São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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AMÉRICAS

Norte-americanos negociam acordo de livre comércio com Peru, Equador e Colômbia mais amplo do que o assinado com Brasil

Integração esbarra em ofensiva dos EUA

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

O projeto brasileiro de integrar a América do Sul em um bloco econômico e político esbarra na ofensiva dos Estados Unidos na região, fortalecida pela irresistível sedução da oferta de acesso a seu mercado de US$ 12 trilhões.
Os norte-americanos já têm um tratado de livre comércio com o Chile e estão na etapa final de negociação de um acordo com Peru, Equador e Colômbia.
Em setembro, o Paraguai disse que gostaria de negociar um tratado de livre comércio com o vizinho do Norte, o que implicaria sua saída do Mercosul, bloco integrado ainda por Brasil, Argentina e Uruguai. A contrapartida seria a ampliação da presença militar dos norte-americanos no país.
A investida dos EUA na região ganhou força depois que as negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) entraram em banho-maria, em 2003. Diante do impasse nas discussões, o governo Bush anunciou que buscaria a integração continental de qualquer maneira, por meio da negociação de acordos bilaterais ou com grupos de países.
Além de ser o maior mercado do mundo, os EUA são o principal destino das exportações da maioria dos países da América Latina, incluindo o Brasil, e absorvem 32,1% das vendas da região.
"Com exceção do Mercosul, todos os países da América Latina têm uma enorme dependência dos Estados Unidos, o que os coloca em posição de fragilidade na negociação", observa Marcos Jank, do Icone (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais).
Apesar de menor, o comércio do Mercosul com os norte-americanos também é importante e representou, em 2004, 18,3% das vendas do bloco ao exterior, índice superado apenas pela União Européia, com 23,0%, segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).
Os números mostram que as trocas comerciais entre os países da América Latina estão abaixo das realizadas por eles com os EUA. Dentro das quatro sub-regiões (Mercosul, Comunidade Andina, Caribe e América Central), o percentual de exportações destinadas aos vizinhos foi de 12,7% em 2004. O comércio entre os quatro blocos ficou em 14,8%. Na União Européia, as operações intra-regionais rondam os 60%.
Osvaldo Rosales, diretor da Divisão de Comércio Internacional e Integração da Cepal, afirma que a precariedade da infra-estrutura dificulta o aumento das exportações entre os países da região. "Tudo está desenhado para exportarmos para o Norte."
A ofensiva dos EUA traz uma dificuldade adicional para o Brasil e seus parceiros no Mercosul: os acordos que os norte-americanos estão firmando são bem mais abrangentes que os existentes entre os países da região.
O Itamaraty afirma que até o fim deste ano praticamente toda a América do Sul estará ligada por uma teia de acordos de livre comércio. As exceções serão Suriname e Guiana, que ainda estão em etapa preliminar da negociação.
O problema é que esses acordos abrangem somente o comércio de bens, enquanto os que estão sendo celebrados pelos norte-americanos incluem serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual.
Jank e o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa fizeram estudo que alerta para o risco de o Brasil perder as vantagens de acesso que possui nos países da região, em razão dos tratados que eles estão negociando com os Estados Unidos.
"Uma vez que os EUA são grandes exportadores de determinados produtos e passam a gozar de preferências superiores às brasileiras, observa-se aumento das suas exportações, em detrimento das do Brasil", diz o estudo.
Segundo Jank, os norte-americanos estão sendo extremamente agressivos na conversas com os países latino-americanos, que negociam de maneira isolada ou em pequenos blocos, sem poder de barganha. O resultado é que cláusulas que não interessam aos Estados Unidos ficam fora dos tratados, enquanto as prejudiciais aos latino-americanos são incluídas.
A realização desses tratados exigirá a revisão dos acordos existentes entre os países da região para, "no mínimo", equipará-los aos assinados com os Estados Unidos, defende Barbosa.
Na opinião de Jank, o caminho ideal para a integração hemisférica seria a continuidade das discussões da Alca. "Tínhamos uma negociação em bloco que era muito mais equilibrada."
Barbosa, que foi embaixador durante a gestão Fernando Henrique Cardoso, afirma que o atual governo erra ao não buscar de maneira mais agressiva uma aproximação com os Estados Unidos, sem detrimento da aposta na integração regional.
O Itamaraty responde que o relacionamento com os norte-americanos é prioritário, mas não exclui a busca de outros parceiros. "Em comércio, a monogamia não é uma virtude", costuma repetir o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Diretora do Programa Américas do Centro de Pesquisa Inter-Hemisférica, dos EUA, Laura Carlsen diz acreditar que a estratégia norte-americana na região tem o objetivo geopolítico de dificultar o projeto de integração regional defendido pelo Brasil.
Carlsen ressalta que o governo Bush teve dificuldades para aprovar no Congresso o acordo com países da América Central e tudo indica que os próximos tratados poderão encontrar resistência ainda maior.


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