São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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LIGAÇÕES PERIGOSAS

Ex-dirigente diz que empresa, da qual fundos de pensão são sócios, foi obrigada a comprar a CRT por valor maior

Brasil Telecom sofreu pressão política, diz Cico

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

No Brasil há nove anos, a italiana Carla Cico, 44, presidiu a Brasil Telecom até a semana retrasada. Indicada pelo banqueiro Daniel Dantas para a função, perdeu o cargo após o Opportunity ter sido destituído do comando da tele pelos fundos de pensão (Previ, Petros e Funcef), o que pôs fim a uma disputa societária que se arrastava havia seis anos.
Na opinião da executiva, os fundos de pensão sempre brigaram pelo controle da Brasil Telecom em defesa de interesses privados, o que os fundos já negaram diversas vezes. "O verdadeiro plano era, e eu acho que ainda é, fazer uma fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom. Do contrário, não se explica muita coisa", afirmou.
No começo deste ano, os fundos se uniram ao Citibank (também acionista da Brasil Telecom) para tirar o Opportunity do comando da operadora de telefonia fixa, o que culminou com a saída de Carla Cico da empresa.
Em 2004, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão nas casas de Cico e de Daniel Dantas como desdobramento do caso Kroll. Em julho do ano passado, a Folha revelou que investigações realizadas pela Kroll, contratada pela Brasil Telecom, teriam resvalado em integrantes do governo, como o então ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) e o presidente do Banco do Brasil na época, Cassio Casseb.
Cico disse que a Kroll foi contratada, no final de 2002, para avaliar possíveis prejuízos causados pela Telecom Italia à Brasil Telecom na compra da CRT, em 2000. Os italianos são acionistas da Brasil Telecom. Ela negou que Gushiken tivesse sido alvo da Kroll, mas disse que Casseb pode ter sido investigado devido a seu relacionamento com a Telecom Italia.
"Fomos acusados de termos investigado Cassio Casseb. Mas o fato é o seguinte: ninguém perguntou ao sr. Cassio Casseb o que ele estava fazendo numa reunião em Lisboa com representantes da Telecom Italia."
Assim como Daniel Dantas, Cico diz que a Brasil Telecom foi obrigada a comprar a CRT por um preço mais alto do que a companhia valeria devido a pressões políticas. Esse teria sido o estopim da briga entre o Opportunity e os fundos de pensão, que teriam apoiado a aquisição da CRT por um valor maior, de acordo com Cico e Dantas.
"Sinceramente, para mim, foi a primeira vez em que eu, que sou estrangeira, comecei a perceber como existe um incesto, um relacionamento muito forte no Brasil entre negócios e política."
Cico foi convidada por Dantas a trabalhar para o Opportunity em 1999, quando representava a Telecom Italia no Brasil. Depois de presidir a Brasil Telecom por quatro anos, disse que só vai pensar em seu futuro após correr a maratona de Nova York, no dia 6 do mês que vem.

Folha - A sra. ouviu falar de pressões políticas para a compra da CRT acima do preço?
Carla Cico -
Eu vi a conversa de US$ 730 milhões [proposta inicial para a compra da CRT], eu vi a proposta da Telecom Italia assinada com a Telefónica [acertada na Europa, pela qual os italianos teriam oferecido US$ 850 milhões aos espanhóis, donos da CRT]. A partir de agora, eu falo sobre o que eu ouvi e o que me foi relatado. É verdade que começou um processo desgastante [de pressões políticas]. Sinceramente, para mim, foi a primeira vez em que eu, que sou estrangeira, comecei a perceber como existe um incesto, um relacionamento muito forte no Brasil entre negócios e política.
Olhando agora, ali [em 2000] começamos a perceber um movimento, provavelmente político, que estava influenciando determinadas decisões que deveriam ser só empresariais. Tanto que a Brasil Telecom acabou pagando US$ 800 milhões [pela CRT].

Folha - Que interesses poderia haver por trás dessas pressões políticas?
Cico -
Não posso falar porque não sei que tipo. Agora, você tem uma mercadoria pela qual pode pagar US$ 730 milhões, mas quer pagar US$ 850 milhões. Ou é um idiota, com dinheiro para sobrar, ou claramente existem outros interesses. Não se explica isso.

Folha - Os representantes do Opportunity na Brasil Telecom assinaram todas as atas referentes à compra da CRT, concordando com o preço de US$ 800 milhões. Cederam às pressões?
Cico -
Quando fui chamada pelo Conselho de Administração [da Brasil Telecom] para aprovar o preço de US$ 800 milhões, eu falei para o Daniel Dantas: não aceita. Eu lembro que ele me disse: "Carla, infelizmente as coisas não são assim, branco no preto. Estou tendo pressões para que sejam US$ 800 milhões". Disse que havia outras razões, mas na hora não me explicou.

Folha - Por que os fundos de pensão sempre quiseram tirar o Opportunity do comando da Brasil Telecom?
Cico -
Primeiro, os fundos de pensão se aliaram à Telecom Italia contra o Opportunity. Hoje, os fundos de pensão saíram da Telecom Italia e se aliaram ao Citibank. Acho que os fundos de pensão sempre trabalharam para poder gerir interesses, entres aspas, privados. Porque, do contrário, não se explica. Eles é que pulam de um lugar para outro. Para Daniel Dantas e a Telecom Italia, esse assunto sempre foi comercial.

Folha - Em sua opinião, mais do que defender interesses políticos, os fundos de pensão defendem interesses privados?
Cico -
Acho que não é segredo, estava na imprensa, que o verdadeiro plano era, e eu acho que ainda é, fazer uma fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom. Do contrário, não se explica muita coisa.

Folha - A sra. ouviu falar na possibilidade de haver um decreto presidencial alterando a legislação de modo a permitir a fusão entre Telemar e Brasil Telecom?
Cico -
Falaram-me que existiria um decreto, já na mão do presidente, para alterar a lei. Nessa evolução, tem muita lógica [...]

Folha - Como funcionava a investigação feita pela Kroll?
Cico -
Não era do meu cargo falar como fazer a investigação.

Folha - Fazia parte da investigação investigar políticos, como o ministro Luiz Gushiken?
Cico -
O ministro Gushiken nunca foi alvo de investigações [...]

Folha - E o Casseb?
Cico -
O Casseb foi representante da Telecom Italia no Conselho de Administração da Brasil Telecom. Se no curso da investigação existe um encontro da Telecom Italia, e aparece o Cassio Casseb, isso não significa que a gente estava atrás dele [...] Fomos acusados de ter investigado Cassio Casseb. Mas ninguém perguntou ao sr. Cassio Casseb o que ele estava fazendo numa reunião em Lisboa com representantes da Telecom Italia. Se era reunião aberta, não haveria [razão] para esconder.


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