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TANGO AFINADO
Depois de retração econômica, costumes considerados mais refinados como champanhe e teatro estão retornando
Argentinos retomam hábitos de compra
MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES
O consumidor argentino, considerado um dos mais sofisticados
da América Latina, está voltando
a seus antigos hábitos de compra
-apesar de alguns produtos que
foram símbolos da crise econômica ainda resistirem nas prateleiras, como as garrafas retornáveis
de bebidas, as embalagens baratas
e os cigarros de dez unidades.
Seguindo a onda da acelerada
recuperação da economia argentina, o consumo dos chamados
produtos complementares, como
águas minerais, chocolates, cremes de beleza e congelados vem
se recompondo desde 2003, mostram dados da consultoria Grupo
CCR. Depois de uma queda de
27% entre 2001 e 2002, esse consumo se recuperou 23,2% até julho
deste ano. O dos produtos básicos
vem em trajetória oposta: depois
de forte alta, caiu 26,3%.
O argentino também está voltando, aos poucos, a tradicionais
costumes pré-crise, como ir ao
teatro -4% da população o faz
hoje- e sair para jantar: o percentual de consumidores que tinha esse hábito despencou para
26,33% em 2002, ano de maior
impacto da crise. Nos primeiros
três meses deste ano, o número
subiu para 36,85% da população,
de acordo com dados fornecidos
pelo instituto de pesquisa Ipsos.
Para ter uma idéia do que aconteceu na Argentina depois da crise
de 2001 -no ano seguinte o peso
foi desvalorizado, disparando a
inflação-, o percentual da população pobre saltou para 55% em
2002. Em 1996, 44% dos argentinos eram de classe média ou classe alta; em 2004, esse percentual se
reduziu a 30%.
"O impacto sobre o consumo
foi terrível. Os preços subiram, os
salários não", resume Guillermo
Oliveto, presidente do Grupo
CCR. "O consumidor deixou de
lado certas marcas e mesmo alguns produtos. Tanto que muitas
empresas relançaram embalagens
com menos conteúdo."
Da mesma forma, as embalagens retornáveis de bebidas, que
tinham sido abandonadas havia
anos na Argentina, voltaram com
a crise, para baratear o produto
-as latinhas de alumínio de refrigerantes, mais caras, ainda são difíceis de encontrar no país. Não
raro consumidor de produtos importados da Europa nos anos 90,
o argentino foi apresentado ao
mundo das segundas marcas.
Reversão
Começa a haver, assinala Oliveto, uma inversão desse movimento, apesar de essas mudanças estruturais ainda se manterem. Produtos como águas saborizadas,
queijos e vegetais congelados estão entre os que apresentaram
maior crescimento de consumo
neste ano em relação ao ano passado. E a recuperação não se resume ao consumo de alimentos. No
segundo trimestre de 2005, as
vendas de eletrodomésticos e produtos para o lar subiram 43% ante
mesmo período de 2004, divulgou
o Indec (órgão de estatísticas do
governo argentino) na semana
passada.
Outro sinal de tempos melhores
é a volta à marca: o percentual de
consumidores do país vizinho
que comprava primeiras marcas,
de 52% em 2001, chegou a cair para 46,5% para 2003. O número
"voltou" para 50% no primeiro
semestre deste ano, segundo dados do Grupo CCR.
Maturidade
O consumo de alguns produtos,
entretanto, simplesmente não retornou aos patamares anteriores.
É o caso do hábito de consumir
champanhe, por exemplo: os números da Ipsos mostram que 15%
dos argentinos bebiam champanhe em 2000. O percentual caiu
para 8% em 2002, para 7% em
2004 e se mantém nesse patamar
até agora.
No caso de cremes contra rugas
para mulheres, o percentual caiu
de 17,73% em 2000 para 6,51% no
primeiro trimestre deste ano.
"Acredito que o consumo desses cremes, geralmente importados, não se recuperou porque as
consumidoras não encontraram
um substituto nacional mais barato", diz Guillermo Miller, diretor de projetos da Ipsos Mídia.
Essa substituição, segundo ele,
ocorreu no caso de perfumes femininos: 78,5% das mulheres
usavam em 2000. A participação
baixou para 70,3% em 2002, mas
já se recuperou para 72,5%.
"É preciso lembrar que, mesmo
no caso dos produtos cujo consumo se recuperou, as pessoas provavelmente não estão comprando
exatamente o que compravam
antes da crise", afirma. "Houve
muita substituição por similares
nacionais."
Para Oliveto, do Grupo CCR,
autor de um livro sobre o consumo na Argentina chamado "Argentinos hoje. Não são extraterrestres, ainda que às vezes o pareçam", a população amadureceu
em relação a compras. "O consumidor argentino aprendeu com a
crise. Hoje é muito mais realista
do que nos anos 90", diz.
Para garantir espaço na casa
desse novo argentino, o investimento em publicidade disparou
nos últimos anos, após cair 41%
entre 2001 e 2002: de lá para cá,
cresceu 145%.
O momento é de otimismo, mas
uma ameaça está no caminho da
manutenção desse cenário: a escalada de preços. Nos primeiros
oito meses deste ano, a inflação já
é de mais de 7%.
Os salários, no entanto, não subiram nessa proporção, o que
vem provocando uma série de paralisações e greves no país.
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