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RECEITA ORTODOXA
Política monetária aqui é mais rigorosa do que em outros locais que adotam sistema para controlar inflação
Metas funcionam pior no país, diz estudo
MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Os países que adotaram o sistema de metas de inflação conseguiram elevar a taxa de crescimento da economia e, ao mesmo
tempo, reduzir pela metade a taxa
de inflação. A exceção é o Brasil,
mostra estudo elaborado pela
Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo). Por aqui,
a inflação caiu pouco e a economia continuou com taxa anêmica
de crescimento.
O estudo, apesar de não questionar a adoção do sistema de metas -outra constatação é que os
países que não o adotaram registraram taxas de crescimentos menores-, critica a forma e o rigor
com os quais ele foi implementado no Brasil. Mostra, ainda, uma
série de problemas enfrentados
pela política monetária brasileira.
A implementação do sistema de
metas por aqui inaugurou um período de taxas de juros altas e de
baixo crescimento. Enquanto nos
quatro anos antes da adoção do
sistema, em 1999, a taxa média de
crescimento girava em torno de
2,5%, ela caiu para perto de 2%
nos quatro anos posteriores. Já a
inflação oscilou de média de 10%
para média próxima a 8%. Em outros 20 países analisados pelo estudo, a taxa média de crescimento
girava em torno de 2,5% antes do
sistema de metas e saltou para um
pouco mais de 3% depois. A inflação caiu de taxas em torno de 11%
para cerca de 4%.
Outra diferença: não há relação,
nos demais países, entre a adoção
das metas e altas taxas de juros.
"Ele [o sistema de metas de inflação] não tem que andar de braços
dados com juros altos", diz Paulo
Francini, diretor da Fiesp.
Expectativas
O primeiro problema: o Banco
Central usa as expectativas de inflação para avaliar se sobe ou não
a taxa de juros para conter a inflação. Para isso, as estima fazendo
pesquisa com instituições financeiras. A medida, no entanto, é
precária. Considerando sempre o
mês de junho de cada ano, mostra
a pesquisa, o único ano em que as
estimativas de mercado ficaram
próximas ao que realmente ocorreu no ano seguinte foi em 2003.
Naquele ano, o mercado estimava, em junho, inflação de 7,4% para 2004, ano em que a taxa ficou
em 7,6%. Nos demais, as previsões ficaram longe da inflação registrada no ano seguinte.
A Fiesp não critica o erro das
projeções, já que é realmente difícil estimar a inflação com prazos
relativamente longos, principalmente em uma economia sujeita a
choques, como a brasileira. O
problema, diz o levantamento, está no fato de o BC reagir às expectativas, elevando os juros.
"Outros bancos centrais são
mais cuidadosos com essas pesquisas. O da Nova Zelândia faz
cinco pesquisas com diferentes
grupos, inclusive fora do mercado
financeiro. Ainda assim, a avaliação dos próprios técnicos de lá é
que é uma medida precária, apesar de útil", diz o diretor da Fiesp.
Curiosamente, a expectativa do
mercado nos meses de junho é
sempre muito próxima à meta estabelecida pelo governo para o
ano seguinte. Ou seja, na prática
os analistas consideram que o BC
ficará perto da meta e estimam
uma taxa próxima a ela. As variações nas estimativas ficam mais
por conta do cenário presente da
inflação do que por uma avaliação
sobre o futuro. Pelo menos quando o futuro ainda está mais de 12
meses à frente.
Produto potencial
Outro instrumento utilizado pelo BC é o chamado produto potencial, uma medida da capacidade de crescimento da economia.
Na prática, o BC tenta estimar
qual a taxa de crescimento que
pode ser atingida pelo país, chegando a um potencial de crescimento. Se a economia cresce mais
que o potencial, é sinal de que haverá pressões inflacionárias, com
a chamada inflação de demanda:
com o aquecimento, sobe a procura por bens e serviços, e seus
preços aumentam porque a oferta
não consegue acompanhar a alta.
O problema, diz a indústria, é
que a autoridade monetária está
subestimando a capacidade do
setor de elevar sua produção e
atender ao aumento de procura
que o crescimento econômico
mais acelerado causaria. Pesquisa
com mil indústrias de São Paulo,
também elaborada pela Fiesp,
mostra que, diante da aceleração
da procura por seus produtos, as
indústrias são capazes de aumentar a produção em 19% apenas
utilizando horas extras. Outro aumento, de 29,75%, poderia ser
conseguido com a adoção de turno adicional de trabalho. Investimentos pontuais, para atender a
possíveis gargalos de produção,
ajudariam a elevá-la em 28,9%. A
comparação é sempre em relação
ao pico histórico de produção já
atingido pelas indústrias que participaram da pesquisa.
Câmbio
Outro aspecto levantado pelo
estudo é o papel do câmbio no
controle da inflação. O dólar caiu
18,2% em 2003, 8,1% em 2004 e, se
chegar ao final do ano em R$ 2,45,
como projetam os analistas consultados pelo BC, cairá 7,7% neste
ano. Apenas a valorização do real,
mostram as estimativas da Fiesp,
contribui para que a inflação deste ano seja 23% menor do que a
inflação esperada no caso de ausência de alterações no câmbio.
O cenário, aponta o estudo, é
parecido com o dos anos de 1997 e
1998, quando o câmbio valorizado ajudou na queda da inflação. O
problema, aponta Francini, é que
os atuais níveis de câmbio não são
sustentáveis. Cedo ou tarde, a desvalorização da moeda brasileira
exercerá pressões inflacionárias, o
que poderá obrigar o BC a novamente elevar as taxas de juros,
comprometendo o crescimento.
Preços monitorados
Outra barreira para o bom funcionamento do sistema de metas
no Brasil: a existência de uma proporção alta de preços ainda indexados. Neste caso, aponta não só
o estudo da Fiesp como os de uma
série de analistas de outras instituições, a elevação de juros é inócua para conter as altas dos preços, já que eles são corrigidos por
cláusulas contratuais.
"A velocidade com que se tentou baixar a inflação levou a uma
política anticrescimento", avalia
Francini. Para a indústria, diz ele,
a tentativa de derrubar a inflação
quando ela era gerada pela alta
desses preços comprimiu margens de lucro e transferiu renda
para outros setores.
Ele mostra, por exemplo, que
em 1999 a proporção de produtos
ou serviços com preços administrados consumidos pela indústria
era de 16,3%. Em 2005, essa proporção deve ficar em 20,7%. Ou
seja, a indústria passou a gastar
mais com insumos com preços
monitorados, não sensíveis às altas de juros, e que subiram, em
média, mais que os preços livres.
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