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LUÍS NASSIF
Lula, o legado de FHC
O jornalista Paulo Markun está terminando o livro em que narra as trajetórias
paralelas de Fernando Henrique Cardoso e Lula. O tema é
fascinante. Mostra ambos combatendo a ditadura, Lula
apoiando as primeiras incursões políticas de FHC, provavelmente FHC propondo a candidatura de Lula à Presidência
em 1994. E, finalmente, ambos
tecendo a transição para o novo governo, muito antes de as
eleições estarem decididas. Suspeita de Markun: FHC torcia
pela vitória de Lula. Apenas os
motivos não ficaram muito
claros: se torceu por Lula pensando em voltar ao poder, se
num pacto de não-agressão.
Seja lá o que for, quando terminaram as eleições, o candidato do governo, José Serra, tinha relacionado meia dúzia de
decisões adotadas por FHC a
partir do segundo semestre do
ano passado que beneficiavam
claramente a candidatura Lula, prejudicando a sua candidatura.
Esse será um tema para futuros historiadores, quando houver distanciamento para uma
avaliação mais serena do governo e da personalidade de
FHC. No ferver da chaleira, no
entanto, é possível avançar alguns subsídios sobre a questão.
O primeiro ponto a considerar é que FHC sempre foi uma
pessoa focada em um objetivo
único -o seu ego e sua biografia pessoal. Esse objetivo sempre ficou acima de conceitos
básicos de lealdade -partidária, pessoal, diria até nacional.
Ao longo da carreira e do governo, desfez-se de antigos
amigos e aliados com uma facilidade surpreendente. Nisso se
assemelhava muito a Juscelino
Kubitschek.
No poder, foi governante descuidado, acomodado, preguiçoso até, que se impôs uma única missão: a grande obra política da transição para um governo de esquerda. JK fez muito
mais. Preparou as bases para o
desenvolvimento e o modelo
político que lhe garantiu a governabilidade.
A diferença entre ambos é
que quem sucedeu JK foi Jânio
e, depois, Jango. E FHC teve Lula. A grande obra política de
FHC só seria completa se Lula
vencesse, não José Serra.
Companheiro de luta e competidores intelectuais, Serra
sempre teve uma visão de país
infinitamente mais consistente
que FHC. Não tinha o jogo de
cintura política, justamente o
terreno em que FHC queria
perpetuar sua memória.
A eventual vitória de Serra,
além de não significar o coroamento da obra política de FHC,
certamente exporia as diferenças de estilo, nos objetivos de
país, no ritmo da gestão, na
busca de resultados. A vitória
de Lula, até pela inexperiência
do PT com o poder, não exporia o contraste entre uma gestão eficaz e outra não.
Nas eleições, em plena crise
argentina, a avaliação sobre
seu legado era favorável. Mas,
em nome dessa obra, FHC sacrificou tudo, perspectiva de
desenvolvimento, capacidade
de investimento do Estado brasileiro, imposição de uma estrutura fiscalista que matou o
potencial de crescimento de
qualquer pequena ou média
empresa se inserir na economia
formal. Principalmente, desperdiçou uma brilhante geração de brasileiros, seus companheiros de partido, que poderiam ter mudado a história do
país, se o representante do grupo não fosse uma pessoa exclusivamente preocupada com
sua biografia pessoal.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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