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LIGAÇÕES PERIGOSAS
Ex-dirigente diz que empresa, da qual fundos de pensão são sócios, foi obrigada a comprar a CRT por valor maior
Brasil Telecom sofreu pressão política, diz Cico
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
No Brasil há nove anos, a italiana Carla Cico, 44, presidiu a Brasil
Telecom até a semana retrasada.
Indicada pelo banqueiro Daniel
Dantas para a função, perdeu o
cargo após o Opportunity ter sido
destituído do comando da tele pelos fundos de pensão (Previ, Petros e Funcef), o que pôs fim a
uma disputa societária que se arrastava havia seis anos.
Na opinião da executiva, os fundos de pensão sempre brigaram
pelo controle da Brasil Telecom
em defesa de interesses privados,
o que os fundos já negaram diversas vezes. "O verdadeiro plano
era, e eu acho que ainda é, fazer
uma fusão entre a Telemar e a
Brasil Telecom. Do contrário, não
se explica muita coisa", afirmou.
No começo deste ano, os fundos
se uniram ao Citibank (também
acionista da Brasil Telecom) para
tirar o Opportunity do comando
da operadora de telefonia fixa, o
que culminou com a saída de Carla Cico da empresa.
Em 2004, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão nas casas de Cico e de Daniel
Dantas como desdobramento do
caso Kroll. Em julho do ano passado, a Folha revelou que investigações realizadas pela Kroll, contratada pela Brasil Telecom, teriam resvalado em integrantes do
governo, como o então ministro
Luiz Gushiken (Comunicação de
Governo) e o presidente do Banco
do Brasil na época, Cassio Casseb.
Cico disse que a Kroll foi contratada, no final de 2002, para avaliar
possíveis prejuízos causados pela
Telecom Italia à Brasil Telecom na
compra da CRT, em 2000. Os italianos são acionistas da Brasil Telecom. Ela negou que Gushiken
tivesse sido alvo da Kroll, mas disse que Casseb pode ter sido investigado devido a seu relacionamento com a Telecom Italia.
"Fomos acusados de termos investigado Cassio Casseb. Mas o
fato é o seguinte: ninguém perguntou ao sr. Cassio Casseb o que
ele estava fazendo numa reunião
em Lisboa com representantes da
Telecom Italia."
Assim como Daniel Dantas, Cico diz que a Brasil Telecom foi
obrigada a comprar a CRT por
um preço mais alto do que a companhia valeria devido a pressões
políticas. Esse teria sido o estopim
da briga entre o Opportunity e os
fundos de pensão, que teriam
apoiado a aquisição da CRT por
um valor maior, de acordo com
Cico e Dantas.
"Sinceramente, para mim, foi a
primeira vez em que eu, que sou
estrangeira, comecei a perceber
como existe um incesto, um relacionamento muito forte no Brasil
entre negócios e política."
Cico foi convidada por Dantas a
trabalhar para o Opportunity em
1999, quando representava a Telecom Italia no Brasil. Depois de
presidir a Brasil Telecom por quatro anos, disse que só vai pensar
em seu futuro após correr a maratona de Nova York, no dia 6 do
mês que vem.
Folha - A sra. ouviu falar de pressões políticas para a compra da CRT
acima do preço?
Carla Cico - Eu vi a conversa de
US$ 730 milhões [proposta inicial
para a compra da CRT], eu vi a
proposta da Telecom Italia assinada com a Telefónica [acertada
na Europa, pela qual os italianos
teriam oferecido US$ 850 milhões
aos espanhóis, donos da CRT]. A
partir de agora, eu falo sobre o
que eu ouvi e o que me foi relatado. É verdade que começou um
processo desgastante [de pressões
políticas]. Sinceramente, para
mim, foi a primeira vez em que
eu, que sou estrangeira, comecei a
perceber como existe um incesto,
um relacionamento muito forte
no Brasil entre negócios e política.
Olhando agora, ali [em 2000]
começamos a perceber um movimento, provavelmente político,
que estava influenciando determinadas decisões que deveriam
ser só empresariais. Tanto que a
Brasil Telecom acabou pagando
US$ 800 milhões [pela CRT].
Folha - Que interesses poderia
haver por trás dessas pressões políticas?
Cico - Não posso falar porque
não sei que tipo. Agora, você tem
uma mercadoria pela qual pode
pagar US$ 730 milhões, mas quer
pagar US$ 850 milhões. Ou é um
idiota, com dinheiro para sobrar,
ou claramente existem outros interesses. Não se explica isso.
Folha - Os representantes do Opportunity na Brasil Telecom assinaram todas as atas referentes à compra da CRT, concordando com o
preço de US$ 800 milhões. Cederam às pressões?
Cico - Quando fui chamada pelo
Conselho de Administração [da
Brasil Telecom] para aprovar o
preço de US$ 800 milhões, eu falei
para o Daniel Dantas: não aceita.
Eu lembro que ele me disse: "Carla, infelizmente as coisas não são
assim, branco no preto. Estou
tendo pressões para que sejam
US$ 800 milhões". Disse que havia outras razões, mas na hora
não me explicou.
Folha - Por que os fundos de pensão sempre quiseram tirar o Opportunity do comando da Brasil Telecom?
Cico - Primeiro, os fundos de
pensão se aliaram à Telecom Italia
contra o Opportunity. Hoje, os
fundos de pensão saíram da Telecom Italia e se aliaram ao Citibank. Acho que os fundos de pensão sempre trabalharam para poder gerir interesses, entres aspas,
privados. Porque, do contrário,
não se explica. Eles é que pulam
de um lugar para outro. Para Daniel Dantas e a Telecom Italia, esse
assunto sempre foi comercial.
Folha - Em sua opinião, mais do
que defender interesses políticos,
os fundos de pensão defendem interesses privados?
Cico - Acho que não é segredo,
estava na imprensa, que o verdadeiro plano era, e eu acho que ainda é, fazer uma fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom. Do contrário, não se explica muita coisa.
Folha - A sra. ouviu falar na possibilidade de haver um decreto presidencial alterando a legislação de
modo a permitir a fusão entre Telemar e Brasil Telecom?
Cico - Falaram-me que existiria
um decreto, já na mão do presidente, para alterar a lei. Nessa
evolução, tem muita lógica [...]
Folha - Como funcionava a investigação feita pela Kroll?
Cico - Não era do meu cargo falar
como fazer a investigação.
Folha - Fazia parte da investigação investigar políticos, como o ministro Luiz Gushiken?
Cico - O ministro Gushiken nunca foi alvo de investigações [...]
Folha - E o Casseb?
Cico - O Casseb foi representante
da Telecom Italia no Conselho de
Administração da Brasil Telecom.
Se no curso da investigação existe
um encontro da Telecom Italia, e
aparece o Cassio Casseb, isso não
significa que a gente estava atrás
dele [...] Fomos acusados de ter
investigado Cassio Casseb. Mas
ninguém perguntou ao sr. Cassio
Casseb o que ele estava fazendo
numa reunião em Lisboa com representantes da Telecom Italia. Se
era reunião aberta, não haveria
[razão] para esconder.
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