São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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AMÉRICAS

Para entidade, países têm de cumprir acordos e ter mecanismos de solução de controvérsias que dêem segurança a investidores

Região tem déficit institucional, diz Cepal

DA REPORTAGEM LOCAL

A integração da América Latina só irá se consolidar quando houver mecanismos de solução de controvérsias eficazes, que dêem segurança a exportadores e investidores, afirma Osvaldo Rosales, diretor da Divisão de Comércio Internacional e Integração da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por Rosales à Folha por telefone:

Folha - Quais são os problemas na integração da América do Sul?
Osvaldo Rosales -
Os esquemas de integração sub-regional enfrentam sério déficit de credibilidade e de objetivos. A experiência mostra que há uma grande distância entre retórica e prática. Escutamos muitos discursos bolivarianos, mas os países até agora não se mostraram capazes de levar à prática o que acordam.
Além disso, temos a erupção de acordos bilaterais com os Estados Unidos. Acordos com América Central, República Dominicana, provavelmente Panamá e, no âmbito andino, com Equador, Colômbia, Peru e, possivelmente, Bolívia, dentro de alguns anos.

Folha - A velocidade dos acordos com os Estados Unidos é maior que a dos acordos firmados entre países da América Latina?
Rosales -
Eu diria que a negociação andina, com Equador, Colômbia e Peru, está bastante avançada e existe probabilidade de que esteja concluída até dezembro. Depois, o acordo ainda depende da aprovação do Congresso norte-americano, em relação à qual é difícil fazer prognósticos.
Creio que é difícil que a administração de Bush envie ao Congresso um assunto delicado em 2006, quando haverá eleições. Independentemente disso, acredito que os acordos com os Estados Unidos colocam desafios aos esquemas de integração.
Nesses acordos, os países membros da Comunidade Andina ou da América Central estão assumindo com os Estados Unidos compromissos mais amplos e mais profundos do que os que possuem entre eles próprios.

Folha - O sr. pode dar exemplos?
Rosales -
No âmbito andino, não há acordos de investimentos, serviços, compras públicas, propriedade intelectual ou políticas de concorrência. Existe só comércio de bens. Mas esses temas estão no acordo com os Estados Unidos.

Folha - Qual o impacto disso?
Rosales -
Suponhamos que não haja nenhuma adequação dos esquemas de integração. Isso significa que os exportadores de Peru, Colômbia e Equador vão ter um tratamento quando vendam para os Estados Unidos e um regime distinto quando estejam exportando para a Comunidade Andina de Nações [Colômbia, Equador, Bolívia, Peru e Venezuela].

Folha - Por que o comércio dentro da América Latina é baixo?
Rosales -
Em geral o comércio na região ainda está dominado por produtos primários, e os principais mercados para eles são as economias industrializadas. Como temos um comércio pouco diversificado, temos pouco comércio intracomunitário.
Além disso, temos déficit de conexão. De qualquer capital da região há vários vôos para Miami. Mas você terá muitos problemas se quiser ir de Santiago a Bogotá. Isso se repete nas estradas e nas ferrovias. Tudo está desenhado para exportar para o Norte.

Folha - Diante dessas dificuldades, tem sentido continuar falando de integração latino-americana ou da América do Sul?
Rosales -
Creio que sim, na medida em que sejamos capazes de corrigir as deficiências dos planos de integração. Isso supõe que cumpramos o que acordamos. Contar com mecanismos de solução de controvérsias que sejam eficazes e vinculantes. Também começar a incorporar temas que são próprios da globalização, como serviços e investimentos. Não podemos continuar com um esquema de integração desenhado para a realidade da década de 50.

Folha - O projeto de integração da América do Sul é defendido por outros presidentes da região com o mesmo entusiasmo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Rosales -
Creio que isso está relacionado com o que estamos falando: unificar sistemas de solução de controvérsias, unificar normas de origem nos acordos regionais, incorporar novos temas. Se se caminha nessa direção, será um objetivo buscado por todos os países da região. Agora, se permanecemos na retórica, teremos mais uma idéia que não sai do papel.

Folha - Até o fim deste ano haverá na prática um acordo de livre comércio em toda a América do Sul?
Rosales -
O que vai existir é um acordo bastante limitado, porque vai abarcar apenas bens. O maior problema é que eles não estão dotados de um mecanismo de solução de controvérsias que dê segurança jurídica às decisões de investidores e exportadores. Sem isso, vai ser difícil conseguir grandes investimentos em integração.

Folha - Nos acordos com EUA essas questões estão resolvidas?
Rosales -
Nesses acordos, os mecanismos de solução de controvérsias são mais vinculantes, o que faz com que os investidores se sintam mais seguros.

Folha - Pode-se dizer que os Estados Unidos estão conseguindo estabelecer laços com os países da região mais consistentes e profundos que os países da própria região?
Rosales -
Ainda não, mas há condições para que o fluxo de comércio cresça no tempo. A região vai ter de enfrentar uma discussão de fundo a respeito do que fazer. Não há só a erupção dos Estados Unidos. Também há a região asiática. O Chile tem acordo de livre comércio com Coréia do Sul, Nova Zelândia, Cingapura, está concluindo um com a China e no próximo ano vai iniciar negociação com o Japão. O Peru está negociando com Tailândia e vai começar discussões com Cingapura.
Nesse contexto em que os países da região se orientam aos Estados Unidos ou aos mercados asiáticos, os esquemas de integração vão ter de se adequar rapidamente, sob pena de ficarem com algo meramente formal.
Quando países como Peru e Chile se aproximam da China, vêem que há muitas ações que têm de ser abordadas em conjunto. Qualquer iniciativa de comércio e investimento com a China exige uma escala que dificilmente pode ser dada só por um país. É preciso uma visão coordenada.
Também é necessário oferecer um mercado amplo, unificado, com segurança jurídica. O grande risco é termos distintos acordos cruzados entre nós, sem um grande acordo com disciplinas comuns. Estamos perdendo uma grande oportunidade.


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