|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
AMÉRICAS
Norte-americanos negociam acordo de livre comércio com Peru, Equador e Colômbia mais amplo do que o assinado com Brasil
Integração esbarra em ofensiva dos EUA
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
O projeto brasileiro de integrar
a América do Sul em um bloco
econômico e político esbarra na
ofensiva dos Estados Unidos na
região, fortalecida pela irresistível
sedução da oferta de acesso a seu
mercado de US$ 12 trilhões.
Os norte-americanos já têm um
tratado de livre comércio com o
Chile e estão na etapa final de negociação de um acordo com Peru,
Equador e Colômbia.
Em setembro, o Paraguai disse
que gostaria de negociar um tratado de livre comércio com o vizinho do Norte, o que implicaria
sua saída do Mercosul, bloco integrado ainda por Brasil, Argentina
e Uruguai. A contrapartida seria a
ampliação da presença militar
dos norte-americanos no país.
A investida dos EUA na região
ganhou força depois que as negociações da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) entraram
em banho-maria, em 2003. Diante do impasse nas discussões, o
governo Bush anunciou que buscaria a integração continental de
qualquer maneira, por meio da
negociação de acordos bilaterais
ou com grupos de países.
Além de ser o maior mercado
do mundo, os EUA são o principal destino das exportações da
maioria dos países da América
Latina, incluindo o Brasil, e absorvem 32,1% das vendas da região.
"Com exceção do Mercosul, todos os países da América Latina
têm uma enorme dependência
dos Estados Unidos, o que os coloca em posição de fragilidade na
negociação", observa Marcos
Jank, do Icone (Instituto de Estudos do Comércio e Negociações
Internacionais).
Apesar de menor, o comércio
do Mercosul com os norte-americanos também é importante e representou, em 2004, 18,3% das
vendas do bloco ao exterior, índice superado apenas pela União
Européia, com 23,0%, segundo a
Cepal (Comissão Econômica para
a América Latina e o Caribe).
Os números mostram que as
trocas comerciais entre os países
da América Latina estão abaixo
das realizadas por eles com os
EUA. Dentro das quatro sub-regiões (Mercosul, Comunidade
Andina, Caribe e América Central), o percentual de exportações
destinadas aos vizinhos foi de
12,7% em 2004. O comércio entre
os quatro blocos ficou em 14,8%.
Na União Européia, as operações
intra-regionais rondam os 60%.
Osvaldo Rosales, diretor da Divisão de Comércio Internacional
e Integração da Cepal, afirma que
a precariedade da infra-estrutura
dificulta o aumento das exportações entre os países da região.
"Tudo está desenhado para exportarmos para o Norte."
A ofensiva dos EUA traz uma
dificuldade adicional para o Brasil
e seus parceiros no Mercosul: os
acordos que os norte-americanos
estão firmando são bem mais
abrangentes que os existentes entre os países da região.
O Itamaraty afirma que até o
fim deste ano praticamente toda a
América do Sul estará ligada por
uma teia de acordos de livre comércio. As exceções serão Suriname e Guiana, que ainda estão em
etapa preliminar da negociação.
O problema é que esses acordos
abrangem somente o comércio de
bens, enquanto os que estão sendo celebrados pelos norte-americanos incluem serviços, investimentos, compras governamentais e propriedade intelectual.
Jank e o ex-embaixador do Brasil em Washington Rubens Barbosa fizeram estudo que alerta para o risco de o Brasil perder as
vantagens de acesso que possui
nos países da região, em razão dos
tratados que eles estão negociando com os Estados Unidos.
"Uma vez que os EUA são grandes exportadores de determinados produtos e passam a gozar de
preferências superiores às brasileiras, observa-se aumento das
suas exportações, em detrimento
das do Brasil", diz o estudo.
Segundo Jank, os norte-americanos estão sendo extremamente
agressivos na conversas com os
países latino-americanos, que negociam de maneira isolada ou em
pequenos blocos, sem poder de
barganha. O resultado é que cláusulas que não interessam aos Estados Unidos ficam fora dos tratados, enquanto as prejudiciais aos
latino-americanos são incluídas.
A realização desses tratados exigirá a revisão dos acordos existentes entre os países da região para,
"no mínimo", equipará-los aos
assinados com os Estados Unidos, defende Barbosa.
Na opinião de Jank, o caminho
ideal para a integração hemisférica seria a continuidade das discussões da Alca. "Tínhamos uma
negociação em bloco que era
muito mais equilibrada."
Barbosa, que foi embaixador
durante a gestão Fernando Henrique Cardoso, afirma que o atual
governo erra ao não buscar de
maneira mais agressiva uma
aproximação com os Estados
Unidos, sem detrimento da aposta na integração regional.
O Itamaraty responde que o relacionamento com os norte-americanos é prioritário, mas não exclui a busca de outros parceiros.
"Em comércio, a monogamia não
é uma virtude", costuma repetir o
ministro das Relações Exteriores,
Celso Amorim.
Diretora do Programa Américas do Centro de Pesquisa Inter-Hemisférica, dos EUA, Laura
Carlsen diz acreditar que a estratégia norte-americana na região
tem o objetivo geopolítico de dificultar o projeto de integração regional defendido pelo Brasil.
Carlsen ressalta que o governo
Bush teve dificuldades para aprovar no Congresso o acordo com
países da América Central e tudo
indica que os próximos tratados
poderão encontrar resistência
ainda maior.
Texto Anterior: Outro lado: Gasto foi menor, diz banqueiro Próximo Texto: Américas: Região tem déficit institucional, diz Cepal Índice
|