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CRÉDITO
Desconto da parcela no valor do benefício reduz poder de compra de aposentados; pequeno comércio é o mais afetado
Dívida no consignado derruba consumo no NE
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITAPIÚNA (CE)
O grande número de aposentados e pensionistas que aderiram
aos empréstimos consignados,
em que as parcelas para o pagamento são descontadas todo mês
diretamente do benefício, provocou queda nas vendas do comércio varejista, principalmente em
municípios do Nordeste com até
20 mil habitantes. A avaliação é de
federações de câmaras lojistas do
Ceará, de Pernambuco e da Bahia.
No Ceará, o presidente da FCDL
(Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas), entidade que representa cerca de 8.000 lojistas em
51 municípios do Estado, Gervásio Pegado, estima que as perdas
do comércio por causa dos empréstimos consignados superem
os 12%.
Só o setor comercial representa
cerca de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) do Ceará, que foi de
R$ 27,3 bilhões em 2004.
Em municípios com menos de
20 mil habitantes, o setor garante
mais de 60% da receita, como
acontece no caso de Itapiúna, cidade com 15 mil habitantes, a 110
km de Fortaleza.
Para o comerciante Antônio de
Pádua Fernandes, dono de uma
mercearia na cidade, as perdas
chegam a 40%. "São só cinco dias
úteis de vendas, no começo do
mês. Nos outros dias, tudo fica
parado e só dá para vender alguma coisa fiado", afirmou.
Em todo o país, 4,5 milhões dos
18,9 milhões de aposentados e
pensionistas do INSS já pediram
empréstimo desde setembro do
ano passado até o início deste
mês, segundo dados do Ministério da Previdência. A grande
maioria (97,8% do total) continua
pagando as prestações para quitar
a dívida.
"Bolha de consumo"
No Ceará, o número de beneficiados pelo INSS é de 826 mil pessoas, o que significa 11% da população de 7,5 milhões de habitantes. Esse número garante 20% da
renda no Estado, segundo Pegado. Do total de previdenciários
cearenses, 176 mil (21,37%) já pediram empréstimo.
Para o presidente da CNDL
(Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas), Carlos Henrique
Levandowski, os empréstimos
consignados têm sido responsáveis pelo aumento nas vendas
neste ano em todo o país, mas pode representar uma "bolha de
consumo". "Podemos estar vivenciando uma bolha de consumo, à custa do endividamento do
consumidor, o que pode vir a se
refletir mais fortemente nos índices de inadimplência do varejo
nos próximos meses", disse.
"Indiretamente, esses empréstimos desempregaram muita gente", disse o presidente da FCDL.
"Menos dinheiro significa que o
comércio cai e desemprega. A
renda do povo é muito baixa para
suportar o pagamento dos juros
bancários", afirmou.
A volta da caderneta
A falta de dinheiro dos aposentados na maior parte do mês fez
ressurgir a caderneta de fiado no
comércio de Ivanilda Freitas
Campelo, em Itapiúna.
Ela afirmou que tenta, ao máximo, controlar as contas dos clientes, mas já houve casos de aposentados que aproveitaram o empréstimo para quitar outras dívidas na venda. "Antes, eles não pagavam juros, porque não cobro.
Agora, pagam", disse.
Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Previdência, o governo não pode comentar qualquer queda nas vendas do comércio em decorrência
dos empréstimos porque apenas
foi responsável por instrumentalizar o recurso. Ao ser informado
dos juros e da forma de quitação
do empréstimo, a responsabilidade pelo controle das próprias finanças é dos aposentados e pensionistas, segundo a assessoria.
Governo dá e tira
Em todo o país, 44 instituições
bancárias estão autorizadas pelo
governo a fazer empréstimos,
com juros que variam de 1% a
3,9% ao mês, além de outras taxas
adicionais, dependendo do banco
e do prazo para quitação.
"O governo dá com uma mão e
tira com a outra", disse o comerciante Luís Araújo Chaves, 81, dono de um comércio em Itapiúna
há 35 anos.
Aposentado, ele mesmo decidiu
não aderir ao empréstimo. "Estou
vendo o que está acontecendo
com outras pessoas. Já vi um que
pegou o empréstimo, comprou
um carro para fazer frete e agora
está vendendo o carro para tentar
pagar parte da dívida. As pessoas
não sabem cuidar do próprio dinheiro, e o governo ainda dá
chance para tudo ficar pior."
Segundo Chaves, o único produto cuja venda não diminuiu em
sua mercearia nos últimos meses
foi a aguardente. "Isso não diminui nunca, só cresce."
Pernambuco
Os empréstimos consignados
aos aposentados provocaram
queda de até 10% nas vendas do
comércio das pequenas cidades
de Pernambuco. A inadimplência
nesses locais, porém, não cresceu.
Segundo o presidente da Fecomercio (Federação do Comércio
de Pernambuco), Josias Albuquerque, a explicação para o calote não aumentar está no comportamento dos consumidores.
"No interior, as pessoas, principalmente as mais velhas, preferem deixar de comprar a não pagar suas dívidas", disse.
Na Bahia, a realidade não é diferente, especialmente nos pequenos municípios do interior do Estado. Santa Maria da Vitória (a
900 km de Salvador), no oeste, é
um exemplo.
O presidente da CDL (Câmara
de Dirigentes Lojistas) da cidade,
Aurelino Florêncio dos Santos,
estima queda de 25% a 30% no
comércio nos últimos oito meses
-decréscimo causado exclusivamente pelo empréstimo consignado feito aos aposentados.
Calote passa de 40%
"O que roda em cidade pequena, que não tem indústria, é o dinheiro do aposentado e o salário
da prefeitura", afirmou. "O problema é que eles [os bancos] estão
tirando o dinheiro [dos aposentados]. Aí o que acontece? No mês
seguinte, ele não agüenta mais pagar a farmácia. No outro mês, não
agüenta mais pagar o mercado."
Santa Maria da Vitória tem pouco mais de 41 mil habitantes. Segundo dados do IBGE, 37% ganham menos ou até um salário
mínimo. Cerca de 10% da população tem mais de 60 anos.
Segundo Santos, há cerca de 700
comerciantes na cidade -e "não
tem um que não tenha sentido [o
impacto da queda nas vendas]".
A inadimplência ultrapassou
40%, diz. "A gente só vende alguma coisinha do dia 1º ao dia 7 ou
8. Passou daí, pode fechar as portas e ir para a roça", lamenta.
Colaboraram FÁBIO GUIBU, da Agência
Folha, em Recife, e THIAGO REIS, da
Agência Folha
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