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São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Lula, o legado de FHC

O jornalista Paulo Markun está terminando o livro em que narra as trajetórias paralelas de Fernando Henrique Cardoso e Lula. O tema é fascinante. Mostra ambos combatendo a ditadura, Lula apoiando as primeiras incursões políticas de FHC, provavelmente FHC propondo a candidatura de Lula à Presidência em 1994. E, finalmente, ambos tecendo a transição para o novo governo, muito antes de as eleições estarem decididas. Suspeita de Markun: FHC torcia pela vitória de Lula. Apenas os motivos não ficaram muito claros: se torceu por Lula pensando em voltar ao poder, se num pacto de não-agressão.
Seja lá o que for, quando terminaram as eleições, o candidato do governo, José Serra, tinha relacionado meia dúzia de decisões adotadas por FHC a partir do segundo semestre do ano passado que beneficiavam claramente a candidatura Lula, prejudicando a sua candidatura.
Esse será um tema para futuros historiadores, quando houver distanciamento para uma avaliação mais serena do governo e da personalidade de FHC. No ferver da chaleira, no entanto, é possível avançar alguns subsídios sobre a questão.
O primeiro ponto a considerar é que FHC sempre foi uma pessoa focada em um objetivo único -o seu ego e sua biografia pessoal. Esse objetivo sempre ficou acima de conceitos básicos de lealdade -partidária, pessoal, diria até nacional. Ao longo da carreira e do governo, desfez-se de antigos amigos e aliados com uma facilidade surpreendente. Nisso se assemelhava muito a Juscelino Kubitschek.
No poder, foi governante descuidado, acomodado, preguiçoso até, que se impôs uma única missão: a grande obra política da transição para um governo de esquerda. JK fez muito mais. Preparou as bases para o desenvolvimento e o modelo político que lhe garantiu a governabilidade.
A diferença entre ambos é que quem sucedeu JK foi Jânio e, depois, Jango. E FHC teve Lula. A grande obra política de FHC só seria completa se Lula vencesse, não José Serra.
Companheiro de luta e competidores intelectuais, Serra sempre teve uma visão de país infinitamente mais consistente que FHC. Não tinha o jogo de cintura política, justamente o terreno em que FHC queria perpetuar sua memória.
A eventual vitória de Serra, além de não significar o coroamento da obra política de FHC, certamente exporia as diferenças de estilo, nos objetivos de país, no ritmo da gestão, na busca de resultados. A vitória de Lula, até pela inexperiência do PT com o poder, não exporia o contraste entre uma gestão eficaz e outra não.
Nas eleições, em plena crise argentina, a avaliação sobre seu legado era favorável. Mas, em nome dessa obra, FHC sacrificou tudo, perspectiva de desenvolvimento, capacidade de investimento do Estado brasileiro, imposição de uma estrutura fiscalista que matou o potencial de crescimento de qualquer pequena ou média empresa se inserir na economia formal. Principalmente, desperdiçou uma brilhante geração de brasileiros, seus companheiros de partido, que poderiam ter mudado a história do país, se o representante do grupo não fosse uma pessoa exclusivamente preocupada com sua biografia pessoal.

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