São Paulo, segunda-feira, 09 de setembro de 2002

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ENERGIA

MP muda regra, e revisão de tarifa pode ser antecipada para 2002

Governo já prepara novo socorro para as elétricas

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Na surdina, o governo está abrindo as portas para uma operação de salvamento das distribuidoras de energia elétrica mergulhadas em dívidas e prejuízos. A conta, mais uma vez, será rateada com o consumidor.
O primeiro passo nessa direção, segundo especialistas do setor ouvidos pela Folha, foi dado pela medida provisória nº 64, assinada no dia 26 de agosto pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Essa MP tira poder da agência reguladora do setor e, no extremo, transfere para o Ministério de Minas e Energia a revisão tarifária da energia elétrica", diz o deputado José Carlos Aleluia (PFL/BA).
Essa revisão está prevista nos contratos de concessão e começará no ano que vem, vigorando por cinco anos. "A definição de tarifas não pode ir para a alçada política; o Congresso deverá barrar isso", diz Aleluia.
Segundo James Correia, professor da Universidade Federal da Bahia e autor do plano de racionamento, essa transferência de poderes, que são da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), para o ministério, tem por objetivo viabilizar a antecipação da revisão tarifária do setor para este ano.
"Há uma articulação do governo e das distribuidoras para fazer a revisão depois do primeiro turno das eleições. Trata-se de uma grande armação", alerta Correia.
O consultor Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura, diz não acreditar que o governo adote qualquer "medida radical" antes da conclusão do processo eleitoral. "Mas, após as eleições, ele [governo] terá de fazer alguma coisa, pois as empresas estão afundando", diz.
Na sua opinião, para recuperar o setor elétrico será necessário um pacote de medidas que inclua aumento de tarifa, redução da carga tributária e extensão dos contratos iniciais de fornecimento de energia pelas geradoras.
Esses contratos, firmados na época da privatização, serão substituídos por leilões de energia, o que encarecerá o insumo. "Será preciso um pacote como o Proer ou o Proar para o setor", acrescenta Pires, referindo-se aos programas de socorro aos bancos e à aviação comercial.
Segundo Pires, com a MP o governo poderá implementar tal pacote e, inclusive, mudar as regras estabelecidas na semana passada pela Aneel para a revisão tarifária do setor. "Se forem aplicadas as regras da Aneel, as distribuidoras quebram ", diz Pires.
De acordo com a resolução nº 493 da Aneel, a base de cálculo para a revisão da remuneração tarifária será o custo de reposição dos ativos das empresas pelo seu valor de mercado.
As distribuidoras pleiteavam que as novas tarifas fossem calculadas de forma a remunerar o investimento feito na privatização, tomando como base o valor mínimo dos leilões. Segundo estimativas do mercado, isso resultaria em aumento de 34% nas tarifas.
Desde o Real, a tarifa residencial subiu 183%, segundo dados da Eletrobrás. "Agora, as empresas querem que o consumidor arque com o impacto do câmbio nos preços da energia de Itaipu, dos leilões de energia das geradoras e do custo de um endividamento malfeito na época da privatização", diz Maurício Tolmasquim, coordenador do Centro de Economia Energética e Ambiental da Coppe-UFRJ .

Nas entrelinhas
A MP nº 64, que está gerando polêmica entre os especialistas em energia, passou quase despercebida, pois não deixa explícita a transferência de atribuições da Aneel para o ministério.
Segundo Correia, esse é o resultado prático dos artigos 5º e 10 da medida provisória. "Essa mudança é absurda, pois a Aneel tem conseguido segurar os aumentos de tarifas e o ministério é mais sensível a pressões políticas", acrescenta.
Segundo Correia, a mesma MP já dá uma injeção de recursos extras no setor. Ela destina parte da RGR (Reserva Geral de Reversão) -uma quantia estimada entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão anuais- para cobrir eventuais perdas das distribuidoras com a tarifa social (com desconto para consumidores de baixa renda).
Os recursos da RGR são destinados a investimentos em energia alternativa, de acordo com a lei nº 10.438, que regulamentou a reposição das perdas das empresas com o racionamento. "A MP nº 64, no geral, favorece as distribuidoras com novos recursos, além de dar uma "esvaziada" no papel da Aneel no setor", diz Pires.
Para os analistas, essa destinação de recursos não faz sentido, já que ninguém sabe se haverá perda de receita para as distribuidoras com os novos critérios para enquadramento dos consumidores de baixa renda na tarifa social.
Até agora, cada distribuidora tinha uma forma de enquadramento. Na maioria dos casos, o critério era apenas o padrão de consumo. Quem consumia até 220 kWh por mês tinha desconto escalonado por faixa de consumo.


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