São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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TANGO AFINADO

Depois de retração econômica, costumes considerados mais refinados como champanhe e teatro estão retornando

Argentinos retomam hábitos de compra

MAELI PRADO
DE BUENOS AIRES

O consumidor argentino, considerado um dos mais sofisticados da América Latina, está voltando a seus antigos hábitos de compra -apesar de alguns produtos que foram símbolos da crise econômica ainda resistirem nas prateleiras, como as garrafas retornáveis de bebidas, as embalagens baratas e os cigarros de dez unidades.
Seguindo a onda da acelerada recuperação da economia argentina, o consumo dos chamados produtos complementares, como águas minerais, chocolates, cremes de beleza e congelados vem se recompondo desde 2003, mostram dados da consultoria Grupo CCR. Depois de uma queda de 27% entre 2001 e 2002, esse consumo se recuperou 23,2% até julho deste ano. O dos produtos básicos vem em trajetória oposta: depois de forte alta, caiu 26,3%.
O argentino também está voltando, aos poucos, a tradicionais costumes pré-crise, como ir ao teatro -4% da população o faz hoje- e sair para jantar: o percentual de consumidores que tinha esse hábito despencou para 26,33% em 2002, ano de maior impacto da crise. Nos primeiros três meses deste ano, o número subiu para 36,85% da população, de acordo com dados fornecidos pelo instituto de pesquisa Ipsos.
Para ter uma idéia do que aconteceu na Argentina depois da crise de 2001 -no ano seguinte o peso foi desvalorizado, disparando a inflação-, o percentual da população pobre saltou para 55% em 2002. Em 1996, 44% dos argentinos eram de classe média ou classe alta; em 2004, esse percentual se reduziu a 30%.
"O impacto sobre o consumo foi terrível. Os preços subiram, os salários não", resume Guillermo Oliveto, presidente do Grupo CCR. "O consumidor deixou de lado certas marcas e mesmo alguns produtos. Tanto que muitas empresas relançaram embalagens com menos conteúdo."
Da mesma forma, as embalagens retornáveis de bebidas, que tinham sido abandonadas havia anos na Argentina, voltaram com a crise, para baratear o produto -as latinhas de alumínio de refrigerantes, mais caras, ainda são difíceis de encontrar no país. Não raro consumidor de produtos importados da Europa nos anos 90, o argentino foi apresentado ao mundo das segundas marcas.

Reversão
Começa a haver, assinala Oliveto, uma inversão desse movimento, apesar de essas mudanças estruturais ainda se manterem. Produtos como águas saborizadas, queijos e vegetais congelados estão entre os que apresentaram maior crescimento de consumo neste ano em relação ao ano passado. E a recuperação não se resume ao consumo de alimentos. No segundo trimestre de 2005, as vendas de eletrodomésticos e produtos para o lar subiram 43% ante mesmo período de 2004, divulgou o Indec (órgão de estatísticas do governo argentino) na semana passada.
Outro sinal de tempos melhores é a volta à marca: o percentual de consumidores do país vizinho que comprava primeiras marcas, de 52% em 2001, chegou a cair para 46,5% para 2003. O número "voltou" para 50% no primeiro semestre deste ano, segundo dados do Grupo CCR.

Maturidade
O consumo de alguns produtos, entretanto, simplesmente não retornou aos patamares anteriores. É o caso do hábito de consumir champanhe, por exemplo: os números da Ipsos mostram que 15% dos argentinos bebiam champanhe em 2000. O percentual caiu para 8% em 2002, para 7% em 2004 e se mantém nesse patamar até agora.
No caso de cremes contra rugas para mulheres, o percentual caiu de 17,73% em 2000 para 6,51% no primeiro trimestre deste ano.
"Acredito que o consumo desses cremes, geralmente importados, não se recuperou porque as consumidoras não encontraram um substituto nacional mais barato", diz Guillermo Miller, diretor de projetos da Ipsos Mídia.
Essa substituição, segundo ele, ocorreu no caso de perfumes femininos: 78,5% das mulheres usavam em 2000. A participação baixou para 70,3% em 2002, mas já se recuperou para 72,5%.
"É preciso lembrar que, mesmo no caso dos produtos cujo consumo se recuperou, as pessoas provavelmente não estão comprando exatamente o que compravam antes da crise", afirma. "Houve muita substituição por similares nacionais."
Para Oliveto, do Grupo CCR, autor de um livro sobre o consumo na Argentina chamado "Argentinos hoje. Não são extraterrestres, ainda que às vezes o pareçam", a população amadureceu em relação a compras. "O consumidor argentino aprendeu com a crise. Hoje é muito mais realista do que nos anos 90", diz.
Para garantir espaço na casa desse novo argentino, o investimento em publicidade disparou nos últimos anos, após cair 41% entre 2001 e 2002: de lá para cá, cresceu 145%.
O momento é de otimismo, mas uma ameaça está no caminho da manutenção desse cenário: a escalada de preços. Nos primeiros oito meses deste ano, a inflação já é de mais de 7%.
Os salários, no entanto, não subiram nessa proporção, o que vem provocando uma série de paralisações e greves no país.


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