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ENTREVISTA
ROBERTO SETUBAL
Internacionalização do banco será enorme desafio
Presidente do Itaú-Unibanco diz que plano é "comprar bancos bons no exterior"
Para executivo, competição deve ficar mais dura, com rivais fazendo aquisições
e abrindo agências para ganharem mercado
GUILHERME BARROS
COLUNISTA DA FOLHA
Na segunda-feira passada, o
país se surpreendeu logo de
manhã com uma notícia bombástica: a fusão do Itaú com o
Unibanco. Para muitos, mais
surpreendente ainda foi o fato
de a notícia ter injetado um forte ânimo no mercado nestes
momentos de crise global.
Um dos protagonistas dessa
operação foi o presidente do
banco Itaú, Roberto Setubal. O
outro foi Pedro Moreira Salles,
o presidente do Unibanco. No
novo banco, Setubal será o responsável pelo dia-a-dia, enquanto Salles irá presidir o conselho de administração.
Nesta entrevista, concedida
na noite de quinta-feira, Setubal diz que o próximo grande
desafio será o da construção de
um banco global. A etapa mais
difícil, no entanto, foi a fusão.
"O que nós queremos é comprar bancos bons no exterior, e
esses nunca são baratos", diz.
Sobre a crise financeira global, Setubal diz que o pior já
passou. As medidas tomadas no
mundo todo, a seu ver, já começam a fazer efeito sobre a crise,
mas a recessão será inevitável.
Ele afirma que o Brasil também será atingido. "O Brasil
não tem nenhuma crise interna, mas vai sentir os reflexos da
crise externa."
FOLHA - Qual o objetivo da fusão?
ROBERTO SETUBAL - Acho que
tanto o Pedro [Moreira Salles]
como eu vimos claramente que
poderíamos fazer um banco
global, um banco muito forte
no Brasil, o que, ao meu ver, é
essencial para almejar uma
presença maior no mundo. Você tem que ser muito forte no
mercado doméstico, com uma
base de capital suficientemente
grande, para poder comprar
coisas no exterior. Esse foi o sonho que visualizamos juntos.
FOLHA - Foi compra ou fusão?
SETUBAL - Eu vi claramente como uma fusão, já que tenho um
novo sócio que partilha o controle dessa nova instituição. Na
holding de controle, 50% pertencem aos controladores do
Itaú e 50%, aos controladores
do Unibanco. Nós também temos acordo já estabelecido de
que as decisões precisam ser
tomadas por consenso. Quais
as decisões a serem tomadas
por consenso? As mais relevantes. Aumento de capital, por
exemplo, a eleição do presidente da empresa ou do presidente
do conselho. Por isso, entendo
que é uma fusão, na medida em
que existe a partilha de poder.
FOLHA - Qual será o maior desafio?
SETUBAL - O grande desafio foi
fazer o que fizemos. Daqui para
a frente, teremos uma etapa
mais conhecida, que é a integração. Não estou minimizando as dificuldades, mas são etapas mais conhecidas. Tenho
certeza de que faremos muito
bem feito, aproveitando o que
há de melhor em Unibanco e
Itaú. Vamos procurar reter as
pessoas, os grandes talentos de
cada uma das companhias, que
são muitos e serão muito importantes para os nossos planos. Após isso, acho que vem a
etapa de ida para o exterior, para começar a longa tarefa da
construção de um banco global,
que será um grande desafio.
FOLHA - Há a pretensão de comprar algum banco nos EUA?
SETUBAL - Primeiro, não vamos
comprar problemas. O que
queremos é comprar bancos
bons no exterior, e esses nunca
são baratos. Por isso, é muito
improvável que a gente venha,
num primeiro momento, comprar instituições relevantes nos
EUA. Além disso, como temos o
desejo de ter participações de
mercado sempre grandes, não
temos tamanho para comprar
algo muito grande nos EUA.
FOLHA - E como será a escolha dos
diretores do novo banco?
SETUBAL - Eu serei a pessoa que
proporá ao conselho quais serão os diretores que gostaria
que trabalhassem comigo.
FOLHA - O senhor já tem idéia dos
nomes?
SETUBAL - Só conheço superficialmente os diretores do Unibanco, mas tenho certeza de
que há muita gente boa.
FOLHA - O sr. tem prazo para compor essa nova diretoria?
SETUBAL - Não, mas queremos
fazer isso relativamente logo.
Até o final do ano, eu espero ter
isso concluído. Já estou interagindo com os diretores do Unibanco. Temos tido reuniões
conjuntas, vou ver apresentações sobre os negócios do Unibanco, tudo isso de tal forma
que eu possa ir tomando conhecimento do funcionamento
do banco e das pessoas.
FOLHA - Há planos de fechamento
de agências?
SETUBAL
- Não vamos fechar
agências. Se olharem o nosso
histórico, olharem todas as
operações que fizemos nesses
anos de aquisições, não fechamos nenhuma agência, principalmente nos grandes centros.
O objetivo não é ganhar com o
fechamento de agências, até
porque, na verdade, o que a
gente observa é que as agências
do Itaú estão bastante cheias de
clientes, a ponto de termos
aberto unidades próximas
umas das outras. Além disso,
quando você fecha uma agência
fora de um local mais denso,
você perde os clientes. O eventual fechamento de agência será absolutamente marginal.
FOLHA - E em relação aos funcionários?
SETUBAL - Não fechar as agências já é um bom ponto de partida. Não temos nenhum programa de demissão na cabeça. Não
foi para isso que foi feita a transação. Vamos fazer um processo de cortes de custos suave,
tranqüilo. Há muitos custos
que podemos reduzir, como o
de licença de softwares e o de
computador, e isso pela simples junção de uma série de atividades. A área de compras fica
com um poder de desconto
maior em razão do tamanho do
comprador. Há uma série de
benefícios que vamos buscar.
FOLHA - Como o presidente Lula recebeu a notícia da fusão?
SETUBAL - Falamos com o presidente no domingo à noite [da
semana passada]. Ele foi um
entusiasta, entende a importância de fazer uma transação
dessa dimensão neste momento. É uma tremenda demonstração de confiança no país. A
notícia teve um impacto bastante positivo de modo geral. A
transação trouxe até algum otimismo para o mercado.
FOLHA - O que o sr. espera que os
concorrentes farão, principalmente
o Banco do Brasil e o Bradesco?
SETUBAL - A competição vai ficar mais dura agora. Os concorrentes vão reagir, evidentemente. Vão abrir agências,
comprar outros bancos, vão fazer, enfim, um esforço grande
para expandirem suas operações, ganharem mercado.
FOLHA - A maior concentração será
pior para o consumidor?
SETUBAL - Eu vejo exatamente o
oposto. Acho que haverá aumento de concorrência. Os
bancos vão procurar recuperar
posições no mercado, vão tentar ganhar "market share" e isso será positivo para o mercado. A concorrência aumentará.
FOLHA - Até que ponto a crise ajudou a acelerar o negócio?
SETUBAL - Esse é um negócio
que foi sendo amadurecido ao
longo de 15 meses. Mas por que
agora? O que respondo é: por
que não agora? Essa crise talvez
tenha sido mais um tema nas
conversas. Sabemos, evidentemente, que um banco mais forte é muito melhor para enfrentar uma crise internacional como essa. Mas a decisão foi tomada porque era o momento. A
conversa já estava madura.
FOLHA - Como o senhor vê a crise e
a reação do governo?
SETUBAL - O Banco Central está
fazendo as coisas corretamente
com o objetivo de evitar um
problema maior. Nas últimas
duas semanas, já houve um momento importante de volta da
liquidez no mercado. As tensões diminuíram significativamente. Isso pode se ver até pela
cotação do dólar e pela redução
de volatilidade em geral dos ativos financeiros. As coisas estão
caminhando, estão melhorando. Continuo acreditando que
ainda vamos ver melhoras aqui
em termos de liquidez.
Todos fomos pegos de surpresa pela forma como a crise
chegou rápido no Brasil, mas o
BC conseguiu agir a tempo. O
problema dos derivativos cambiais fez com que a gente vivesse aqui momentos de tempestade, mas que já estão sendo solucionados em grande parte. A
tendência é melhorar.
FOLHA - E como o sr. vê a crise daqui para a frente?
SETUBAL - Acredito que já tenhamos passado pelo pior. O
que a gente percebe depois das
medidas extraordinárias tomadas tanto pela Europa como pelos EUA é que a crise financeira
está controlada. Ela está reduzindo a sua intensidade razoavelmente. O que se vê é uma série de problemas na economia.
Isso já é visível nos EUA e na
Europa, com a redução da atividade econômica. Veremos reflexos no mundo inteiro.
O Brasil não tem nenhuma
crise interna, mas vamos sentir
os reflexos da crise externa. Isso já é perceptível através do
câmbio, que é o que liga o Brasil
ao mundo exterior. Essa mudança de patamar no câmbio
tem muitos aspectos positivos,
mas certamente exigirá um
ajuste da economia brasileira.
Acredito que o Brasil, pelo tamanho do mercado interno e
pela nossa baixa dependência
das exportações, tem tudo para
voltar a crescer 4% em 2010 ou
2011. Nesse meu cenário, estou
considerando um crescimento
em torno de zero para os EUA e
para a Europa, o que já é um número bastante negativo. Crescimento zero para os EUA é
uma tremenda recessão. Se isso
se amplificar muito, se ocorrer
retração de 2%, aí as coisas ficarão mais difíceis. A gente vai ter
mais dificuldades em retomar
esse nível de crescimento.
Mas, de forma geral, ainda
acho mais provável um crescimento zero ou próximo disso
nos Estados Unidos e na Europa, o que nos permitirá um
avanço, em 2009, de em torno
de 2% a 3% e algo melhor para
2010.
FOLHA - O sr. está otimista?
SETUBAL - Eu diria que estou
conservadoramente otimista.
FOLHA - A liquidez ainda continua
empoçada?
SETUBAL - Está diminuindo
bastante. As medidas do BC já
estão fazendo efeito. Os bancos
receberam as medidas, começaram a agir e estão conseguindo implementá-las. Se a gente
pensar um pouco, é natural que
demorem um pouco até fazer
efeito, mas estamos assistindo
a uma melhoria importante nas
condições do mercado financeiro no Brasil. É como tomar
um remédio. Demora alguns
dias até começar a fazer efeito.
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