São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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CRÉDITO

Desconto da parcela no valor do benefício reduz poder de compra de aposentados; pequeno comércio é o mais afetado

Dívida no consignado derruba consumo no NE

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITAPIÚNA (CE)

O grande número de aposentados e pensionistas que aderiram aos empréstimos consignados, em que as parcelas para o pagamento são descontadas todo mês diretamente do benefício, provocou queda nas vendas do comércio varejista, principalmente em municípios do Nordeste com até 20 mil habitantes. A avaliação é de federações de câmaras lojistas do Ceará, de Pernambuco e da Bahia.
No Ceará, o presidente da FCDL (Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas), entidade que representa cerca de 8.000 lojistas em 51 municípios do Estado, Gervásio Pegado, estima que as perdas do comércio por causa dos empréstimos consignados superem os 12%.
Só o setor comercial representa cerca de 8% do PIB (Produto Interno Bruto) do Ceará, que foi de R$ 27,3 bilhões em 2004.
Em municípios com menos de 20 mil habitantes, o setor garante mais de 60% da receita, como acontece no caso de Itapiúna, cidade com 15 mil habitantes, a 110 km de Fortaleza.
Para o comerciante Antônio de Pádua Fernandes, dono de uma mercearia na cidade, as perdas chegam a 40%. "São só cinco dias úteis de vendas, no começo do mês. Nos outros dias, tudo fica parado e só dá para vender alguma coisa fiado", afirmou.
Em todo o país, 4,5 milhões dos 18,9 milhões de aposentados e pensionistas do INSS já pediram empréstimo desde setembro do ano passado até o início deste mês, segundo dados do Ministério da Previdência. A grande maioria (97,8% do total) continua pagando as prestações para quitar a dívida.

"Bolha de consumo"
No Ceará, o número de beneficiados pelo INSS é de 826 mil pessoas, o que significa 11% da população de 7,5 milhões de habitantes. Esse número garante 20% da renda no Estado, segundo Pegado. Do total de previdenciários cearenses, 176 mil (21,37%) já pediram empréstimo.
Para o presidente da CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas), Carlos Henrique Levandowski, os empréstimos consignados têm sido responsáveis pelo aumento nas vendas neste ano em todo o país, mas pode representar uma "bolha de consumo". "Podemos estar vivenciando uma bolha de consumo, à custa do endividamento do consumidor, o que pode vir a se refletir mais fortemente nos índices de inadimplência do varejo nos próximos meses", disse.
"Indiretamente, esses empréstimos desempregaram muita gente", disse o presidente da FCDL. "Menos dinheiro significa que o comércio cai e desemprega. A renda do povo é muito baixa para suportar o pagamento dos juros bancários", afirmou.

A volta da caderneta
A falta de dinheiro dos aposentados na maior parte do mês fez ressurgir a caderneta de fiado no comércio de Ivanilda Freitas Campelo, em Itapiúna.
Ela afirmou que tenta, ao máximo, controlar as contas dos clientes, mas já houve casos de aposentados que aproveitaram o empréstimo para quitar outras dívidas na venda. "Antes, eles não pagavam juros, porque não cobro. Agora, pagam", disse.
Segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Previdência, o governo não pode comentar qualquer queda nas vendas do comércio em decorrência dos empréstimos porque apenas foi responsável por instrumentalizar o recurso. Ao ser informado dos juros e da forma de quitação do empréstimo, a responsabilidade pelo controle das próprias finanças é dos aposentados e pensionistas, segundo a assessoria.

Governo dá e tira
Em todo o país, 44 instituições bancárias estão autorizadas pelo governo a fazer empréstimos, com juros que variam de 1% a 3,9% ao mês, além de outras taxas adicionais, dependendo do banco e do prazo para quitação.
"O governo dá com uma mão e tira com a outra", disse o comerciante Luís Araújo Chaves, 81, dono de um comércio em Itapiúna há 35 anos.
Aposentado, ele mesmo decidiu não aderir ao empréstimo. "Estou vendo o que está acontecendo com outras pessoas. Já vi um que pegou o empréstimo, comprou um carro para fazer frete e agora está vendendo o carro para tentar pagar parte da dívida. As pessoas não sabem cuidar do próprio dinheiro, e o governo ainda dá chance para tudo ficar pior."
Segundo Chaves, o único produto cuja venda não diminuiu em sua mercearia nos últimos meses foi a aguardente. "Isso não diminui nunca, só cresce."

Pernambuco
Os empréstimos consignados aos aposentados provocaram queda de até 10% nas vendas do comércio das pequenas cidades de Pernambuco. A inadimplência nesses locais, porém, não cresceu.
Segundo o presidente da Fecomercio (Federação do Comércio de Pernambuco), Josias Albuquerque, a explicação para o calote não aumentar está no comportamento dos consumidores.
"No interior, as pessoas, principalmente as mais velhas, preferem deixar de comprar a não pagar suas dívidas", disse.
Na Bahia, a realidade não é diferente, especialmente nos pequenos municípios do interior do Estado. Santa Maria da Vitória (a 900 km de Salvador), no oeste, é um exemplo.
O presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) da cidade, Aurelino Florêncio dos Santos, estima queda de 25% a 30% no comércio nos últimos oito meses -decréscimo causado exclusivamente pelo empréstimo consignado feito aos aposentados.

Calote passa de 40%
"O que roda em cidade pequena, que não tem indústria, é o dinheiro do aposentado e o salário da prefeitura", afirmou. "O problema é que eles [os bancos] estão tirando o dinheiro [dos aposentados]. Aí o que acontece? No mês seguinte, ele não agüenta mais pagar a farmácia. No outro mês, não agüenta mais pagar o mercado."
Santa Maria da Vitória tem pouco mais de 41 mil habitantes. Segundo dados do IBGE, 37% ganham menos ou até um salário mínimo. Cerca de 10% da população tem mais de 60 anos.
Segundo Santos, há cerca de 700 comerciantes na cidade -e "não tem um que não tenha sentido [o impacto da queda nas vendas]".
A inadimplência ultrapassou 40%, diz. "A gente só vende alguma coisinha do dia 1º ao dia 7 ou 8. Passou daí, pode fechar as portas e ir para a roça", lamenta.


Colaboraram FÁBIO GUIBU, da Agência Folha, em Recife, e THIAGO REIS, da Agência Folha


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