São Paulo, quarta-feira, 09 de outubro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUÍS NASSIF

O PT no poder

O primeiro passo para avaliar um futuro governo petista é entender a correlação de forças internas do partido.
O PT surgiu dos movimentos sociais e se tornou ampla coligação de tendências de esquerda. À medida que foi se institucionalizando, o controle do partido passou a ser exercido por uma burocracia partidária que, nos últimos anos, consolidou seu poder. Nas últimas prévias do partido, a atual direção conquistou 65% dos votos dos militantes.
Esse poder hegemônico é constituído basicamente por ex-integrantes do grupo guerrilheiro VAR-Palmares e tem a liderança inconteste do deputado federal José Dirceu. Desde as derrotas dos anos 70, houve profunda revisão na maneira de pensar desse grupo. A guerra revolucionária e, especialmente, o episódio de deposição do presidente chileno Salvador Allende fortaleceram o conceito da "correlação de forças". A lógica é que toda ação tem que partir de uma análise cuidadosa da correlação de forças, da montagem de esquemas de alianças, da análise das forças em jogo, para evitar a desestabilização, quando da tomada do poder.
Nessa transição para o poder, o PT repetiu a saga de todos os partidos políticos brasileiros desde o Império. Para transformar o cacife popular em cacife político, recorre-se a política de alianças que praticamente enquadram todos os novos partidos na ótica convencional brasileira. As posições programáticas cedem lugar às pragmáticas.
Embora se possa esperar uma ação democrática do PT, ela não se deve a convicções democráticas, mas às circunstâncias políticas atuais. Mas o ponto de partida de um governo petista será a aposta na ampliação das alianças, com a cooptação de aliados, dentro do jogo político convencional.
A ampliação do círculo de alianças interessa à direção do PT em dois pontos: fortalece o partido perante os adversários externos e fortalece a direção perante os adversários internos. Dentro desse escopo, é possível esperar a seguinte linha de ação:
1) ministérios econômicos seriam entregues a não-petistas, com credibilidade em meio ao mercado. A cúpula do PT não vai correr nenhum risco de crise econômica. Mesmo assim, caso a crise se agrave, a estratégia inicial poderia ser revista, levando o partido a esquentar a retórica e radicalizar. De todo modo, não partirá do PT nenhuma iniciativa geradora de crise;
2) o grande ministério do governo petista seria o do Planejamento, sob o comando de José Dirceu, incumbido de articular um projeto de desenvolvimento econômico. Na prática, haverá duas funções para o Planejamento. A primeira, desfraldar a bandeira desenvolvimentista. A segunda, permitir articular um conjunto de alianças com os empresários nacionais, que serão os parceiros preferenciais;
3) provavelmente as alianças partidárias seguiriam a receita montada por Fernando Henrique Cardoso, de oferecer ministérios secundários para lideranças mais à direita. Seria quase impossível uma coalizão formal com o PSDB. O mais provável é a cooptação de quadros técnicos do partido.
Pairam dúvidas no ar sobre esse modelo de governabilidade. Se a crise econômica for contida, ele se consolida. Caso contrário, o que poderia ocorrer? Com todos os seus desacertos, mesmo em períodos de crise mais grave, o governo Fernando Henrique Cardoso jamais abriu mão dos princípios democráticos, de impessoalidade na ação pública, não recorreu à politização da máquina pública, não recuou na privatização e no modelo de profissionalização das grandes estatais nem tentou esmagar adversários políticos.
Como se comportaria um governo Lula caso a crise se agravasse e ele se sentisse politicamente enfraquecido? De que forma passaria a articular os movimentos mais radicais, tipo MST, ou se valeria da máquina pública? Como conteria os xiitas do partido e, especialmente, do Ministério Público, em caso de radicalização do processo político?
São respostas que apenas o futuro dirá.

E-mail -
LNassif@uol.com.br


Texto Anterior: Estoque alto põe em xeque os lançamentos
Próximo Texto: Aviação: Gol reajusta preço das passagens em 16%
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.