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AMÉRICAS
Para entidade, países têm de cumprir acordos e ter mecanismos de solução de controvérsias que dêem segurança a investidores
Região tem déficit institucional, diz Cepal
DA REPORTAGEM LOCAL
A integração da América Latina
só irá se consolidar quando houver mecanismos de solução de
controvérsias eficazes, que dêem
segurança a exportadores e investidores, afirma Osvaldo Rosales,
diretor da Divisão de Comércio
Internacional e Integração da Cepal (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe).
A seguir, os principais trechos
da entrevista concedida por Rosales à Folha por telefone:
Folha - Quais são os problemas na
integração da América do Sul?
Osvaldo Rosales - Os esquemas
de integração sub-regional enfrentam sério déficit de credibilidade e de objetivos. A experiência
mostra que há uma grande distância entre retórica e prática. Escutamos muitos discursos bolivarianos, mas os países até agora
não se mostraram capazes de levar à prática o que acordam.
Além disso, temos a erupção de
acordos bilaterais com os Estados
Unidos. Acordos com América
Central, República Dominicana,
provavelmente Panamá e, no âmbito andino, com Equador, Colômbia, Peru e, possivelmente,
Bolívia, dentro de alguns anos.
Folha - A velocidade dos acordos
com os Estados Unidos é maior que
a dos acordos firmados entre países da América Latina?
Rosales - Eu diria que a negociação andina, com Equador, Colômbia e Peru, está bastante avançada e existe probabilidade de que
esteja concluída até dezembro.
Depois, o acordo ainda depende
da aprovação do Congresso norte-americano, em relação à qual é
difícil fazer prognósticos.
Creio que é difícil que a administração de Bush envie ao Congresso um assunto delicado em
2006, quando haverá eleições. Independentemente disso, acredito
que os acordos com os Estados
Unidos colocam desafios aos esquemas de integração.
Nesses acordos, os países membros da Comunidade Andina ou
da América Central estão assumindo com os Estados Unidos
compromissos mais amplos e
mais profundos do que os que
possuem entre eles próprios.
Folha - O sr. pode dar exemplos?
Rosales - No âmbito andino, não
há acordos de investimentos, serviços, compras públicas, propriedade intelectual ou políticas de
concorrência. Existe só comércio
de bens. Mas esses temas estão no
acordo com os Estados Unidos.
Folha - Qual o impacto disso?
Rosales - Suponhamos que não
haja nenhuma adequação dos esquemas de integração. Isso significa que os exportadores de Peru,
Colômbia e Equador vão ter um
tratamento quando vendam para
os Estados Unidos e um regime
distinto quando estejam exportando para a Comunidade Andina de Nações [Colômbia, Equador, Bolívia, Peru e Venezuela].
Folha - Por que o comércio dentro
da América Latina é baixo?
Rosales - Em geral o comércio na
região ainda está dominado por
produtos primários, e os principais mercados para eles são as
economias industrializadas. Como temos um comércio pouco diversificado, temos pouco comércio intracomunitário.
Além disso, temos déficit de conexão. De qualquer capital da região há vários vôos para Miami.
Mas você terá muitos problemas
se quiser ir de Santiago a Bogotá.
Isso se repete nas estradas e nas
ferrovias. Tudo está desenhado
para exportar para o Norte.
Folha - Diante dessas dificuldades, tem sentido continuar falando
de integração latino-americana ou
da América do Sul?
Rosales - Creio que sim, na medida em que sejamos capazes de
corrigir as deficiências dos planos
de integração. Isso supõe que
cumpramos o que acordamos.
Contar com mecanismos de solução de controvérsias que sejam
eficazes e vinculantes. Também
começar a incorporar temas que
são próprios da globalização, como serviços e investimentos. Não
podemos continuar com um esquema de integração desenhado
para a realidade da década de 50.
Folha - O projeto de integração
da América do Sul é defendido por
outros presidentes da região com o
mesmo entusiasmo do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva?
Rosales - Creio que isso está relacionado com o que estamos falando: unificar sistemas de solução
de controvérsias, unificar normas
de origem nos acordos regionais,
incorporar novos temas. Se se caminha nessa direção, será um objetivo buscado por todos os países
da região. Agora, se permanecemos na retórica, teremos mais
uma idéia que não sai do papel.
Folha - Até o fim deste ano haverá
na prática um acordo de livre comércio em toda a América do Sul?
Rosales - O que vai existir é um
acordo bastante limitado, porque
vai abarcar apenas bens. O maior
problema é que eles não estão dotados de um mecanismo de solução de controvérsias que dê segurança jurídica às decisões de investidores e exportadores. Sem isso, vai ser difícil conseguir grandes investimentos em integração.
Folha - Nos acordos com EUA essas questões estão resolvidas?
Rosales - Nesses acordos, os mecanismos de solução de controvérsias são mais vinculantes, o
que faz com que os investidores se
sintam mais seguros.
Folha - Pode-se dizer que os Estados Unidos estão conseguindo estabelecer laços com os países da região mais consistentes e profundos
que os países da própria região?
Rosales - Ainda não, mas há
condições para que o fluxo de comércio cresça no tempo. A região
vai ter de enfrentar uma discussão
de fundo a respeito do que fazer.
Não há só a erupção dos Estados
Unidos. Também há a região asiática. O Chile tem acordo de livre
comércio com Coréia do Sul, Nova Zelândia, Cingapura, está concluindo um com a China e no próximo ano vai iniciar negociação
com o Japão. O Peru está negociando com Tailândia e vai começar discussões com Cingapura.
Nesse contexto em que os países
da região se orientam aos Estados
Unidos ou aos mercados asiáticos, os esquemas de integração
vão ter de se adequar rapidamente, sob pena de ficarem com algo
meramente formal.
Quando países como Peru e
Chile se aproximam da China,
vêem que há muitas ações que
têm de ser abordadas em conjunto. Qualquer iniciativa de comércio e investimento com a China
exige uma escala que dificilmente
pode ser dada só por um país. É
preciso uma visão coordenada.
Também é necessário oferecer
um mercado amplo, unificado,
com segurança jurídica. O grande
risco é termos distintos acordos
cruzados entre nós, sem um grande acordo com disciplinas comuns. Estamos perdendo uma
grande oportunidade.
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