit em moeda conversível também só pode atender a um só e único senhor -o inadiável interesse nacional!
Resta aguardar que o viés exportador presente nos discursos de campanha enseje, já na alvorada do novo governo, um ciclo de esforços público e privado em nível capaz de dotar os bens de comércio exterior do Brasil com a competitividade logística que há muito reclamam -e que a importância de Santos conduza seu estratégico endereço ao primeiro capítulo de todos os planos!


Wady Jasmin é engenheiro e presidente da Santos Brasil S.A. (arrendatária do Terminal de Contêineres de Santos).

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