São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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SEM GÁS

Vendas caem em países ricos que buscam consumir alimentos mais saudáveis; empresa tenta reduzir dependência do produto principal

Coca-Cola diversifica para conter decadência



Enquanto a Pepsi construía uma carteira de produtos não-gasosos que inclui os sucos Tropicana e o Gatorade, a Coca mantinha sua concentração nos refrigerantes gasosos


ANDREW WARD
DO "FINANCIAL TIMES"

Neville Isdell construiu sua reputação na Coca-Cola como diretor das operações do grupo nas Filipinas, nos anos 80. Quando ele chegou, a Coca-Cola detinha 30% do mercado e era inferior em todos os aspectos à rival PepsiCo. O irlandês sinalizou suas intenções ao comparecer a uma convenção em uniforme de combate e lançar uma garrafa de Pepsi contra a parede. Quando deixou o país, cinco anos depois, a Coca-Cola mais que duplicara sua fatia de mercado, deixando para trás a Pepsi.
São histórias como essa que persuadiram os conselheiros da Coca-Cola a convencer Isdell de que deveria abandonar a aposentadoria, no ano passado, e assumir a direção da empresa, mais de dois anos depois de sua missão final, o comando de uma engarrafadora na Europa. A surpreendente indicação surgiu em um dos momentos mais difíceis nos 119 anos de história do grupo.
As vendas de seu principal produto, a Coca-Cola, estão em queda em boa parte dos países desenvolvidos devido à preocupação quanto à obesidade, mas a empresa agiu com mais lentidão do que a Pepsi na diversificação para produtos mais saudáveis. Anos de pesados cortes, investimento insuficiente e gestão débil deprimiram ainda mais o moral do grupo.
Isdell não era a primeira escolha do conselho para substituir Douglas Daft, que se aposentou. Os conselheiros se voltaram para ele apenas depois que uma série de candidatos externos respeitados, entre os quais Jim Kitts, da Gillette, e Carlos Gutierrez, da Kellogg's, recusaram o posto.
Mas pouco mais de um ano depois de Isdell, 61, trocar a aposentadoria em Barbados e na França por um escritório no 25º andar da sede da Coca-Cola, em Atlanta, cresce a confiança de que ele seja o homem certo para o cargo.
O primeiro escalão foi reformulado, os investimentos ampliados, novos produtos lançados e incômodas disputas regulatórias com autoridades norte-americanas e européias decididas por acordo. Três trimestres consecutivos de faturamento acima do esperado reforçaram o cauteloso otimismo.
Ninguém, muito menos Isdell, pretende afirmar que a recuperação está concluída. Ele jamais perde a oportunidade de lembrar Wall Street de que demorará anos para que a Coca-Cola recupere plenamente a saúde.
Analistas dizem que os problemas da Coca-Cola remontam à morte de Roberto Goizueta, em 1997. Nos 17 anos precedentes, o imigrante cubano havia obtido crescimento anual de dois dígitos na receita e elevado a capitalização de mercado da empresa de US$ 4 bilhões a US$ 150 bilhões. Desde sua morte, as ações perderam um terço do valor e o crescimento caiu à casa de um dígito.
A responsabilidade pela queda foi atribuída em larga medida aos dois sucessores de Goizueta, Douglas Ivester e Daft. Os mandatos curtos e turbulentos dos dois executivos foram marcados por fracassos. Houve tentativas frustradas de aquisição de outras companhias, lançamentos equivocados de produtos, pânicos de contaminação, disputas regulatórias, um escândalo por discriminação racial e constantes disputas entre facções na direção da empresa.

Raízes
No entanto, as verdadeiras raízes dos problemas provavelmente remontam aos anos de Goizueta e de sua devoção aos refrigerantes padrão cola. Ele acreditava que nada poderia superar o negócio de produzir concentrado para que engarrafadores no mundo todo produzissem o refrigerante mais vendido do planeta.
Enquanto a Pepsi construía uma poderosa carteira de produtos não-gasosos que incluem os sucos Tropicana e as bebidas esportivas Gatorade, a Coca-Cola mantinha a teimosa concentração nos refrigerantes gasosos.
A empresa reconheceu esse erro e dedicou recursos a marcas como a bebida esportiva Powerade, os sucos Minute Maid e diversas marcas de água mineral. Mas todos esses produtos estão atrás de concorrentes produzidos pela Pepsi. Os refrigerantes gasosos continuam a responder por 80% das vendas da Coca-Cola.
"A mágica desapareceu da marca Coca-Cola", diz Tom Pirko, da consultoria BevMark. "Como recriar o magnetismo para uma geração muito menos leal a marcas grandes, monolíticas, como a Coca-Cola? É uma tarefa muito difícil e dispendiosa."
Isdell acredita que os problemas da empresa não sejam tão sérios. A Coca-Cola continua a ser a marca mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 67,5 bilhões, à frente da Microsoft, de acordo com a consultoria Interbrand; suas finanças são robustas e o ser humano médio consumiu 75 porções de seus produtos no ano passado, ante 49 em 1994.
Outra das queixas de Isdell é a incapacidade de muitos observadores norte-americanos de olhar além dos problemas da empresa no país. Cerca de 80% dos lucros e 70% do volume de vendas da Coca-Cola vêm de fora dos EUA. Em contraste, a Pepsi e suas subsidiárias conduzem apenas um terço de seus negócios fora do país.
O crescimento mais forte da Coca-Cola acontece em mercados em desenvolvimento como China, Rússia, Índia, Brasil e Turquia.
A Coca-Cola promoveu uma concorrência entre agências de publicidade de todo o mundo na busca de novas e "marcantes" campanhas para reviver sua marca principal e recriar sua conexão com os consumidores.
No entanto, a mais urgente tarefa da empresa é deter o declínio de sua divisão de refrigerantes nos Estados Unidos e na Europa. Pesquisa do Morgan Stanley demonstra que a imagem dos refrigerantes está sendo maculada pelo vínculo com a obesidade. A proporção de norte-americanos que acreditam que os refrigerantes tipo cola são "apreciados por todo mundo" caiu de 56% em 2003 para 44% neste ano, enquanto as pessoas que acreditam que eles "engordam demais" subiu de 48% para 59%.
Bill Pecoriello, do Morgan Stanley, diz que a água mineral é a opção mais comum para consumidores que abandonam os refrigerantes. Muitos continuam fiéis à Coca-Cola, optando por suas marcas de água, mas se tornam menos valiosos, já que as margens de lucro da água são inferiores.
A Coca-Cola está tentando impor um ágio de preços no competitivo mercado de água mineral, com inovações como a Dasani, uma água com sabor de frutas. Mas, em geral, os consumidores são muito menos leais a marcas e muito mais sensíveis a preços quando compram água do que quando compram refrigerantes.

Sob pressão
Isdell reconhece que a crescente popularidade da água mineral colocará as margens de lucro da Coca-Cola sob pressão. Mas essa tendência será compensada pelo crescimento de bebidas energéticas e chás, que são tão ou mais lucrativos que os refrigerantes.
Os investidores na Coca-Cola talvez tenham de aceitar um novo modelo de negócios, com menor geração de caixa, à medida que os refrigerantes se tornam parte menor do negócio.
O custo de desenvolvimento e marketing de uma gama mais ampla de produtos pressionará ainda mais os lucros. "Será preciso muito investimento para voltar a transformar essa empresa em uma organização de crescimento", diz Isdell.


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