São Paulo, domingo, 09 de novembro de 2008

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ENTREVISTA
ROBERTO SETUBAL


Internacionalização do banco será enorme desafio

Presidente do Itaú-Unibanco diz que plano é "comprar bancos bons no exterior"

Para executivo, competição deve ficar mais dura, com rivais fazendo aquisições e abrindo agências para ganharem mercado


GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA

Na segunda-feira passada, o país se surpreendeu logo de manhã com uma notícia bombástica: a fusão do Itaú com o Unibanco. Para muitos, mais surpreendente ainda foi o fato de a notícia ter injetado um forte ânimo no mercado nestes momentos de crise global. Um dos protagonistas dessa operação foi o presidente do banco Itaú, Roberto Setubal. O outro foi Pedro Moreira Salles, o presidente do Unibanco. No novo banco, Setubal será o responsável pelo dia-a-dia, enquanto Salles irá presidir o conselho de administração. Nesta entrevista, concedida na noite de quinta-feira, Setubal diz que o próximo grande desafio será o da construção de um banco global. A etapa mais difícil, no entanto, foi a fusão. "O que nós queremos é comprar bancos bons no exterior, e esses nunca são baratos", diz. Sobre a crise financeira global, Setubal diz que o pior já passou. As medidas tomadas no mundo todo, a seu ver, já começam a fazer efeito sobre a crise, mas a recessão será inevitável. Ele afirma que o Brasil também será atingido. "O Brasil não tem nenhuma crise interna, mas vai sentir os reflexos da crise externa."

 

FOLHA - Qual o objetivo da fusão?
ROBERTO SETUBAL
- Acho que tanto o Pedro [Moreira Salles] como eu vimos claramente que poderíamos fazer um banco global, um banco muito forte no Brasil, o que, ao meu ver, é essencial para almejar uma presença maior no mundo. Você tem que ser muito forte no mercado doméstico, com uma base de capital suficientemente grande, para poder comprar coisas no exterior. Esse foi o sonho que visualizamos juntos.

FOLHA - Foi compra ou fusão?
SETUBAL
- Eu vi claramente como uma fusão, já que tenho um novo sócio que partilha o controle dessa nova instituição. Na holding de controle, 50% pertencem aos controladores do Itaú e 50%, aos controladores do Unibanco. Nós também temos acordo já estabelecido de que as decisões precisam ser tomadas por consenso. Quais as decisões a serem tomadas por consenso? As mais relevantes. Aumento de capital, por exemplo, a eleição do presidente da empresa ou do presidente do conselho. Por isso, entendo que é uma fusão, na medida em que existe a partilha de poder.

FOLHA - Qual será o maior desafio?
SETUBAL
- O grande desafio foi fazer o que fizemos. Daqui para a frente, teremos uma etapa mais conhecida, que é a integração. Não estou minimizando as dificuldades, mas são etapas mais conhecidas. Tenho certeza de que faremos muito bem feito, aproveitando o que há de melhor em Unibanco e Itaú. Vamos procurar reter as pessoas, os grandes talentos de cada uma das companhias, que são muitos e serão muito importantes para os nossos planos. Após isso, acho que vem a etapa de ida para o exterior, para começar a longa tarefa da construção de um banco global, que será um grande desafio.

FOLHA - Há a pretensão de comprar algum banco nos EUA?
SETUBAL
- Primeiro, não vamos comprar problemas. O que queremos é comprar bancos bons no exterior, e esses nunca são baratos. Por isso, é muito improvável que a gente venha, num primeiro momento, comprar instituições relevantes nos EUA. Além disso, como temos o desejo de ter participações de mercado sempre grandes, não temos tamanho para comprar algo muito grande nos EUA.

FOLHA - E como será a escolha dos diretores do novo banco?
SETUBAL
- Eu serei a pessoa que proporá ao conselho quais serão os diretores que gostaria que trabalhassem comigo.

FOLHA - O senhor já tem idéia dos nomes?
SETUBAL
- Só conheço superficialmente os diretores do Unibanco, mas tenho certeza de que há muita gente boa.

FOLHA - O sr. tem prazo para compor essa nova diretoria?
SETUBAL
- Não, mas queremos fazer isso relativamente logo. Até o final do ano, eu espero ter isso concluído. Já estou interagindo com os diretores do Unibanco. Temos tido reuniões conjuntas, vou ver apresentações sobre os negócios do Unibanco, tudo isso de tal forma que eu possa ir tomando conhecimento do funcionamento do banco e das pessoas.

FOLHA - Há planos de fechamento de agências?
SETUBAL
- Não vamos fechar agências. Se olharem o nosso histórico, olharem todas as operações que fizemos nesses anos de aquisições, não fechamos nenhuma agência, principalmente nos grandes centros. O objetivo não é ganhar com o fechamento de agências, até porque, na verdade, o que a gente observa é que as agências do Itaú estão bastante cheias de clientes, a ponto de termos aberto unidades próximas umas das outras. Além disso, quando você fecha uma agência fora de um local mais denso, você perde os clientes. O eventual fechamento de agência será absolutamente marginal.

FOLHA - E em relação aos funcionários?
SETUBAL
- Não fechar as agências já é um bom ponto de partida. Não temos nenhum programa de demissão na cabeça. Não foi para isso que foi feita a transação. Vamos fazer um processo de cortes de custos suave, tranqüilo. Há muitos custos que podemos reduzir, como o de licença de softwares e o de computador, e isso pela simples junção de uma série de atividades. A área de compras fica com um poder de desconto maior em razão do tamanho do comprador. Há uma série de benefícios que vamos buscar.

FOLHA - Como o presidente Lula recebeu a notícia da fusão?
SETUBAL
- Falamos com o presidente no domingo à noite [da semana passada]. Ele foi um entusiasta, entende a importância de fazer uma transação dessa dimensão neste momento. É uma tremenda demonstração de confiança no país. A notícia teve um impacto bastante positivo de modo geral. A transação trouxe até algum otimismo para o mercado.

FOLHA - O que o sr. espera que os concorrentes farão, principalmente o Banco do Brasil e o Bradesco?
SETUBAL
- A competição vai ficar mais dura agora. Os concorrentes vão reagir, evidentemente. Vão abrir agências, comprar outros bancos, vão fazer, enfim, um esforço grande para expandirem suas operações, ganharem mercado.

FOLHA - A maior concentração será pior para o consumidor?
SETUBAL
- Eu vejo exatamente o oposto. Acho que haverá aumento de concorrência. Os bancos vão procurar recuperar posições no mercado, vão tentar ganhar "market share" e isso será positivo para o mercado. A concorrência aumentará.

FOLHA - Até que ponto a crise ajudou a acelerar o negócio?
SETUBAL
- Esse é um negócio que foi sendo amadurecido ao longo de 15 meses. Mas por que agora? O que respondo é: por que não agora? Essa crise talvez tenha sido mais um tema nas conversas. Sabemos, evidentemente, que um banco mais forte é muito melhor para enfrentar uma crise internacional como essa. Mas a decisão foi tomada porque era o momento. A conversa já estava madura.

FOLHA - Como o senhor vê a crise e a reação do governo?
SETUBAL
- O Banco Central está fazendo as coisas corretamente com o objetivo de evitar um problema maior. Nas últimas duas semanas, já houve um momento importante de volta da liquidez no mercado. As tensões diminuíram significativamente. Isso pode se ver até pela cotação do dólar e pela redução de volatilidade em geral dos ativos financeiros. As coisas estão caminhando, estão melhorando. Continuo acreditando que ainda vamos ver melhoras aqui em termos de liquidez. Todos fomos pegos de surpresa pela forma como a crise chegou rápido no Brasil, mas o BC conseguiu agir a tempo. O problema dos derivativos cambiais fez com que a gente vivesse aqui momentos de tempestade, mas que já estão sendo solucionados em grande parte. A tendência é melhorar.

FOLHA - E como o sr. vê a crise daqui para a frente?
SETUBAL
- Acredito que já tenhamos passado pelo pior. O que a gente percebe depois das medidas extraordinárias tomadas tanto pela Europa como pelos EUA é que a crise financeira está controlada. Ela está reduzindo a sua intensidade razoavelmente. O que se vê é uma série de problemas na economia. Isso já é visível nos EUA e na Europa, com a redução da atividade econômica. Veremos reflexos no mundo inteiro. O Brasil não tem nenhuma crise interna, mas vamos sentir os reflexos da crise externa. Isso já é perceptível através do câmbio, que é o que liga o Brasil ao mundo exterior. Essa mudança de patamar no câmbio tem muitos aspectos positivos, mas certamente exigirá um ajuste da economia brasileira. Acredito que o Brasil, pelo tamanho do mercado interno e pela nossa baixa dependência das exportações, tem tudo para voltar a crescer 4% em 2010 ou 2011. Nesse meu cenário, estou considerando um crescimento em torno de zero para os EUA e para a Europa, o que já é um número bastante negativo. Crescimento zero para os EUA é uma tremenda recessão. Se isso se amplificar muito, se ocorrer retração de 2%, aí as coisas ficarão mais difíceis. A gente vai ter mais dificuldades em retomar esse nível de crescimento. Mas, de forma geral, ainda acho mais provável um crescimento zero ou próximo disso nos Estados Unidos e na Europa, o que nos permitirá um avanço, em 2009, de em torno de 2% a 3% e algo melhor para 2010.

FOLHA - O sr. está otimista?
SETUBAL
- Eu diria que estou conservadoramente otimista.

FOLHA - A liquidez ainda continua empoçada?
SETUBAL
- Está diminuindo bastante. As medidas do BC já estão fazendo efeito. Os bancos receberam as medidas, começaram a agir e estão conseguindo implementá-las. Se a gente pensar um pouco, é natural que demorem um pouco até fazer efeito, mas estamos assistindo a uma melhoria importante nas condições do mercado financeiro no Brasil. É como tomar um remédio. Demora alguns dias até começar a fazer efeito.


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